terça-feira, 25 de março de 2025

HISTÓRIA ORAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO – 31 DE MARÇO DE 1964, volume 1 ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS

 

 

 

General-de-Exército Geise Ferrari

 

Síntese biográfica - Foi declarado Aspirante-a-Oficial em 15/12/1949; Oriundo da Arma de Infantaria; Promovido ao posto de General-de-Exército em 31/07/1991; Período de Comando do COTER 03/04/1992 a 15/08/1994. Natural do Rio de Janeiro, RJ. Último posto da carreira: General-de-Exército. Foi Comandante Militar do Oeste (MS), Chefe do Departamento Geral do Pessoal e Comandante de Operações Terrestres. Possui os cursos regulares do Exército e o da Escola Superior de Guerra. No exterior: adjunto da Comissão Militar Brasileira em Washington. Em 1964, era Comandante do Curso de Infantaria da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

 

Entrevista realizada em 24 de maio de 2000

 

1964, 31 DE MARÇO: O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO E A SUA HISTÓRIA

 

D

esejo inicialmente agradecer esta oportunidade de relatar o que vi e o que fiz à frente do Curso de Infantaria durante a Revolução de 1964, que costumo chamar de "contra-revolução", porque uma revolução já estava em curso, de tendência comunista.

É preciso lembrar, alertar, que eu era, na oportunidade, o Comandante e Instrutor-Chefe do Curso de Infantaria, apesar de ainda não possuir o Curso de Estado-Maior (o cargo é privativo de oficiais possuidores do curso de Estado-Maior da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME).

Meu antecessor e grande amigo, hoje General Harry Schnardoff, nomeado para uma comissão na Alemanha, já havia deixado a chefia do Curso antes do início da Revolução, tendo o cargo ficado vago. Como oficial mais antigo, assumi o Curso, até que fosse nomeado um novo Instrutor-Chefe.

Um outro aspecto que também queria ressaltar, de início, é que o Curso de Infantaria, pela primeira vez, foi reunido numa só Companhia de Cadetes, tendo em vista o efetivo um pouco reduzido naquele ano. De modo que era uma Companhia de Cadetes com um efetivo aproximado de duzentos cadetes. Esses são detalhes que terão reflexos durante a minha apresentação.

Naquela época, em decorrência do clima de insegurança existente no País, para nós, da Academia, importava saber o que pensava o nosso Comandante. General Emílio Garrastazu Médici. Essa preocupação se dissipou no ano anterior, em 1963, por uma atitude que ele tomou e eu aqui relato.

No dia 1º de outubro, tiveram início as obras da construção da barragem do Funil, com a presença do Presidente da República e de altas autoridades dos governos federal e estadual. A programação previa um banquete em homenagem ao Presidente João Goulart, no restaurante Itatiaia, ocasião em que o Governador do Estado do Rio, Badger da Silveira, saudaria a mais alta autoridade do País. Sob a alegação de que o local era exíguo para a realização da homenagem programada, o Ministro da Guerra determinou ao Comandante da Academia que cedesse a Biblioteca Acadêmica para o banquete. Seria, evidentemente, um comprometimento da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) com uma reunião eminentemente política. Na Biblioteca, quando o Governador Badger da Silveira se dispôs a iniciar o seu discurso, o General Médici levantou-se e, declinando sua função de Comandante da AMAN, cassou-lhe a palavra, alegando que qualquer envolvimento da Academia com eventos políticos, seria deplorável e que, por isso, ele pedia que não se procedesse a qualquer pronunciamento político naquele recinto.

A atitude destemida do então Comandante da AMAN frustrou a caterva peleguista que acompanhava o Presidente da República, reduzindo aquela programação, de custoso aparato, a um mero e opíparo ágape festivo.

Para nós, a Revolução de 31 de março de 1964, na AMAN, começou naquele 1º de outubro de 1963, ocasião em que o seu comandante se posicionou, peremptoriamente, contra o alheamento político da Academia Militar.

Queria citar ainda outra manifestação do General Médici: nas diversas palestras que ele determinou que fossem realizadas sobre guerra revolucionária para oficiais do Corpo de Cadetes e demais oficiais da Academia, durante uma delas, no anfiteatro, o palestrante começou a discorrer sobre as cinco fases da guerra revolucionária. Em dado instante, um companheiro nosso, o então Capitão Dagmauro, levantou-se e disse, na presença do General Médici e de vários oficiais do seu estado-maior: “Nós estamos na quinta fase, e quem orienta a guerra revolucionária é o Palácio do Planalto, em Brasília”.

Não houve nenhuma reação do General Médici contra a manifestação, inclusive aplaudida por alguns dos oficiais presentes. A partir daquele momento, tornou-se patente o pensamento do nosso Comandante e pudemos ligá-lo às decisões que o General Médici tomaria no caso de uma grave perturbação da ordem.

O que fizemos antes da Revolução no Curso de Infantaria, ainda à época do então Major Harry Schnarndorf como Instrutor-Chefe? Nós conversávamos com os cadetes, mas não podíamos incitá-los a uma rebeldia contra o governo. Entre nós oficiais e com a aquiescência do então Coronel Potyguara[1], Comandante do Corpo de Cadetes, abríamos o nosso coração, dizíamos o que pensávamos contra aquele estado de baderna que imperava em todo o País.

Eles – o Coronel Potyguara e o General Médici – sabiam o que pensavam alguns dos oficiais do Corpo de Cadetes. Entre as providências que tomamos e que eram do conhecimento do Coronel Potyguara, destacamos: procuramos diminuir o risco de que pudesse haver um movimento dos sargentos – que vinham sendo insuflados pelo governo, particularmente no Rio de Janeiro – evitando o acesso aos paióis da Academia para retirada de munição.

Então, começamos a retirar determinado tipo de munição, sob a alegação de que realizaríamos exercícios com o Curso de Infantaria e essa munição foi sendo recolhida ao Parque de Infantaria, sob nossa guarda.  Tudo o que fazíamos, conversávamos com o Coronel Potyguara, de modo que ele soubesse o que tinha e qual era o pensamento do Curso de Infantaria.

Outra providência tomada era junto aos cadetes, sargentos de dia ao Curso, para que, a qualquer momento, tivessem condições de retirar o Curso inteiro do Conjunto Principal, onde estavam os alojamentos, e o levasse para o Parque de Infantaria, porque também tínhamos receio de que a saída do Conjunto Principal pudesse, facilmente, ser bloqueada.

A ordem, então, que dávamos – a eles, sargentos de dia – era que se deslocassem para o parque e lá aguardassem a chegada dos oficiais. Com o agravamento da crise, que se processou particularmente na antevéspera da Revolução, estávamos nas dependências do Curso Básico com a presença de vários oficiais do Curso de Infantaria e do Curso Básico, ouvindo a manifestação do então Governador Brizola, pela Rede da Legalidade. Aquilo foi nos deixando ansiosos por uma decisão, tendo em vista a gravidade das palavras que ele dirigia a toda população brasileira. Houve aí um pequeno desentendimento, porque convoquei os oficiais de Infantaria que me acompanhassem ao Corpo de Cadetes para conversar com o Coronel Potyguara.

Um dos oficiais ali presentes, mais antigo, achou que nós estávamos aliciando oficiais que não nos eram subordinados, porque além dos oficiais de Infantaria, do Curso de Infantaria, alguns oficiais do Curso Básico aderiram ao nosso chamamento. Esse mal-entendido foi contornado, e saímos para transmitir ao Coronel Potyguara a nossa ansiedade. Na noite de 31 de março, foi preparada uma proclamação pelo General Médici.

Acredito que o General Corrêa já tenha feito a citação, quando de sua entrevista, mas gostaria, apenas, de ler o trecho inicial:

 

“A AMAN ao adotar a atitude que tomou e que nossa presença aqui materializa, pensou principalmente na validade eterna dos princípios da disciplina e da hierarquia, que têm sido o apanágio glorioso de nossas Forças Armadas. Aqui está a mocidade militar do Brasil, representada por jovens possuídos dos mais alcantilados sentimentos de patriotismo e apego ao dever, não para agredir seus irmãos de armas, nem para deixar-se sacrificar, mas sim para salvaguardar os princípios que regem a profissão que escolheram por vocação irresistível e, se necessário for, dignificar a farda que vestem, através de atos de que falará no futuro, com respeito e admiração, a História de nossa estremecida Pátria”.

 

Esse pronunciamento do General Médici estava pronto, mas alguns outros eventos ocorreram nessa madrugada. Veio ordem do I Exército para que a AMAN colocasse de prontidão o Batalhão de Comando e Serviços. Era um efetivo grande, ainda que a tropa pronta para emprego desse Batalhão fosse apenas a Companhia de Guardas. Os demais eram elementos de apoio à Academia.

Simultaneamente a tal ordem, o Comandante da AMAN foi notificado “de um levante do povo de Minas Gerais, com o apoio de forças federais e estaduais sediadas naquele Estado, contra o governo federal”. Essa foi a notícia transmitida pelo I Exército. O General Médici determinou o cumprimento da ordem, entrando de prontidão o Batalhão de Comando e Serviços. Ativou um comando operacional constituído por oficiais da Academia, parte deles já integrantes do seu estado-maior pessoal.

Um fato curioso surgiu nessa noite. Estava ocorrendo o casamento de um oficial da Academia, ou da filha de um oficial da Academia, na capela externa à AMAN, de modo que um grande número de oficiais, talvez a maioria dos oficiais do Corpo de Cadetes e também da Academia, estava presente à cerimônia. Eu não sei por que, talvez suspeitando de que a coisa estava muito grave, não fui, e estava em casa, quando tomei conhecimento dessa notícia vinda do I Exército. Na mesma hora, determinamos ao sargento-de-dia do Curso de Infantaria que retirasse o Curso do Conjunto Principal, o levasse para o Parque e lá aguardasse a chegada dos oficiais. De modo que, para surpresa de muitos, o Curso de Infantaria saiu todo e se deslocou para o Parque. Com isso, evitamos qualquer reação da parte dos sargentos.

Foi, imediatamente, acionado o plano de chamada de oficiais e graduados e, juntos, nos encontramos no Parque em questão de pouco tempo, iniciando a execução do plano de defesa das instalações. O problema, como tenho dito anteriormente, era uma ameaça: o Parque de Infantaria era muito próximo ao Batalhão de Comando e Serviços. De modo que, com qualquer movimento, poderíamos ficar ilhados dentro do parque.

Às 2h do dia 1º de abril de 1964, o General Costa e Silva telefona para o General Médici e pede a ele o apoio da Academia, para permitir que as tropas que pudessem ser deslocadas do II Exército passassem por Resende sem qualquer ameaça das tropas do I Exército.

Quero chamar a atenção e grifar: o General Médici, às 2 h da manhã, tomou a decisão de empenhar a Academia a favor da Revolução. O II Exército ainda não tinha informado sua decisão de aderir. Chamo atenção porque criaria uma situação inusitada caso não tivesse havido a adesão do II Exército: a Academia ficaria entre duas forças do mesmo partido, o que seria uma situação extremamente difícil.

Às 2h30 min dessa mesma madrugada, o General Amaury Kruel ligou para o General Médici, declarando que tinha aderido à Revolução e solicitando que a Academia assegurasse a passagem das tropas do II Exército por Resende sem serem hostilizadas. Às 3 h, o Comandante do I Exército informou ao Comandante da AMAN, haver determinado o deslocamento do Grupamento de Unidades Escola (GUEs) para São Paulo, a cavaleiro da BR-2 (atual BR-116, Via Dutra), prevendo a passagem por Resende ao meio-dia de 1º de abril.

Essa era a informação do Comando do I Exército. Até às 6h, desse dia, o quadro era o seguinte: I Exército – situação indefinida, ainda no Rio de Janeiro; 4ª Divisão de Infantaria (4ª DI), de Juiz de Fora, MG – em deslocamento para o Rio de Janeiro; o GUEs – algumas Unidades iniciam o seu deslocamento na direção de São Paulo. Tomamos conhecimento de que vinha como vanguarda, um batalhão reforçado do REsI (Regimento Escola de Infantaria) e o Grupo Escola de Artilharia (GEsA); 1ª Divisão de Infantaria (1ª DI) – deslocando-se para Juiz de Fora; II Exército – iniciando o deslocamento de forças para o Rio de Janeiro.

A AMAN, solidária à Revolução, expede a ordem preparatória para o emprego do Corpo de Cadetes. Entre 6 h e 8h30 min do dia 1º de abril, foi lançada uma vanguarda constituída pelo Esquadrão de Cavalaria da Academia (cadetes), acompanhado por elementos de Engenharia, pelo eixo da BR-2, na direção de Barra Mansa, com a missão de ligar-se ao 1º BIB (Batalhão de Infantaria Blindado), que tinha a sua sede naquela cidade, e ocupar posições nas alturas que dominam Ribeirão da Divisa. Nessas alturas, procurar impedir que as tropas do I Exército, até o fim da jornada, atingissem a região de Resende. Na noite de 31 de março para 1º de abril, existe um detalhe do Curso de Infantaria que vale a pena relatar. Tão logo tomamos conhecimento da decisão do General Médici, desloquei-me para o Curso de Infantaria junto com todos os oficiais e graduados, e informei aos cadetes o que se passava. Usando uma linguagem simples, mostrei-lhes a nossa preocupação e constrangimento, até aquele momento, de não poder dizer-lhes qual era o pensamento dos oficiais do Curso.

Concitei a todos que se manifestassem, e aqueles que não concordassem com a decisão tomada, que se apresentassem naquele momento. Não houve qualquer desistência, nem da parte de oficiais, nem da parte dos cadetes. Tomamos apenas uma providência, que foi a de mandar prender um sargento do Curso que, inclusive, estava em casa acamado, mas era filiado a uma célula comunista, e um cadete do segundo ano por uma questão apenas de precaução, considerando que nós sabíamos que ele tinha o pai e um irmão comunistas.

Além do que – uma curiosidade daquela época – pelos jornais que eram lidos, tínhamos um levantamento, feito pelo oficial de informações do curso, das tendências de cada apartamento dos cadetes e, exatamente no apartamento desse cadete que foi preso, eram lidos os jornais contra a Instituição, contra a Revolução. Ele inclusive tinha sido voluntário para dar aulas de alfabetização no Batalhão de Comando e Serviços, usando a cartilha de Paulo Freire. Então, esses dois elementos foram retirados do Curso. Entretanto, cabe destacar que nem o cadete nem o sargento, em nenhum momento, adotaram qualquer comportamento contrário ao movimento revolucionário que eclodia. As medidas por nós tomadas foram apenas preventivas.

Tínhamos, também, uma organização prevista para diferentes casos de emprego e os que conhecem a organização militar verão que a estrutura do Curso reuniu elementos e frações para vários tipos de emprego, porque era nossa ideia levar tudo o que tínhamos em armamento. Assim, nos organizamos com três pelotões de fuzileiros, um pelotão de canhões 105 sem recuo, um pelotão de morteiros 4.2, uma seção de morteiros 81, uma seção de morteiros 60, uma seção de canhões 75 mm sem recuo, uma seção de canhões 57 sem recuo e uma seção de metralhadoras pesadas, totalizando entre oficiais, graduados e cadetes, cerca de 250 homens. Isso era tudo o que tinha o Curso de Infantaria.

Determinei que o então Capitão Léo (Ulyssea) Lebarbenchon (já falecido), nas funções de S3, ali nomeado, partisse na direção de Volta Redonda para fazer o levantamento de uma possível posição defensiva (PD) a ser ocupada pelo Curso de Infantaria.

Na manhã do dia 1º de abril de 1964, recebemos ordem de deslocamento para atingir uma região antes do corte do Rio Paraíba e, a meio caminho, recebemos uma ordem escrita (apresentou o original à História Oral) levada em mãos pelo então Coronel Antônio Jorge Corrêa, hoje General-de-Exército, e que dizia:

 

“Capitão Ferrari. 1. De ordem de Sua Excelência deveis avançar até o Quilômetro 120, onde deve ser organizada vossa posição. 2. O elemento mais avançado da AMAN está se deslocando para a região da EDIMETAL, na altura do Quilômetro 114 da BR-2. Ass. Coronel Corrêa”.

  

No prosseguimento da marcha, entre a primeira posição que tínhamos recebido para ocupar e essa segunda posição no Quilômetro 120, houve um fato curioso que poderia ter gerado uma situação extremamente triste, porque eu havia recebido ordem do Coronel Potyguara de entrar em posição e ficar em condições de acolher o Curso de Cavalaria, se pressionado. O que viesse a mais não seria “tropa amiga”.

A meio caminho, ao transpor uma curva da estrada, divisamos ao longe um comboio de viaturas pesadas de 2,5 toneladas, tracionando obuses 105 mm, e eu não tinha a menor ideia do que se tratava (não havia ainda comunicações suficientes e a vanguarda, a Cavalaria, não tinha me alertado).

A primeira reação foi mandar parar o nosso comboio, atravessar as viaturas na estrada e a tropa ocupar posição, inopinadamente. Impressionou-me, neste momento, a prontidão do cadete. Quando olhei para trás vi a “cadetada” subindo as encostas, entrando em posição, colocando as armas em condições de tiro. Por sorte, pelo binóculo, verifiquei que na boléia do primeiro jipe vinha um capitão – Adir – da Academia, e deduzi que ele estava trazendo alguma tropa que tivesse aderido ao movimento. Demos ordens para ninguém atirar e o comboio, ao se aproximar, fez alto – porque a estrada estava interditada – e houve um congraçamento com os companheiros do GEsA que haviam aderido à Revolução. Esse fato mostrou a prontidão da “cadetada” para cumprir qualquer missão. Foi um motivo de muita satisfação.

Na parte da tarde, atingimos a região da nova PD e iniciamos a sua preparação e ocupação. Almoçamos durante o movimento. Só não veio uma Bateria do GEsA, que já estava em posição. Era a Bateria que vinha na Vanguarda do Destacamento do REsI. O mesmo se deslocava sob o comando do Coronel Abner, e contava na Vanguarda com um Batalhão e uma Bateria do GEsA. Essa tropa fez alto antes de Barra Mansa e ali resolveu ocupar posição.  A adesão do Grupo Escola de Artilharia (menos uma Bateria), foi um momento de alívio, porque a disparidade era muito grande. O Grupo Escola era equipado com armamento do Acordo Militar Brasil–Estados Unidos e as viaturas 2,5 t estavam carregadas de cunhetes de munição. Nós tínhamos apenas uma Bateria de Cadetes, do Curso de Artilharia da Academia, para enfrentar aquele volume de fogo, caso todo o Grupo atirasse contra nós. Por outro lado, essa Bateria que ficou parada antes de Barra Mansa, despertou no Coronel Abner uma dúvida: ela teria permanecido em posição, sem aderir, porque não sabia a atitude de seu Grupo ou porque estava “presa” na posição. Então, também essa Bateria passamos a admitir como tropa que não atiraria em nós.

Outro fato que, da mesma forma, vale a pena relatar é que, nessa situação, o Coronel Abner ordenou que o Pelotão de Morteiros Pesados 4.2 do REsI entrasse em posição e apontasse para a Academia. O Tenente Comandante se negou a apontar as peças para a Academia e já tinha mandado os sargentos, que estavam com ele, encristar a trajetória na serra, para não atingir a tropa de cadetes. Essas informações chegavam ao nosso conhecimento devido a um fato curioso – coisas que sempre acontecem nesses momentos. Depois que o BIB (1º Batalhão de Infantaria Blindado) foi estruturado para emprego – por determinação do General Médici – um capitão dessa Unidade, que ficou sem função definida, teve, então, uma ideia: com o seu carro, um “fusca”, passou a visitar a posição do Coronel Abner (ele servira com o Coronel Abner no REsI). Sempre que ia lá, perguntava pela intenção do Coronel Abner, o que é que ele pretendia fazer, qual era a situação da tropa, e nos informava. Evidentemente que a informação passava pelo Coronel Potyguara, que estava lá na frente, e chegava até o Curso de Infantaria. Então, tínhamos um acompanhamento cerrado do que se passava no âmbito da tropa do I Exército. Foi desse modo que soubemos a negativa do Pelotão de Morteiros 4.2 de atirar sobre nossa posição. Logo, não haveria fogos de armas de tiro curvo, que era uma grande ameaça, contra o Curso de Infantaria.

Para a tropa do I Exército, ultrapassar a série de obstáculos colocados à sua frente era extremamente difícil. Vi, pela primeira vez, uma extensa ponte da rodovia, toda pronta para ser destruída pelo pelotão de Engenharia da Academia. Além do mais, havia o Curso de Cavalaria interposto entre a tropa deles e a nossa PD.

Como pude ver depois, o Comandante do Curso – Major Corrêa – irmão do Coronel Antônio Jorge Corrêa, ia se necessário, posicionar viaturas pesadas, de uma empresa de engenharia de construção de estrada, para bloquear o eixo, tornando mais difícil o acesso até a PD... Entremeamos os pelotões de fuzileiros com as peças das diferentes armas e ocupamos toda a elevação que nos foi imposta, escolhida pelo Estado-Maior do General Médici. A situação era privilegiada porque defrontávamos exatamente a BR-2 (hoje BR-116), que se situava perpendicularmente à nossa posição. Aí, pude observar o comportamento do cadete, o seu cuidado. Todos prepararam os seus espaldões das mais diferentes espécies de armas – metralhadora, morteiro, canhão sem recuo – abriram campos de tiro à frente das suas posições e seguiram religiosamente as ordens dos cadetes do 3º ano, que estavam em função de comando, para as quais foram nomeados pouco antes da Revolução eclodir.

Prepararam a munição das peças, particularmente as granadas de morteiro, todas prontas, em condições de emprego. Durante a madrugada, por várias vezes, eu e os meus oficiais vimos os cadetes todos acordados. Recomendamos que tinha que haver rodízio, porque não sabíamos por quanto tempo ficaríamos naquela situação. Sentimos que o que eles aprenderam, em sala ou em exercícios de campanha do Curso, estavam aplicando com alto grau de perfeccionismo. Não posso deixar de lembrar o trabalho hercúleo do Tenente Taveira[2] – hoje general na reserva – Comandante do Pelotão de Comunicações, que varou a noite instalando todos os cabos telefônicos para colocar em funcionamento, o mais rápido possível, a rede telefônica da posição, o que fez com absoluto êxito. Ele e os cadetes que o acompanhavam merecem esse destaque. Inclusive foi Comandante da AMAN. É verdade, depois, foi Comandante da Academia.

A Artilharia estava sob o comando de quem? Exatamente sobre isso, que eu ia falar. No começo da tarde de 1º de abril, vimos a chegada da Bateria do Curso de Artilharia do Corpo de Cadetes, comandada pelo meu grande amigo o Capitão Dickens (Ferraz), que mais tarde, como General, foi me substituir no comando da 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada (3ª BdaCMec). E o Dickens dizia das dificuldades que ele estava tendo em função da região extremamente montanhosa, difícil, exigindo da Bateria um tiro para o qual os cadetes do 3º ano ainda não tinham sido adestrados, que era o tiro vertical, porque estavam no início do ano. Isso foi feito ali no terreno, pelos oficiais do Curso de Artilharia, junto aos cadetes, orientando, ensinando como eles deveriam operar a Bateria no tiro vertical. Há pouco, comentava que as ligações também foram difíceis, pois o elemento do Curso de Comunicações retardou um pouco sua chegada, o que nos obrigou a fazer uma ligação provisória entre a Bateria e o Curso de Infantaria (a PD), com fio telefônico da própria Infantaria. Assim, transcorreu a noite de 1º para 2 de abril, tensa, sabendo que o REsI estava parado antes de Barra Mansa e o Curso de Cavalaria não tinha sido hostilizado. Foi uma noite de observação, de expectativa, aguardando qualquer evento.

Havia uma desproporção entre as forças. O REsI vinha com um batalhão reforçado, cerca de 800 homens, com armamento e munição do Acordo Militar, mais um Grupo de Artilharia, para enfrentar uma PD organizada com duzentos e cinquenta homens e o Curso de Cavalaria com cerca de setenta ou oitenta homens. Já me referi ao Pelotão de Engenharia que preparou a destruição das pontes sobre a ferrovia e na região de Guarita. Considerando esses obstáculos criados – se acionada a destruição dessas duas passagens – a tropa do I Exército teria que passar para a outra margem do Rio Paraíba, antes de Barra Mansa, por uma ponte, e tentar a aproximação para retomar a BR pelo outro lado, onde os eixos eram extremamente deficientes, eu diria que eram trilhas, e dificilmente viaturas pesadas conseguiriam andar por ali.

Ao raiar do dia 2 de abril, tomamos conhecimento que o 5o Regimento de Infantaria (5º RI), do II Exército, já tinha chegado a Resende e se preparava para fazer a substituição da tropa de cadetes. De modo que, substituídos pelo 5º RI, retornamos à Academia e, para grata surpresa nossa e dos demais companheiros que estavam lá na frente, face a face com o inimigo, encontramos uma recepção de alto nível.

O General Médici determinou que todo o efetivo da Academia, que não participara diretamente da entrada em posição lá na frente, se postasse em duas alas desde o Portão Monumental para nos receber. A população também acorreu, e mais as tropas do II Exército que estavam estacionadas. No meio daquele cordão de duas fileiras, desfilaram os Cursos. Há até uma curiosidade que vale a pena relatar. Os cadetes de Infantaria que estavam com as metralhadoras vieram me perguntar se podiam trançar pelo corpo os pentes com a munição. Aí eu disse: “Pode, hoje é dia de festa.” De modo que foi motivo de muita emoção o regresso à Academia, sem uma perda, para felicidade do Exército e do Brasil.

E assistimos a um desfile lindo, a vibração imensa dos cadetes que voltavam.

Nós do 2º RO 105 estávamos ali, com mais uma Bateria do CPOR de São Paulo, representando o II Exército, junto com o General Médici, com o Coronel Antônio Jorge Corrêa e com todos aqueles que não se deslocaram lá para frente. Então, foi uma recepção merecida, calorosa, aos cadetes que chegavam enlameados, exaustos, após duas noites sem dormir. Considero a decisão do General Médici uma das mais difíceis tomadas por um general durante a Revolução. A última vez que a Escola Militar – de Realengo – foi envolvida aconteceu em 1935. Desde então, não tomaram parte em nenhum movimento insurrecional interno. O risco que ele assumiu ali, em expor a vida daqueles jovens, foi muito grande. Isso a gente deduz de suas palavras, quando diz o seguinte: “Foi a mais difícil decisão tomada naquele dia.” E mais:

 

 “Cadetes! Ao decidir empregar a Academia e, em especial, o Corpo de Cadetes, eu e meus assessores diretos fomos tomados de viva emoção. Lançávamos assim o sangue jovem do Exército na liça, e corríamos o perigo de vê-lo umedecer as velhas terras do Vale do Paraíba...”, e concluiu: ‘Após vinte e nove anos de alheamento, a Academia Militar voltou a empenhar-se ostensivamente na luta pelo aprimoramento de nossas instituições, e pela tranquilidade de nosso País. Vós o fizestes com pleno sucesso e admirável galhardia. E por isso a história pátria lhes reserve uma página consagradora, fazendo-os ingressar no rol daqueles que, despidos de qualquer ambição ou interesse subalterno, um dia se dispuseram a lutar pelo País, que nossos descendentes hão de receber engrandecido e respeitado. Cadetes! Pela história atingis os umbrais da glória’”.

 

Uma beleza, aliás todas as proclamações do General Médici foram empolgantes... Por essa manifestação podemos deduzir a gravidade da decisão que teve de tomar. Estive presente em algumas oportunidades. Convém lembrar que o Batalhão de Comando e Serviços, como disse, uma Companhia de Guardas, foi empenhada na manutenção dos estoques de combustível, ao longo da BR.

O 1º BIB, de Barra Mansa, com uma estrutura muito reduzida, ficou com os carros blindados em Volta Redonda. Quem manteria a BR livre para o II Exército chegar? Só o Corpo de Cadetes. E ele então teve que tomar essa decisão. Inclusive, General, é importante destacar o valor dessa decisão para o moral do II Exército, que vinha extremamente preocupado, porque ia “bater de frente” com o Rio de Janeiro, como o senhor muito bem destacou, dotado de material do Acordo, com efetivos ponderáveis e muita munição, o que faltava ao II Exército.

Então, a Academia realmente trouxe alma nova, uma verdadeira alegria e satisfação a todos os integrantes que partiram de São Paulo sem saber o que iriam encontrar. Quando tomamos conhecimento de que a Academia estava ali à frente, ocupando uma posição defensiva e impedindo que as tropas do Rio viessem ao nosso encontro, sentimos grande alívio, pois estava afastada a possibilidade de um derramamento de sangue, que acabaria por acontecer.

Era isso o que queria destacar nas minhas considerações iniciais. Entendo que as manifestações sobre a Revolução de 1964, quando abordam a atuação da Academia, sempre pecam por apenas dizer o que fez a AMAN, sem se referir à decisão do General Médici. Vivemos ao lado dele naqueles momentos e reconhecemos que lhe coube tomar uma decisão fundamental e extremamente difícil. A História, contudo, reservou-lhe um lugar de destaque: foi Presidente da República. Apesar das críticas improcedentes, que os inimigos fazem à sua administração, foi um senhor Presidente da República. Modesto, decidido e afável no trato; conversava conosco, naqueles momentos de apreensão, com a maior simplicidade. Sabíamos que ele estava do nosso lado. Depois, como Presidente, foi simples com relação ao povo, com o seu radinho no Maracanã... Injustiçado por essa imprensa tendenciosa que ainda hoje aí está.

General, após esse relato importante, porque nos traz a verdade a respeito da participação da nossa AMAN em defesa dos ideais da Revolução, perguntaria ao senhor quais foram as raízes do Movimento Revolucionário desencadeado em 31 de março?

No meu julgamento, o clima de desordem que se instalou no País veio de anos anteriores, não foi em 1964.  Após a renúncia do Presidente Jânio Quadros, foi sendo criado um clima de ebulição, porque, lembro-me bem, de que pais e mães tinham receio de mandar os filhos ao colégio, devido às greves e badernas incríveis. O CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) dominava com sindicatos poderosos e paralisava o País em todos os setores, em especial o do abastecimento.

Agora, o auge foi quando “botaram o dedo” na estrutura militar: quando vimos um almirante carregado nos ombros por marinheiros, em plena Avenida Presidente Vargas; quando vimos os marinheiros revoltosos lá do Sindicato dos Metalúrgicos serem liberados de dentro do Batalhão de Guardas – que eu vim mais tarde a comandar – e saírem em passeata pela avenida desuniformizados, sem cobertura, sem o dólmã usado pelos fuzileiros... Aquilo foi a gota d’água, não se podia mais admitir tanta desordem, tanta baderna. E quem nos empurrava para tomar uma decisão? A população, principalmente através de passeatas – as Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade – procurando dizer: “Se vocês não agirem, quem vai agir?” Então, as Forças Armadas tomaram a decisão.

General, o que se passava no meio militar naqueles primeiros anos da década de1960? Como era o ambiente da AMAN?

O cadete, pela própria estrutura da Academia, é muito engajado na atividade-fim.  É exigido desde que acorda até a hora de dormir, dia e noite. Diferentemente do nosso tempo de cadete, eles liam jornais nos apartamentos e como citei antes, podíamos sentir a tendência dos apartamentos pelo tipo de jornal que estava sendo lido. Além disso, havia uma recomendação do próprio Comandante, General Médici, para que procurássemos manter o cadete informado da situação, sem envolvê-lo na mesma. Ele não poderia ser estimulado a se manifestar ostensivamente. O Coronel Rosadas (Rubem Barbosa Rosadas), que era professor da Academia, cita no seu relatório que, em sala de aula, - ”os professores mostravam aos cadetes o clima de desordem que estava se criando no País”.

Aliás, queria também registrar, que pude avivar a memória, devido ao relatório feito por um companheiro da Academia que servia lá, o Coronel de Infantaria Manuel Soriano Neto. Ele elaborou essa coletânea de dados, com depoimentos de outros oficiais, como os então capitães Nialdo e Muniz, esse último do Curso de Artilharia, e do Coronel Rosadas, que era professor de Psicologia. Quais os principais acontecimentos, a seu ver, que foram determinantes para o desencadeamento da Revolução de 31 de março?

Sem dúvida, foram esses eventos, como aquele comício da Central do Brasil em que se viu a figura do nosso Ministro no palanque, aconselhado que foi a não comparecer, segundo eu li ao longo da história, mas lá estava ele e a nossa Polícia do Exército, como segurança daquela massa enorme de indivíduos com flâmulas de partidos comunistas e letreiros agressivos; a revolta dos marinheiros, lá no sindicato dos metalúrgicos e a tropa que chegou, de fuzileiros navais, se não me falha a memória, colocou as armas na calçada e aderiu aos marinheiros insurretos; a reunião do Automóvel Clube, em que os sargentos fizeram a apologia do Presidente João Goulart, enquanto este os incitava à quebra da hierarquia e da disciplina.

Coube-lhe o discurso mais violento contra o status quo...Mais violento. Como já citei, os marinheiros presos no Batalhão de Guardas foram libertados e saíram pelas ruas desuniformizados, carregando um almirante nos ombros. Isso tudo aconteceu na área militar, e como disse anteriormente, a população queria que agíssemos. Nossos chefes procuraram verificar qual o momento propício para aderir ao movimento de rebeldia contra o governo, e esse momento foi exatamente naquela noite da reunião do Automóvel Clube.

Então, para ficar bem claro, as Forças Armadas foram intérpretes da vontade popular?

Exclusivamente. Seria até cômodo que nós ficássemos nos quartéis aguardando o desenlace dos acontecimentos. Companheiros desavisados foram envolvidos no movimento anarcocomunista particularmente os sargentos, por carências de toda ordem. Recebiam empréstimos orientados pelo governo para compra de casa própria, automóvel etc...

Então, General, havia uma Revolução em andamento no Brasil?

Eu chamo a Contra-Revolução de 31 de Março, porque a revolução sindicalista-comunista já estava a caminho. Como disse o Capitão Dagmauro naquela época, nós estávamos na quinta fase da guerra revolucionária. O que fizemos foi uma Contra-revolução.

A Revolução, ou a Contra-revolução de 31 de Março, foi um movimento exclusivamente de preparação interna ou houve auxílio externo?

Não tenho conhecimento de auxílio externo. Li todos os livros que escreveram sobre a Revolução; uns citam que a esquadra americana estava pronta para aderir. Naquela época, e posteriormente pela leitura, não consegui ver adesão de qualquer força armada estranha ao País. Talvez, aquiescência ao movimento, porque era de interesse para o mundo democrático, mas adesão com meios, não. Nesse aspecto, o General Meira Mattos foi taxativo ao dizer que não houve participação alguma de fora, foi exclusivamente uma preparação interna...

A que o senhor atribui o desmoronamento do esquema governamental que o Presidente João Goulart apregoava existir para fazer as reformas de base?

Eu tenho a impressão, não posso dizer com segurança, mas o governo caiu não só pelas ações do Presidente, mas, principalmente, pelos que o cercavam. Os sindicatos eram de esquerda extremada e implantaram o caos, com base nos pelegos que o dominavam. O Presidente começou a tomar decisões que acredito não fossem nem de seu interesse, naquele momento, mas, de qualquer maneira, era o Presidente... E ele colocou, em determinados postos, elementos notoriamente anarcoesquerdistas que atuavam com a firme determinação de implantar no Brasil a tal república sindicalista, sepultando a democracia no País. Como o senhor viu o aspecto “chefia e liderança” daqueles que participaram efetivamente da Revolução, como é o caso da AMAN, da tropa de Minas Gerais e do próprio II Exército?

Nos momentos de crise é que podemos identificar os chefes, e ainda digo mais, os líderes. Líder é mais do que chefe, e na Academia nós tivemos esse exemplo. Eu disse no início: queríamos saber o pensamento do General Médici, e ele revelou esse pensamento no ano anterior, não foi na hora da Revolução.

Acredito que os oficiais meus subordinados e os cadetes, também esperavam o mesmo de mim. Os oficiais já sabiam, mas os cadetes aguardavam a decisão do Curso de Infantaria. Na hora que revelamos o nosso pensamento, de maneira clara, para eles todos, não houve uma deserção. Isso significa que acreditaram, como eu acreditei no meu Comandante do Corpo de Cadetes – hoje General Potyguara – como eu acreditei no meu Comandante da Academia, General Médici. Por que foi correto o emprego da tropa da AMAN, dos nossos cadetes, naquele momento? Não havia outra alternativa. Ele tinha assegurado que garantiria a passagem das tropas do II Exército por Resende, sem qualquer ação da tropa do I Exército, e já não tinha meios na Academia para ele empregar, só o Corpo de Cadetes.

O Movimento de 31 de Março era baseado em alguma ideologia?

Nenhuma. A única ideologia era preservar o regime democrático. Era contra a comunização do País, era contra a ideologia comunista... Por isso, foi uma Contra-Revolução, e não uma Revolução.

A hoje chamada mídia apoiou o Movimento?

Naquela oportunidade, sim. Depois, açulada por infiltrações de vários matizes, não. Ela hoje move uma campanha sistemática contra a Revolução. Não apontam o que os governos fizeram e, agora, dizem que foi uma ditadura. Como disse, não me recordo se o Delfim Neto ou o Jarbas Passarinho: “Quisera que todas as ditaduras fossem tão boas como a brasileira.”

Para alguém sofrer algo, tinha que ser daqueles terroristas insanos, que realmente perturbavam a vida da Nação... Aquilo foi uma guerra particular, dentro da Revolução. Eles não mataram? Eles não assaltaram? Não violentaram pessoas, etc.?  Não fizeram uma série de barbaridades? Tinha que haver a contrapartida do governo revolucionário. A mídia, nesta última década, e aqueles que hoje detêm o poder fazem absoluta questão de omitir os acertos da Revolução.

O senhor poderia nos trazer alguns desses acertos?

O País atingiu a posição de oitava economia do mundo, com avanços em todos os campos. No campo dos transportes, falam hoje de uma maneira irônica das obras faraônicas. Uma está aí, a Ponte Rio-Niterói. Faraônica?! O que seria hoje do Rio de Janeiro sem tal ligação? Itaipu?! Hoje, o governo diz: “Vai faltar energia.” Mas não faltou há dez anos, porque a usina existia. Quem fala que a Ponte Rio–Niterói é faraônica, nunca ficou lá do outro lado, no seu carrinho, esperando a barca para fazer a travessia, quase a noite toda, tendo que trabalhar no dia seguinte, praticamente sem dormir...

Hoje em dia muito se fala em ditadura militar e “anos de chumbo”. Como é que o senhor vê isso?

Ditadura militar... Na ditadura militar, não havia medida provisória; hoje, temos mais de duas mil, três mil, para resolver qualquer tipo de problema. Então, nesse aspecto, os presidentes militares tiveram muito mais limitações do que se tem hoje. Inclusive a maioria dos ministros eram civis. Qual foi o ministro da economia, do planejamento ou das finanças? Nenhum foi militar. Inclusive tinham carta branca, eram realmente os que decidiam. Quem pode contestar o desempenho de Roberto Campos no governo de Castello Branco? O próprio Delfim, ainda presente na vida nacional, está apontando os erros que hoje vêm sendo cometidos contra a economia do País. As Forças Armadas se beneficiaram ao tempo dos governos militares? Eu sou muito franco nesse aspecto. Por serem generais os presidentes –familiarizados com o orçamento de gastos militares muito diminutos, em função da grandiosidade do País, da sua população, etc. e pessoalmente, na vida individual, junto à família, limitados por questões de vencimentos – eles deram, em parte, esse tratamento às Forças Armadas. Elas pouco tiveram de vantagens. Ironicamente, porque, como os presidentes eram militares, as Forças Armadas poderiam ter crescido em termos de valor, em termos de poderio, etc e não foi isso o que aconteceu.

A verdade é que passamos vinte anos de “cinto apertado”. Inclusive os próprios equipamentos e armamentos das Forças Armadas foram os mínimos. É aquele negócio, “máximo desenvolvimento com o mínimo de segurança”. Na verdade, era o mínimo mesmo...

De sua experiência pessoal, qual a avaliação que o senhor faz desses vinte anos de governo da Revolução?

Em primeiro lugar era necessária, na época. Ninguém contesta isso, tirando os elementos vinculados ao Partido Comunista ou de tendência de esquerda, etc, todo mundo sabia que o caos imperava no País. Tinha que ser feita alguma coisa e quem poderia fazê-lo eram as Forças Armadas. Foi feito. Até hoje, quando se aponta um militar, como o saudoso Andreazza e os presidentes, e se pergunta: Como terminaram a vida? Num apartamento modesto, não buscavam dinheiro, não tinham nada. Então, o que lamento, sinceramente, é que a pressão da mídia, na sua maioria composta por esquerdistas-revanchistas, consiga mobilizar a opinião pública contra nós, embora, até hoje, não tenha atingido esse objetivo, pois, nas pesquisas que têm sido feitas, as Forças Armadas aparecem numa posição bastante privilegiada.

De qualquer maneira, o matraquear diário contra tudo e todos que participaram da Revolução vai minando a crença da população nas suas instituições armadas.

Esse é o grande risco que corremos. Alguns falam em desnecessidade ou em desaparelhamento das Forças Armadas, como acabei de ler esta semana, dizendo serem tropas ociosas. Isso revela um grau de absoluta ignorância. Essas tropas não estão ociosas, mas se preparando para defender o País e eles, que hoje as criticam.

Qual a sua mensagem final, para ficar gravada no Projeto História Oral do Exército na Revolução de 31 de Março?

Eu diria aos companheiros da ativa que mantenham a chama do idealismo que sempre prevaleceu nas nossas Forças. O exemplo dos nossos chefes do passado e a crença de que o nosso País tem solução deve permanecer, independente do que fazem os que advogam o caos.

As Forças Armadas não deixarão que o nosso País vire pelo avesso, como não deixamos no passado.



[1] Trata-se do, posteriormente, General de Exército Moacyr Barcellos Potyguara, também depoente no volume 1.

[2] Rubem Augusto Taveira, antigo Cmt da AMAN.

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