segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Confronto na costa uruguaia

 O jornal Folha da Tarde cobriu o enfrentamento naval ocorrido em 1939, no Uruguai, entre o encouraçado alemão Admiral Graf Spee e três cruzadores ingleses


Durante seis dias, entre 13 e 20 de dezembro de 1939, as águas do Atlântico, nas costas de Punta del Este, e as do Rio do Prata, junto a Montevidéu, tornaram-se o cenário do único combate da Segunda Guerra Mundial ocorrido na América do Sul. A Batalha do Rio da Prata envolve ainda um conflito diplomático, que se desenrolou na capital uruguaia, e um drama humano cujo desfecho imediato se deu no porto de Buenos Aires, na Argentina.

O episódio também marca um momento histórico para a imprensa gaúcha e do país, com a iniciativa pioneira da Folha da Tarde, veículo da Caldas Júnior, de enviar dois correspondentes para acompanhar a crise em Montevidéu e testemunhar o destino do cruzador alemão Admiral Graf Spee.


Trata-se de uma das primeiras coberturas internacionais do jornalismo brasileiro e, muito provavelmente, a primeira promovida por um veículo de comunicação do Rio Grande do Sul. As 12 reportagens produzidas por Arlindo Pasqualini, então diretor do vespertino fundado havia pouco mais de três anos, e pelo chefe de fotografia, Santos Vidarte, foram publicadas entre os dias 16 e 26 de dezembro.

Enquanto os jornais de Rio de Janeiro e São Paulo publicavam textos fornecidos por agências de notícias predominantemente americanas, oferecendo, em geral, fotos de arquivo do navio germânico, os leitores de Folha da Tarde e Correio do Povo eram informados em primeira mão pelo texto de Pasqualini e pelas imagens de Vidarte. Quando os dois profissionais desembarcam na metrópole oriental, o combate entre o Spee e três cruzadores britânicos – Ajax, Exeter e Aquilles –, tinha acontecido havia três dias. A história que resultou no enfrentamento, porém, tem início meses antes.

A missão que levaria o Spee à Batalha do Rio da Prata começou em 21 de agosto de 1939, quando o navio deixou o porto de Wilhelmshaven, no Mar do Norte. “Boa visibilidade, temperatura de 21°C”, anotou o capitão Hans Langsdorff no diário de bordo, às 21h, enquanto soltava amarras e partia para o Atlântico com ordens de avançar sem ser avistado e aguardar novas instruções. No dia 1º de setembro, quando a Alemanha invade a Polônia, deflagrando a Segunda Guerra, o barco se encontra no meio do Atlântico, entre o Caribe e a costa norte da África. Langsdorff recebe a ordem de empreender a guerra mercante contra cargueiros britânicos e franceses no dia 25 .

A destruição do comércio marítimo era a tarefa secundária. O mais importante seria desequilibrar frotas aliadas, navegando furtivamente e atacando em locais inesperados. Com as belonaves aliadas tentando localizar incursores como o Spee pelos mares afora ou ocupadas em acompanhar comboios, a capacidade de ataque da poderosa Marinha Real Britânica, seria dissipada, facilitando outras agressões navais alemãs.



O plano funcionou durante quase três meses. Os aliados organizaram oito grupos de caça para localizar o Spee e o Deutschland, um navio de mesma classe, igualmente enviado pela Kriegsmarine para atuar como corsário. Utilizando artimanhas como instalação de estruturas de madeira para disfarçar o perfil, nome e sinais de rádio falsos, os alemães confundiram os aliados, que sequer tinham certeza de quantos eram os barcos que enfrentavam. Até dezembro, o Spee afundou oito mercantes no sul do Atlântico e do Índico.

O primeiro deles, o Clement, foi posto a pique na costa pernambucana, no dia 30 de setembro. Com 5 mil toneladas, o Clement, de Liverpool, seguia para a Bahia, transportando parafina, carvão, cimento, pneus e dois automóveis. Foi afundado a tiros de canhão, depois de a tripulação haver sido desembarcada, sem nenhum morto ou ferido. A última vítima do Spee foi o Tairoa, de Southampton, no dia 3 de dezembro, na costa sudoeste da África. No dia 13 de dezembro, no entanto, nas proximidades de Punta del Este, Langsdorff se viu diante da esquadra detrês cruzadores da Marinha Real. Tinha início a Batalha do Rio da Prata.

Às 6h09, os vigias do Spee avistaram fumaça. Com a visibilidade prejudicada pelo sol de proa, Langsdorff julgou ser um comboio de mercantes deixando o Rio da Prata, deu ordem à tripulação para tomar postos de combate e rumou direto ao alvo. Do outro lado, porém, o que havia era a Força G, comandada pelo comodoro inglês Henry Harwood e composta pelo cruzador pesado Exeter (10,6 mil toneladas) e pelos leves Ajax (9,7 mil toneladas) e Achilles (9,4 mil toneladas). A aproximação com a frota armada, além de descumprir ordens de evitar combate, não favorecia o Spee. À distância, seus poderosos canhões de 280 mm eram uma vantagem contra os de 203 mm do Exeter e os de 152 mm do Ajax e do Achilles.

O Spee abriu fogo às 6h17. As salvas martelaram o Exeter. Transformado em uma fogueira, o cruzador seguiu na briga até perder as fontes de energia. Ao mesmo tempo, as bordadas do Ajax e Achilles causavam sérios danos ao navio alemão. Ainda assim, Langsdorff levava vantagem no confronto. O Exeter se retirara. Surpreendentemente, o Spee largou uma cortina de fumaça, tomou o rumo oeste e abandonou a luta. O Ajax e o Achilles seguiram em caçada resoluta, com trocas de tiros. Ao longo do dia, ficou claro que Langsdorff procurava um porto. Aos 50 minutos do dia 14, o Spee lançou ferros no porto de Montevidéu, com os ingleses permanecendo em patrulha além da barra. Nos dias seguintes, a batalha seria travada pelas vias diplomáticas. A partir do dia 14, com informações de agências de notícias internacionais, o confronto ganhava manchetes na imprensa brasileira, incluindo a Folha da Tarde e o Correio do Povo.

Langsdorff entrara em Montevidéu em busca de reparos, combustível e, muito mais difícil, munição. Uma busca desesperada. Apesar de ser a capital de um país neutro, Montevidéu era uma cidade incluída nos “domínios honorários” britânicos, como escreveu o historiador Eric Hobsbawm. Dificilmente Langsdorff obteria a ajuda que desejava ali, como não obteve. Conseguiu, no entanto, enterrar os 36 mortos e tratar os 60 feridos. Entre os ingleses, eram 72 mortos e 28 feridos.

Os ingleses pressionam o governo uruguaio para que o prazo de permanência do Spee no porto fosse ajustado à chegada de uma frota britânica ao estuário. Enquanto isso, em Porto Alegre, Arlindo Pasqualini e Santos Vidarte embarcam rumo a Montevidéu. Os dois chegam à capital oriental no dia 16, e um dia antes do prazo final para o Spee deixar o porto.

Correio do Povo

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