Adriana Haas desafia o viés da negatividade e estimula o poder em reconhecer as pequenas conquistas
Adriana Haas
Quando criança, um dos meus programas favoritos nos fins de ano era assistir a retrospectiva na televisão – era final da década de 1980 e, na inexistência da internet, tornava-se um evento de família. Apesar de ser uma grande ocasião, o programa sempre terminava deixando a sensação de que o ano havia contabilizado mais desgraças do que alegrias.
Já faz muito tempo que deixei de ser criança e de assistir a retrospectiva. Em contrapartida, passei a colocar o meu próprio ano em retrospecto. Não é um movimento deliberado, como um ritual – parece mais um “acordo” entre o clima de fim de ano e o meu cérebro, que reconhece o final de ciclo e se põe a trabalhar sem me consultar. De repente, me pego criando a lista mental dos meus fracassos e sucessos.
E é nesse momento que identifico a mesma percepção da infância: ainda que as vitórias tenham sido consideráveis, parece que os fracassos pesam mais na balança. Imagino que também aconteça com você, porque é uma tendência natural do cérebro chamada “viés da negatividade”, que nos leva a dar mais atenção aos aspectos negativos de nossas jornadas. Um mecanismo ancestral que o cérebro utiliza para nos preparar contra os perigos do mundo e que deve ter sido sensacional quando precisávamos caçar e fugir de dinossauros, mas deixou de ser tão útil quando abrir a geladeira é suficiente para a sobrevivência.
No entanto, é assim que o cérebro segue funcionando. A evolução cultural foi tão rápida que nossa biologia não deu conta de acompanhar, então ele continua usando as armas que tem para nos proteger – entre elas, pesar a mão para o lado negativo das coisas. Se não estivermos conscientes, é fácil escorregar para os cenários pessimistas e acabar com um gosto amargo na garganta ao primeiro gole de espumante do ano que inicia.
Em tempos de redes sociais, isso tende a potencializar – ou você não se sentiu meio loser (perdedor, na tradução) ao ver as postagens “como eu poderia estar triste se em 2024 eu…”? Parece que só eu não cravei bandeira no topo do Everest e tive que lidar com situações que me nocautearam. Mas quando começo a dar mais importância a esses eventos, paro, respiro e tento colocar intencionalidade na minha retrospectiva, relacionando também as minhas conquistas invisíveis – e é aí que consigo virar o jogo.
As conquistas invisíveis não aparecem em fotos ou discursos, mas nos transformam. Pode ser aquele “não” que você finalmente conseguiu dizer, o medo antigo que foi enfrentado, o tempo de descanso que concedeu a si mesma sem a condição de que precisava “merecer”. Vitórias que parecem pequenas, mas fazem toda a diferença quando chegamos na maturidade buscando formas mais interessantes (e leves) de viver.
Ainda restam alguns dias de 2024 para colocar as conquistas invisíveis em seu inventário – que não será postado, mas vai alimentar a disposição para o ano que começa. Com todo esse potencial, elas podem muito bem se tornar o prato principal da ceia. É o que lhe desejo para um Natal muito feliz.
Adriana Haas é jornalista, escritora e tradutora da maturidade. Tem dois livros e uma newsletter semanal sobre o assunto, e adora reunir mulheres para conversar sobre ele – porque acredita que, juntas, as maduras são revolucionárias.
Correio do Povo
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