Falta de identificação com candidatos e partidos, facilidade para justificar voto e desorganização política da sociedade explicam o fenômeno
Se os altos índices totais de abstenção registrados em grandes cidades do RS já preocupavam autoridades, candidatos e especialistas no Estado, o detalhamento dos números do segundo turno, divulgado há poucos dias, aumentou a apreensão. Os dados mostram que, entre eleitores jovens, o não comparecimento às urnas na segunda etapa do pleito foi bem expressivo.
Na Capital, Porto Alegre, enquanto a abstenção total foi de 34,83%, na faixa etária entre 25 e 29 anos, ela alcançou 42,18%. Os índices significativos, e acima daquele registrado no conjunto do eleitorado, não são exclusividade deste intervalo de cinco anos. Eles atingem a juventude de modo mais amplo. Na Capital, na faixa entre 21 e 24 anos, a abstenção foi de 40,72%. E, naquela entre 30 e 34 anos, de 39,31%.
Com variações, a tendência se repetiu nos cinco colégios onde o segundo turno aconteceu: além da Capital, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Santa Maria. Com essas faixas etárias apresentando sempre os maiores indicadores de abstenção entre aquelas nas quais o voto é obrigatório. E sempre superiores ao índice geral. Em Caxias, o grupo de 20 anos ultrapassou aquele dos 30 aos 34. Mas todos se mantiveram com abstenções acima dos 30%. Nas faixas dos 21 aos 24 e dos 25 aos 29, ela superou os 40%, enquanto que a abstenção total foi de 28,64%.
A baixa participação dos jovens preocupa pesquisadores e políticos alinhados com princípios democráticos porque, no limite, pode interferir, inclusive, nos rumos da democracia. O entendimento majoritário é o de que, quando contingentes expressivos abrem mão de votar, crescem as chances de grupos organizados com pautas específicas, inclusive extremistas, aumentarem sua representação. Característica que pode ser acentuada ainda pelo fato de o eleitorado jovem ser aquele com o maior número de pleitos pela frente.
“Não fizemos um debate específico sobre a abstenção e, dentro dela, sobre os indicadores entre esta fatia dos jovens, mas é evidente que preocupa. Acreditamos que um dos fatores seja o desencanto com a situação da cidade, mas é necessário realizar estudos mais aprofundados. Faremos um levantamento, e o tema estará presente nos debates que temos pela frente”, elenca Cícero Balestro. Ele coordenou a campanha da deputada federal Maria do Rosário (PT) à prefeitura da Capital.
André Coronel, que é chefe de gabinete do prefeito reeleito, Sebastião Melo (MDB), e coordenou a campanha do emedebista, diz que aumentar a participação dos jovens é um desafio tanto para o sistema eleitoral como para os partidos. “Existe um engajamento muito grande da juventude nas redes sociais, mas é difícil trazê-la para a política. Há uma certa descrença, até negação, além da facilidade de justificar o voto. Precisaremos de estratégia, porque estamos falando do futuro do país”, observa.
Pesquisador detalha soma de fatores
Coordenador do programa de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, o professor Rodrigo González ressalva que nem todos os que se abstiveram de votar o fizeram pelos mesmos motivos, mas assinala que é possível relacionar uma soma de fatores. E que eles ajudam a explicar os altos índices de não comparecimento entre os jovens.
Segundo González, um dos pontos é o de que, apesar de, em tese, o voto ser obrigatório, há cada vez mais facilidades para justificar o não comparecimento. Hoje, a justificativa pode ser feita via aplicativo no celular, e os jovens são os que mais facilmente acessam as novas tecnologias.
“Para além desta facilidade, há camadas da população (jovens entre elas) que não se sentem identificadas com qualquer candidato às prefeituras, e que também não possuem identificação partidária. Esta combinação faz com que considerem não ter grandes motivações para votar”, explica.
O ponto destacado pelo professor é o que vem concentrando cada vez mais debates e pesquisas: o entendimento de que hoje grande parte da sociedade brasileira é politicamente desorganizada, com posições plurais, e visões específicas apenas sobre tópicos, mas sem um alinhamento ideológico automático. “Os partidos, neste contexto, não conseguem mais organizar as ideias dos diferentes grupos em torno de uma proposta fechada. É mais difícil encantar o eleitorado que não participa politicamente”, aponta ele.
Além disso, lista o pesquisador, há desencanto entre os jovens e eleições municipais trazem carga menor de grandes debates ideológicos. No caso de Porto Alegre, a disputa teria se mostrado menos polarizada do que o projetado.
“É preciso levar em conta ainda que os candidatos que foram para o segundo turno na Capital estão há mais de 30 anos na política. O apelo para as novas gerações é mais difícil, há dificuldade de identificação, mesmo que uma parcela da juventude seja mobilizada por candidatos a vereador de perfil mais jovem”, completa.
Correio do Povo
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