terça-feira, 14 de janeiro de 2025

“Novo normal”: moradores da Ilha da Pintada ainda recuperam barcos atingidos pelas enchentes de 2024

 Presidente da Colônia Z-5 diz acreditar que 90% dos habitantes atingidos deve voltar a morar no local



A vida na Ilha da Pintada, em Porto Alegre, segue em recuperação depois das enchentes de maio do ano passado, e os reflexos das cheias continuam a ser sentidos. Na avenida Nossa Senhora da Boa Viagem, perto da sede da Colônia de Pescadores Z-5, o aposentado João Airton Malet observava seu primo, Charles Morais de Freitas, remover areia de seu barco, ainda acumulada da tormenta histórica de 2024.

Metade do serviço já havia sido concluída com o auxílio de uma pá, mas ainda faltava fazê-lo em toda a proa e motor. Ancorado à beira do Guaíba há meses, somente agora a dupla conseguiu acessá-lo. “Estava soterrado”, conta Malet, neto de pescadores. “Não pudemos fazer o serviço antes porque eu estava doente, tive de fazer outras funções”, afirmou ele.

O barco em si é de seu pai, já falecido. Nas calçadas da orla, ainda existe muita areia acumulada, mas grande parte do trabalho pesado foi concluído há tempos. O presidente da Z-5, Gilmar da Silva Coelho, afirma que, em meio à piracema, em que a pesca é proibida até 1º de fevereiro, os pescadores estão preocupados, não mais com novas possibilidades de subida das águas. De acordo com ele, o seguro-defeso está atrasado.


“Era para ter saído em dezembro, e este atraso faz com que eles estejam em uma situação complicadíssima. O governo federal implantou um sistema no INSS em que qualquer solicitação do tipo deveria ter a biometria, mas ele não estava pronto para rodar. Acredito que comece a ser pago nesta semana”, afirmou Gilmar. Mesmo que a autorização para o pagamento saia agora, ele disse acreditar que ainda pode levar cerca de duas semanas para sua disponibilização de fato. Ou seja, justamente quando termina o período de reprodução dos peixes. A situação ocorre em todo o Brasil, não apenas na Z-5.

É mais um capítulo de uma história de dificuldades para os pescadores, que, em grande medida, mantêm a função pelo amor à pesca e pela tradição. “Mas não deixamos jamais de reivindicar”. Mesmo assim, 90% das pessoas devem retornar para a ilha e para a pescaria, opina ele. “Não é a mesma coisa você morar em um lugar na beira do rio. Você vai para a cidade fazer o quê? Tem gente que fica até doente, física e mentalmente. O habitat destas pessoas é aqui na região”, comenta o presidente da colônia.

Uma das obras realizadas após as enchentes foi a colocação de 120 caminhões de pedra na área externa da Z-5, no barranco que dá para o Guaíba. Funcionou, e a estrutura, em tese, está sendo capaz de suportar as águas. Os moradores do Arquipélago perderam muitos materiais, mas mantiveram intacta sua dignidade e seu espírito de permanência. “É possível recuperar tudo da noite para o dia? Não, é um processo de longo prazo. Mas há muita ajuda e estamos conseguindo. Já tem gente morando novamente aqui. Vai ser nosso ‘novo normal’”, relata ele.

Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário