Por conta de uma sensação que vai da insegurança ao medo de novas enchentes, várias residências foram praticamente abandonadas após as enchentes
Quem circulava pelas ruas de diversos bairros de diferentes regiões da Capital até o final do mês de abril não imaginaria que, em tão pouco tempo, o cenário mudaria drasticamente, com o esvaziamento das ruas causado pelo abandono de moradias. Motivado pela destruição das enchentes e pelo receio de que o desastre se repita, a diminuição no número de habitantes é visível em várias áreas.
Desde as residências mais humildes até casas de alto padrão, da zona Sul à zona Norte, placas de “aluga-se” e “vende-se” são vistas com frequência nas regiões atingidas pelas águas em maio. Dados do Sindicato da Habitação do RS (Secovi/RS) mostram que os bairros que registraram maior procura e, consequentemente, maior número de vendas e locações, foram aqueles não atingidos ou menos prejudicados.
Além disso, conforme a economista do Secovi/RS, Lucineli Martins, mesmo nas áreas afetadas, pessoas que moravam em apartamentos buscaram andares superiores.
“Os imóveis mais afetados e que possivelmente foram devolvidos estavam no térreo. Esses foram substituídos por outros em zonas fora da enchente ou em andares superiores. Já nos comerciais, alguns negócios migraram para outros locais, resultando em uma nova locação,” explica.
Lucineli também destaca que, mesmo com o aumento de imóveis disponíveis em diversos bairros, houve crescimento no número de locações e vendas neste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. “Isso ocorre porque moradia, assim como alimentação, é algo de primeira necessidade. Indiscutivelmente, as pessoas precisam comer e as pessoas precisam morar,” justifica a economista.
Se, por um lado, os bairros menos atingidos movimentam o mercado imobiliário, os mais castigados vivem um cenário em que os moradores que ficaram vivem um sentimento de solidão. Na zona Sul de Porto Alegre, regiões como o bairro Lami, devastado pela força das águas, mudaram radicalmente e a presença de moradores diminuiu consideravelmente.
Ainda na zona Sul, moradores do bairro Guarujá esperam o retorno da normalidade, que segue distante. Nas ruas mais próximas à orla do Guaíba, são raros os que voltaram. Algumas moradias sequer receberam todas as manutenções necessárias, enquanto, entre aquelas já prontas, muitas foram colocadas à venda.
“Aqui na nossa vizinhança viviam em torno de 70 famílias, mas pelo menos 15 ainda não voltaram para casa. Nosso neto também não voltou porque a casa dele caiu”, conta o comerciante Inácio Soares, de 74 anos, que vive há 44 anos no bairro e que, entre maio e junho, ficou mais de 40 dias fora de casa.
Nos bairros Humaitá e Vila Farrapos, na zona Norte, a situação não é diferente. A região próxima à Arena, impulsionada pelo movimento econômico proporcionado pelo retorno do futebol, já apresenta uma realidade mais próxima à vivida antes das enchentes, embora a comunidade ainda esteja em recuperação.
Por outro lado, algumas quadras mais distantes do estádio gremista apresentam uma situação distinta. “Tem muitas casas que estão vazias. Em outras, os proprietários vieram, arrumaram a casa, colocaram para vender ou alugar e foram embora,” conta o aposentado João Pedro Camargo da Rosa, de 62 anos.
Para ele, é nítida a diminuição do número de moradores em todo o bairro. “Caiu uns 70% o movimento. É uma pena, pois nossa vila era um lugar bem bacana. Agora só tem movimento em dias de jogos. Conheço várias pessoas que foram embora por medo de que aconteça outra enchente, mas o que podemos fazer? É obra divina, não tem como prever,” afirma Rosa.
Também na Vila Farrapos, uma moradora que, por medo de represálias, prefere não se identificar, destaca que aqueles que ficaram passaram a viver com medo. “Muitas casas abandonadas viraram covis de marginais à noite inteira. Eles vêm para consumir drogas. Além disso, muitas residências tiveram a fiação furtada. Para nós, que já voltamos, é um horror. Não dormimos mais durante a noite,” lamenta a mulher, que também relata o acúmulo de lixo descartado em frente às moradias abandonadas.
Ainda na zona Norte, o bairro Sarandi vive uma realidade dramática, principalmente nas áreas mais afetadas. Em frente ao ponto de rompimento do dique, locais em que existiam casas passaram a ter apenas ruínas. Há, ainda, casas que não caíram, mas tiveram a estrutura comprometida. Para quem retornou, há quase uma sensação de solidão. “Muita gente não voltou, está todo mundo esperando pelos programas habitacionais. Ninguém tem condições sem ajuda,” finaliza o autônomo Nilton Martins Siqueira, de 54 anos.
Correio do Povo
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