quarta-feira, 16 de abril de 2025

Com quase 30% dos casos confirmados do RS, como Viamão lida com o maior surto de dengue da sua história

 Município já tem praticamente o dobro de confirmados nos 100 primeiros dias de 2025 do que todo o ano passado

O município de Viamão passa por um surto de dengue | Equipes da Secretaria de Saúde de Viamão trabalham na pulverização contra o mosquito nas residências do bairro da Vila Augusta | Foto: Camila Cunha


Viamão, na Região Metropolitana, vive uma epidemia de dengue como nunca vista antes, com 2.052 casos confirmados até esta terça-feira, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), além de duas mortes, conforme a Prefeitura. No Painel de Casos de Dengue estadual, ainda havia a contabilização de uma, de um idoso de 86 anos, mas a administração confirmou uma segunda em investigação até a data de hoje.

O contingente de confirmações da doença na 16ª semana epidemiológica é 4,2 vezes maior do que no mesmo período do ano passado (483 casos), então recordista. 2024, aliás, já havia sido 160% maior do que em 2022, então o ano com mais confirmações. Em todo o ano de 2024, Viamão teve 1.048 casos de dengue, ou seja, os primeiros 100 dias de 2025 já praticamente têm o dobro de confirmados na relação com o ano anterior inteiro.

O município decretou situação de emergência no final de março e a conta já está em R$ 1 milhão para, entre outras ações, possibilitar a instalação de um hospital de campanha 24h do Exército, que hoje funciona ao lado da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, e vê os pacientes se acumularem a taxas alarmantes. Hoje, a cada dez pessoas confirmadas com dengue no Rio Grande do Sul, quase três moram em Viamão, concentrando 28% do total. O município é líder absoluto neste ranking, com 800 confirmações a mais do que Porto Alegre, que tem população quase seis vezes maior.

“Vimos que a UPA não daria mais conta, e não teríamos mais condições físicas ou financeiras de expandir nossos atendimentos. Não estávamos preparados para esta quantidade de pessoas adoecendo ao mesmo tempo”, resume a secretária Municipal da Saúde, Michele Galvão.

“Somente um médico a mais dentro da UPA por 24 horas custa R$ 120 mil por mês. Mas uma coisa que nos ajudou foi que percebemos tudo isto rapidamente”, complementa. Observando os gráficos, é possível perceber que o platô dos casos acumulados no município geralmente é atingido por volta da 20º semana epidemiológica, em meados de maio.

No entanto, em 2025 é diferente: por ora, já na 16ª, os casos estão relativamente estabilizados. No ano passado, por exemplo, nesta mesma época, ainda havia um crescimento de confirmações. “Estamos na expectativa de que esta semana seja a última de aumento de casos, e depois da Páscoa, comece uma redução”, diz a secretária.

O município de Viamão passa por um surto de dengue | Equipes da Secretaria de Saúde de Viamão trabalham na pulverização contra o mosquito nas residências do bairro da Vila Augusta Camila Cunha

Ela afirma que, há algumas semanas, havia uma média de 500 novos pacientes por dia, quando, em 2024, no máximo houve 100. “Nunca houve dengue em fevereiro no município, mas, neste ano, no dia 7 daquele mês, já havia 16 confirmações. Isto acendeu o alerta. Na semana seguinte, eram 30. Já estávamos fazendo aplicação de inseticida com máquina costal em três mutirões nos locais mais afetados, como Vila Augusta e Jari, mas vimos que no território em questão os casos estavam aumentando”, diz ela.

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) auxiliou com um veículo pulverizador, mas, como nada adiantava, segundo ela, o decreto municipal permitiu a solicitação de apoio federal, por meio do Exército e da Força Nacional do SUS, com a instalação do hospital de campanha, que acabou se convertendo em um centro de hidratação.

A intenção também foi chamar a atenção para a necessidade de mais doses de vacina. No começo de 2025, apenas 20% das pessoas entre 10 e 14 anos, público vacinável contra a dengue, estava imunizada. “Fomos para dentro das escolas, levando as vacinas para as regiões prioritárias, e conseguimos aumentar este número para 45%”, conta Michele.

As causas deste aumento neste ano só podem ser explicadas por hipóteses; no entanto, uma com força na Prefeitura, e que também é visível pela população, é o lixo. Em 2024, a então empresa que fazia a coleta, a Coleturb, de Porto Alegre, apresentou falhas, e assim, o contrato foi rescindido e a Brisa Transportes, de Ijuí, foi contratada em dezembro por uma licitação emergencial pelo prazo de um ano. Sua principal responsabilidade foi resolver o passivo dos entulhos que começavam a se acumular pela cidade. Ainda há alguns focos, como na rua Ospa, no bairro São Lucas.

“Isto está normalizado, com o apoio da Secretaria de Obras. Somado a isto, há os hábitos que há com parte da população de Viamão, que é o descarte irregular, principalmente onde o surto começou. Eu tiro, limpo meu pátio, tiro galhos, limpo o chão e chamo um carroceiro, que recolhe da minha casa e coloca na frente de outra. Aí os cães vão lá e espalham tudo na rua”, comenta a secretária. “Uma tampinha de garrafa é suficiente para o mosquito Aedes aegypti espalhar o ovo”. Ela diz ainda acreditar que, apesar dos altíssimos números da doença, decisões foram tomadas “no tempo certo”, se não, os “impactos seriam piores”. “Temos que trabalhar sempre juntos, ver onde as coisas estão acontecendo para tomarmos a melhor decisão”.


Pacientes do Hospital de Campanha relatam febre, dores, manchas na pele e desmaios

Na manhã desta terça-feira, o jovem Cauã Silveira, morador do bairro São Lucas, na parada 43, estava sentado no lado de fora do Hospital de Campanha, e relatava fraqueza, dor nas costas e no pescoço, além de falta de apetite. “Não sei como fui picado. Eu passei mal enquanto assistia ao jogo do Inter, e fui embora no intervalo”, contou ele.

Era o último dia 10, e a partida em questão era contra o Atlético Nacional, da Colômbia, pela Libertadores, no Estádio Beira-Rio. “No dia seguinte, cheguei até a desmaiar. Pensei, se não melhorar até um certo dia, terei de consultar. Minha avó me trouxe”. Andrise Toledo, dona de casa, trouxe a filha Isabele, de 15 anos, que também estava com sintomas da doença.

“Ela está vomitando sem parar e tem manchas vermelhas no rosto, dores no corpo e calafrios. O médico da UPA viu ela e achou melhor mandar para cá. O atendimento até foi bastante rápido. Fico um pouco apreensiva com o estado de saúde dela”, comentou Andrise. Morador da parada 44, também no São Lucas, Walter Luiz Porto Lopes disse que sentiu quando foi picado no pescoço e na perna, depois de cortar a grama de casa.

“Dei uma cochilada e logo após comecei a espirrar, imaginei que era rinite. Tomei um remédio, porém horas depois não conseguia nem falar e dirigir direito ou abrir os olhos pela dor que sentia. Dormi, e acordei trepidando de febre, medi e estava acima de 38 graus. Agora estou meio zonzo, e parece que meus olhos têm areia”, comentou ele, que nunca havia contraído dengue antes, tampouco já havia sido atendido na UPA. “Mas o atendimento está muito bom e não há o que reclamar da agilidade”, disse ele.

O major Douglas da Silva Souza, responsável pela estrutura do hospital de campanha do Exército, diz que há uma equipe de cinco militares designados para manter a estrutura de pé e funcionando, além de mais oito responsáveis pela segurança. Médicos e enfermeiros são da UPA de Viamão. 150 pacientes passam, em média, diariamente, pelo local.

“Para nós, é gratificante poder trabalhar com a população, e está sendo uma boa experiência para os militares, até porque podemos empregar nosso material e estarmos prontos para uma futura missão, se necessário”, comenta ele. Conforme o major, a expectativa é permanecer no local por 60 dias, a contar da semana passada, mas, caso a Prefeitura de Viamão contate o Comando Militar do Sul (CMS), a data pode ser estendida.

Pulverizador para reforçar o combate ao Aedes aegypti

Agentes de endemias percorriam na terça ruas da Vila Augusta, como a Padre Cacique e a Dário Gonçalves Molho, para pulverizar as casas contra o mosquito transmissor da dengue. Uma das casas visitadas foi da dona de casa Amanda Ricardo de Oliveira, que vive em uma de três residências da família no mesmo terreno, onde mora um total de oito pessoas, sendo três crianças.

“Moro aqui há 27 anos, desde que nasci, e é a primeira vez que vejo eles passando este pulverizador. Não fazendo mal para as crianças e eliminando o mosquito, está totalmente aprovada (a ação)”, disse ela. Amanda contou que o filho de uma amiga, moradores próximos, contraiu dengue há alguns anos, quando tinha por volta de cinco anos de idade, e “desaprendeu a caminhar e a falar”, se recuperando apenas anos mais tarde com fisioterapia e tratamento médico intensivo.

Em uma farmácia da mesma região, o proprietário Júlio Cesar Dornelles disse não ter havido redução nos estoques de repelentes, nem de termômetros ou medicamentos receitados para o combate aos efeitos da doença, como soro hidratante, antialérgico e dipirona. “A gente sempre tem bastante, então nunca falta. Aumentou a procura, é verdade, porém nos reforçamos bem para esta demanda. Se encomendamos em um dia, já vem tudo no outro”, completou ele.

Correio do Povo

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