segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A dor de não dizer adeus: RS ainda contabiliza 31 desaparecidos em enchentes de 2023 e 2024

 Forças de segurança seguirão em busca da localização dos desaparecidos e identificação dos corpos encontrados; legislação prevê possibilidade de morte presumida sem processo de ausência


Por Rodrigo Thiel

As catástrofes climáticas recentes registradas no Rio Grande do Sul ainda deixam marcas físicas e na memória de famílias que perderam seus entes ou que estão com estes constando como desaparecidos desde então. Conforme o levantamento da Defesa Civil Estadual, 31 pessoas seguem em situação de desaparecimento depois das enchentes de 2023 e 2024 no Estado, sendo 27 do evento de maio deste ano e outras quatro em setembro do último ano, no Vale do Taquari.

Além dos 31 desaparecidos, as tragédias de setembro do ano passado e de maio deste ano resultaram na morte de 237 pessoas, sendo 54 na catástrofe climática do Vale do Taquari em 2023 e 183 em 2024. Apesar da dificuldade de encontrar, a investigação para localizar os desaparecidos segue em aberto. Isso acontece tanto em casos de catástrofes climáticas como em outras situações que resultem em pessoas nesta situação, de acordo com a Polícia Civil.

Segundo o delegado Thiago Lacerda, da Delegacia de Investigação de Pessoas Desaparecidas (Dpid) e diretor da Divisão de Homicídios da Capital, as buscas realizadas in loco são realizadas principalmente por equipes do Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBM-RS) e da Defesa Civil Estadual. Ele conta ainda que a Polícia Civil atua principalmente em ações técnicas, como o cruzamento de dados, verificação e localização dos que tiveram seu desaparecimento registrado.

“Muitos casos foram localizados. Outros foram identificados mediante perícia. Existe ainda um trabalho principalmente da perícia em relação aos demais casos. Os esforços continuam até a localização de todos, mesmo sabendo que, em certas condições, com o avançar do tempo, fica mais desafiador o trabalho de busca”, destacou Lacerda.

Desafios na identificação das vítimas da enchente

Além das dificuldades em encontrar as vítimas desaparecidas, desafios são impostos na hora da identificação dos corpos localizados. Um destes exemplos é o da última pessoa identificada como vítima da tragédia: Josiani Carolini da Silva. Ela constava como desaparecida da cidade de Lajeado, entretanto seu corpo foi encontrado em Cruzeiro do Sul e, até o final de agosto, era considerada como uma “vítima não identificada”.

Atualmente, existem três corpos ainda sem identificação no RS, encontrados nas cidades de Canoas, Roca Sales e Taquari, todos da cheia de maio. Entretanto, o caso de Josiani mostra que não é possível relacionar estes corpos às pessoas desaparecidas em suas respectivas cidades, principalmente em função da força da água na época da enchente.

Conforme o Instituto Geral de Perícias (IGP), os trabalhos de identificação das vítimas fatais da catástrofe climática são baseados em três pilares referenciados pela Interpol: papiloscopia, odontologia legal e genética forense. Para que o reconhecimento da identidade do corpo aconteça, o instituto depende da disponibilidade e da qualidade dos padrões fornecidos. Ainda de acordo com o IGP, as três vítimas ainda não identificadas passaram por um processo de reconhecimento que consiste na coleta de amostras e processamento destas pelo Laboratório de Genética Forense. Além disso, os perfis das vítimas foram incluídos no Banco de Perfis Genéticos.

Mas, até o momento, não houve vínculo biológico, também chamado de compatibilidade, com os perfis de familiares de pessoas desaparecidas que estão incluídos no banco. “A divulgação da importância do registro do Boletim de Ocorrência e a doação de material genético das famílias que buscam seus entes desaparecidos, intensificando as buscas, é fundamental”, relatou a perita criminal dra. Rosane Pérez Baldasso, que é coordenadora geral da Comissão Permanente de Desastres em Massa do IGP.


Código Civil Brasileiro prevê “morte presumida”

Além da busca constante pela pessoa desaparecida por parte da Polícia Civil, pode haver também uma busca, por parte das famílias, pelo desfecho destas vidas. Isso acontece tanto por questões legais, como pelo apego sentimental com o ente querido que consta como desaparecido, como aponta o professor da Escola de Direito da PUCRS e defensor público estadual, Felipe Kirchner.

“A questão do fechamento do luto é um processo importante, mas complexo. A gente não pode dizer que um decreto jurídico de morte presumida vai implicar nesse fechamento de ciclo, pois isso é muito singular. Mas eu acredito que isso pode sim auxiliar nesse processo o reconhecimento público que aquela pessoa está em uma situação de óbito”, considerou.

Segundo o jurista, o Código Civil Brasileiro prevê este tipo de reconhecimento. Além do caso onde há um atestado de óbito, a legislação reconhece dois tipos de mortes presumidas: a com procedimento de ausência e a sem este procedimento. A segunda opção, cita Kirchner, seria a mais adequada para a situação, pois considera o perigo de vida que a pessoa desaparecida enfrentou em razão das enchentes no RS.

“A lei usa um termo aberto propositalmente para que seja possível incluir várias situações nessa brecha da presunção de morte sem ausência. Entendo que a situação das enchentes pode se caracterizar nisso em razão do perigo de vida e presume-se que a pessoa efetivamente morreu. Pois o procedimento de ausência é custoso e longo que pode demorar mais de 20 anos, se não houver nenhum recurso no meio do caminho, podendo até ser prejudicial no processo de luto das pessoas”, completou.

Apesar da possibilidade da família conseguir tal reconhecimento, a materialidade do fato, que é o desaparecimento da pessoa, ainda segue. Conforme o delegado Thiago Lacerda, a morte por ausência tem aspectos e requisitos legais que devem ser demandados na esfera civil, mas o foco da Dpid é o de busca dos desaparecidos. “Na minha opinião, os familiares que conseguirem a presunção da morte por ausência podem sim ter um efeito emocionalmente no fechamento do ciclo da catástrofe”, acrescentou.

Processo de morte presumida sem ausência

Kirchner completa que o procedimento de morte presumida sem ausência é de jurisdição voluntária e, por isso, mais ágil que o de presunção por ausência, facilitando o acesso também aos demais direitos de familiares. “A família entra com o pedido, o Ministério Público se manifesta no processo e o juiz, na sentença, vai decretar a morte presumida e vai fixar a data em que isso ocorreu. A partir disso, é possível abrir inventário e outros elementos normais após a morte de uma pessoa”, falou.

O professor, que também é defensor público estadual, afirmou que a Defensoria Pública do Estado (DPE) está à disposição das famílias para ajudar neste processo. “As famílias podem nos procurar pois, a partir da defensoria, a gente consegue entrar com esse processo mais célere. Estamos realizando mutirões em algumas cidades, mas os familiares também podem procurar a defensoria de cada município”, finalizou.

De onde são os desaparecidos no RS após enchentes

Catástrofe de maio de 2024

  • Agudo: 1
  • Barros Cassal: 1
  • Bento Gonçalves: 4
  • Canoas: 2
  • Caxias do Sul: 1
  • Cruzeiro do Sul: 5
  • Encantado: 2
  • Estrela: 1
  • Lajeado: 3
  • Marques de Souza: 1
  • Poço das Antas: 1
  • Porto Alegre: 1
  • Relvado: 1
  • Roca Sales: 2
  • São Leopoldo: 1

Total: 27 desaparecidos

Catástrofe de setembro de 2023

  • Arroio do Meio: 1
  • Lajeado: 1
  • Muçum: 2

Total: 4 desaparecidos

Correio do Povo

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