sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Mercado reprova pacote do governo e faz dólar tocar R$ 6,00

 A depreciação da moeda brasileira reflete o aumento da percepção de risco fiscal



O dólar à vista emendou o segundo pregão consecutivo de alta firme no mercado doméstico nesta quinta-feira, 28, tocou o nível psicológico de R$ 6,00 nas máximas da sessão e voltou a fechar no pico nominal da história do real.

A depreciação da moeda brasileira reflete o aumento da percepção de risco fiscal. Além das medidas de contenção de gastos serem consideradas insuficientes para colocar as contas públicas nos trilhos, causou desconforto a proposta de isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês, que significa renúncia de receita.

"Em vez de diminuir as dúvidas, esse pacote aumentou a incerteza, o que puxou o câmbio ainda mais para cima", afirma o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima. "Ficou ainda mais clara a dificuldade do governo em bancar medidas mais duras do lado das despesas."

A corrida mais forte ao dólar começou ontem à tarde com a informação de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria pronunciamento em rede nacional à noite. Em sua fala, Haddad enalteceu o governo Lula e fez uma apresentação genérica do pacote fiscal, o que aguçou as expectativas para a coletiva de hoje pela manhã.

Programada para trazer detalhamento do impacto fiscal esperado por cada uma das medidas, a entrevista não foi capaz de reduzir o estresse no mercado cambial. Além do ceticismo com as estimativas do governo, a percepção é de que as informações a isenção do IR foram incompletas.

Com alta firme desde a abertura dos negócios, o dólar à vista rompeu o nível psicológico de R$ 6,00 ainda na primeira etapa de negócios, alcançando R$ 6,0036 na máxima. Após certo arrefecimento ao longo da tarde, a moeda fechou em alta de 1,29%, cotada a R$ 5,9895 - o que leva a valorização na semana para 3,01%.

A liquidez foi forte para um dia marcado pela ausência da referência dos mercados americanos, em razão do feriado do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos. Amanhã ocorre a tradicional disputa entre "comprados" e "vendidos" para a formação da última taxa ptax de novembro.

"O real teve um movimento muito forte de depreciação, totalmente descolado dos pares. Algumas das medidas anunciadas não vão ter o impacto estimado pelo governo", afirma o economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa.

Dois dos principais pares do real, o peso mexicano e o rand sul-africano se valorizaram em relação ao dólar. Divisas de países exportadores de commodities, como dólar canadense e australiano, também ganharam terreno, embora de forma modesta.

Como já antecipado, o pacote traz uma redução de gastos acima de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos - R$ 30,6 bilhões neste ano e R$ 41,3 bilhões em 2025. A política de valorização do salário mínimo vai se enquadrar nas regras do arcabouço, embora economistas ainda tenham relatado dúvidas sobre o mecanismo.

O plano ainda traz, entre outros pontos, ajustes em programas como Bolsa Família, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada (BPC), mudança na previdência dos militares e nas emendas parlamentares. Há também limitação dos super salários do funcionalismo público.

"O grande problema é que se esperava uma resposta maior, mais estrutural do lado de despesas. O ajuste vai ser bem lento. E houve a surpresa negativa do IR", afirma Lima, da Western Asset. "O ambiente externo já é de incertezas com a política monetária americana. E aqui dentro o governo perdeu uma oportunidade de dar um sinal positivo. Vamos ver como o Banco Central vai se portar. O mandato dele é controlar a inflação."

Costa, da Monte Bravo, estima que as medidas apresentadas resultem em contenção de despesas em torno de R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões nos próximos dois anos, bem aquém dos R$ 71,9 bilhões estimados pelo governo. Ele também levanta dúvidas sobre a aprovação do pacote no Congresso, em especial no aumento do IR para faixa de renda mais alta para compensar a isenção de quem recebe até R$ 5 mil.

"O Congresso poderia passar a isenção, mas desidratar ou diminuir as compensações. Provavelmente, o governo será cobrado a dar uma resposta em relação à redução da velocidade de crescimento dos gastos em 2025 e 2026", afirma o economista.

Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que fará "aquilo que for necessário" para aprovar o pacote de corte de gastos neste ano. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que as medidas devem ser apreciadas no plenário da Casa na última semana antes do recesso parlamentar, que começa em 23 de dezembro.

Estadão Conteúdo e Correio do Povo

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