Mecanismos financeiros criados para apoiar políticas setoriais da agropecuária tiveram incremento de 22% na receita em um ano
O valor global pertencente aos fundos de vitivinicultura (Fundovitis), leite (Fundoleite), ovinocultura (Fundovinos), erva-mate (Fundomate) e silvicultura (Fundeflor) é, em geral, desconhecido pelos setores. O Correio do Povo obteve os dados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), depois de não conseguir informações com as secretarias da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e da Fazenda (Sefaz). A resposta foi apresentada pela Gestão Central do SIC (Serviço de Informações ao Cidadão)-LAI, da Casa Civil, 41 dias após o pedido inicial.
No ano passado, a lentidão para a liberação de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite (Fundoleite) motivou reunião da Comissão da Agricultura, Pecuária e Cooperativismo da Assembleia Legislativa, quando três entidades pediram sua extinção ou transição para uma gestão privada.
A posição foi defendida por Federação da Agricultura do RS (Farsul), Sindicato e Organização das Cooperativas do RS (Ocergs) e Associação das Pequenas e Médias Indústrias de Laticínios do RS (Apil). “A Farsul historicamente tem sido contra a existência dos fundos, à exceção do Fundesa (Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal), porque tem recurso público com gestão privada e funciona. Os demais recursos vão para o caixa único do governo e tem muita burocracia e dificuldade de liberar para quem os pagou”, pontua o presidente da Farsul, Gedeão Pereira.
Em julho deste ano, o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, aproveitou uma solenidade no Palácio Piratini para reforçar outro pedido ao governador Eduardo Leite. “Precisamos trazer os três fundos da agricultura familiar para a SDR (Secretaria de Desenvolvimento Rural)”, disse.
O dirigente se referia ao Fundoleite, Fundomate e Fundovitis. A Seapi informa que não recebeu solicitação formal nem teve reunião ou análise sobre uma possível transição. A pasta é responsável pela administração dos fundos estaduais de desenvolvimento agropecuário, constituídos financeiramente por contribuições de setores das cadeias produtivas e do governo estadual.
“A principal receita destes fundos é oriunda de taxas de inspeção e fiscalização que remuneram esses serviços prestados pela secretaria em virtude de sua atividade fim: inspeção e fiscalização de produtos de origem animal e vegetal”, informou a Seapi, em nota. “A liberação de recursos precisa seguir os trâmites administrativos e jurídicos, como os editais de chamamento público com apresentação de projetos a serem executados para a cadeia produtiva, para que possa haver a liberação de recursos por parte do Estado. A Seapi trabalha sempre para agilizar os trâmites necessários para a execução das políticas que beneficiem os produtores lá na ponta”, informou a secretaria em nota.
O presidente da Frente Parlamentar da Fruticultura e Vitivinicultura da Assembleia Legislativa, deputado Elton Weber, ressalta que os fundos são mecanismos importantes, criados a partir de 1997 com a Lei 10.989, que originou o Fundovitis e abriu caminho para os demais, para apoiarem políticas setoriais e de Estado. “O fato é que normalmente tem se sentido dificuldades em liberar recursos, porque a burocracia é grande. Sou da opinião de que vale a pena rediscutirmos os fundos, não para terminar com eles, mas para melhorá-los, para reavaliar sua estrutura e constituição, para que os recursos ali arrecadados, que são pagos parte por tributos do Estado e parte pelo setor, indústria e produtores, sejam de forma mais fácil e ágil aplicados”, defendeu.
Na prática, para movimentar os recursos, a Seapi habilita entidades e organizações a partir de chamadas públicas. Weber diz que esse modelo também deve ser analisado, para que a gestão dos recursos não fique sob o peso burocrático da máquina estatal. “Não é contra o Estado nem contra governos, mas sim pela agilidade e pela aplicação, para que de fato tenhamos mais resultados palpáveis”, opinou.
O deputado acredita que é preciso adequar a legislação para melhorar o fluxo financeiro. Weber cita como exemplo o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), que tem conseguido acessar os recursos do Fundovitis, embora também seja refém da estrutura burocrática do Estado. ”Os demais fundos também devem ter seus recursos de fato destinados para ações. Inclusive, se for possível, que a gente possa criar contas específicas dos fundos na estrutura do Estado, para que isso não fique totalmente no caixa geral do Estado”, destacou.
Fundoleite busca R$ 15 milhões para projetos
Até julho deste ano, a cadeia leiteira tinha obtido a liberação de apenas R$ 130 mil, de um saldo de R$ 35,91 milhões acumulados, os quais foram usados para pagar despesas do Conseleite com a UPF
Segundo maior em recursos depositados, o Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite (Fundoleite) conseguiu a liberação de módicos R$ 130 mil até julho deste ano, frente um saldo de R$ 35,91 milhões. Os valores pagos representam 0,36% do total arrecadado junto a pecuaristas e indústrias do setor lácteo. Os pagamentos foram feitos para custear o convênio do Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite (Conseleite) com a Universidade de Passo Fundo (UPF), que fornece serviços técnicos mensais de cálculo do preço de referência aos produtores.
O secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat), Darlan Palharini, relata a necessidade de liberação de R$ 15 milhões para a execução de outros projetos já apresentados. “A arrecadação é satisfatória, mas não tivemos sucesso até agora para a aplicação dos recursos, que são fundamentais, ainda mais agora depois das enchentes, porque seriam aplicados a fundo perdido na recuperação de pastagens, de equipamentos, instalações e no próprio rebanho”, afirma.
Palharini foi informado pelo Correio do Povo sobre o saldo do Fundoleite (R$ 35,91 milhões, em 16 de julho de 2024) e espera uma sinalização do governo estadual. “Não sabemos por que até agora não houve liberação, já que, segundo informação da PGE (Procuradoria-Geral do Estado), as dificuldades jurídicas já teriam sido ultrapassadas”, salienta. Para o dirigente, qualquer possível mudança na gestão deve buscar mais agilidade na operacionalização. “O que a gente precisa é a efetiva liberação do recurso”, reforça.
O gerente de relações institucionais e sindical do Sistema Ocergs, Tarcisio Minetto, diz que os recursos no fundo são fundamentais para a melhoria de processos produtivos, assistência técnica e extensão rural (Ater), sanidade e certificação. A legislação indica que 70% da arrecadação deve ser direcionada para Ater, 20% para projetos de desenvolvimento e apoio à cadeia produtiva e 10% para custeio administrativo de entidade representativa do setor. “O Sistema Ocergs entende que é preciso celeridade na liberação de recursos, e o Fundoleite tem valores para serem utilizados”, afirma.
A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) informou que está em andamento desde 2023 o contrato com a UPF para elaboração e apresentação de relatório técnico de acompanhamento sistemático de parâmetros para a formação do valor de referência do leite ao produtor. A Seapi diz que já trabalha para a renovação do contrato e garantia do serviço em 2025. “Já os projetos para desenvolvimento da cadeia produtiva do leite e dos seus produtos lácteos, o governo está trabalhando para a liberação desses recursos, sabendo da importância do setor produtivo. Há questões administrativas e jurídicas que precisam ser superadas para manifestações futuras”, informou a assessoria da pasta.
Fundovinos na espera para voltar a operar
Travado há cinco anos, o Fundo de Desenvolvimento da Ovinocultura (Fundovinos) está na iminência de voltar a ser utilizado pelo setor. O Estado publicou em outubro de 2023 edital de chamada pública para selecionar proposta técnica para executar ações para o segmento. A Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco) venceu o certame e aguarda os trâmites oficiais para assumir a parceria e aplicar R$ 5 milhões em um período de três anos. A gestão do fundo foi alterada pela Assembleia Legislativa em 2022, depois de três anos de tramitação. A cadeia produtiva aguarda sua efetividade desde então e conta com R$ 10,79 milhões depositados no caixa único do Estado, valor 27,3% superior ao saldo existente em de 2023 (R$ 8,47 milhões).
O presidente da Arco, Edmundo Gressler, acompanha com otimismo o processo, que estaria dependendo de avaliação jurídica da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage). A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) destaca que a parceria será firmada por 36 meses, com recursos repassados em quatro parcelas por ano, mediante prestação de contas trimestral. “Estamos trabalhando, construindo e confiando, tendo expectativa de que as coisas vão andar”, disse Gressler.
A chamada pública da secretaria teve como objetivo selecionar projetos para estimular a produção comercial de carne ovina, elaborar programa de certificação para o setor e fazer capacitações para qualificação da lã ovina. O edital buscou ainda ampliar o escopo de diagnósticos para a sanidade e melhoramento genético do rebanho.
Outro item destacado foi a promoção e o apoio à execução de exposições e feiras. A Seapi afirmou que a Arco apresentou documentação para assinar a parceria, que está em análise. “Ainda, houve a execução de recursos de cerca de R$ 309 mil para realização de feiras oriundas do setor, conforme demanda apresentada pelo conselho deliberativo do fundo”, informou a pasta.
Instituto defende mudanças no Fundomate
Presidente do Ibramate critica ineficácia do Fundo de Desenvolvimento e Inovação da Cadeia Produtiva da Erva-Mate e reclama que há grandes dificuldades em acessar os recursos, hoje acumulados em R$ 10,79 milhões
O presidente do Instituto Brasileiro da Erva-Mate (Ibramate), Alberto Tomelero, é um severo crítico do que considera falta de eficácia do Fundo de Desenvolvimento e Inovação da Cadeia Produtiva da Erva-Mate (Fundomate). “Esse fundo não está atendendo às necessidades do setor produtivo. Acho que a coisa mais difícil do mundo é acessar os recursos do Fundomate”, dispara o dirigente.
Até agosto, o Fundomate contava com R$ 10,79 milhões depositados no caixa único do Estado. A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) informa que existe parceria com o Ibramate para aplicação de R$ 850 mil. Segundo a secretaria, a primeira parcela, de R$ 425 mil, foi paga em 2023 (a Secretaria da Fazenda informa que foram gastos R$ 460 mil). “A segunda parcela será liberada após a prestação de contas do recurso já liberado”, informou a pasta.
Tomelero diz que a prestação de contas está na fase final. “Isso atrasou em função da burocracia, do sistema da Seapi, que gera mais dificuldades”, defende. O dirigente está no Ibramate desde 2018 e não poupa críticas à forma de gestão, que não tem o mesmo ritmo da iniciativa privada. “Até agora, o normal é fazerem uma chamada pública a cada três a quatro anos para aplicar um pouco do recurso. O normal seria uma chamada por ano, porque as empresas recolhem mensalmente esse recurso”, destaca.
Tomelero lembra também que o setor não recebeu dinheiro em épocas que o Estado não tinha verba para salários do funcionalismo e reclama da falta de comprometimento político. O setor ervateiro quer mudança do Fundomate. “Nossa reivindicação é que se reforme esse fundo, que participem não apenas 25 empresas, mas em torno das 240 que existem no Rio Grande do Sul. Cada uma contribui com parcela proporcional, e o Estado coloca a parte dele, para o setor ter recurso para usar quando precisa”, afirma.
Setor florestal tentou mas não conseguiu acessar o Fundeflor
Depois de bater à porta por repetidas vezes e não ser atendida, a Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor) repensa a apresentação de projetos para tentar resgatar valores depositados no Fundo Estadual de Desenvolvimento Florestal (Fundeflor) e aplicar em ações de promoção setorial. “A gente pleiteou nos últimos dois anos recursos para ações de comunicação, mas nunca avançou, e há anos pedimos para o anuário do setor, sem sucesso. Atualmente não pedimos nada”, diz o diretor-executivo da Ageflor, Jorge Heineck. O Fundeflor contava em agosto com R$ 15,94 milhões na conta.
Sem ser atendida, a associação decidiu retirar as iniciativas da Seapi, mas Heineck diz que as frustrações passadas não impactam novas tentativas de acessar os valores depositados no caixa único do Estado. “Agora estamos tentando consolidar novos projetos para apresentar ao Fundeflor”, adianta.
A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) informou que a chamada pública para definir a entidade parceira foi concluída, com indicação do Instituto Brasileiro da Erva-Mate (Ibramate) para gerir os recursos. “No entanto, a entidade ainda não apresentou toda a documentação necessária para a assinatura do termo. Assim que apresentada a documentação, a parceria será formalizada, no valor de R$ 2,8 milhões”, adianta a Seapi.
O presidente do Ibramate, Alberto Tomelero, diz que a entidade foi convidada a participar da chamada pública e que deverá administrar as verbas para recuperação de infraestruturas públicas do setor e capacitação de pessoal. “Apresentamos a documentação exigida, mas não sabemos se querem algum documento novo, porque com a secretaria é assim, pedem documentação, demoram uma eternidade e, quando a gente vê, vencem as negativas e pedem de novo. A gente fica frustrado em trabalhar desta forma, é muita burocracia”, critica Tomelero. “Se usassem um sistema assim, as empresas da iniciativa privada iriam todas quebrar”, dispara.
Fundovitis tem sinalização de mais recursos
Com saldo de R$ 153,67 milhões em agosto, o Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura recebeu a injeção de mais R$ 11,3 milhões neste mês de setembro, para execução a partir de 2025
No começo desta semana, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) esteve em Bento Gonçalves e anunciou a liberação de R$ 11,3 milhões do Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura (Fundovitis), para execução a partir de 2025, em parceria com o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura (Consevitis).
A entidade já mantém acordo de R$ 33 milhões para aplicação e vigência até fevereiro de 2026. Os recursos são repassados a cada trimestre, mediante prestação de contas. Em 2024, o Fundovitis já liberou R$ 7,6 milhões, montante que equivale a 4,9% do saldo acumulado pelo fundo até agosto, que era de R$ 153,67 milhões.
Antes da reunião com a Seapi, o presidente do Consevitis-RS, Luciano Rebellatto, disse que o setor já trabalhava para apresentar um novo plano de trabalho para 2025, que deve ser finalizado com a garantia de aportes. Assim como os demais fundos, o modelo atual se constitui por repasses financeiros a cada três meses, dependendo de prestação de contas ao final de cada período. “É um sistema burocrático, mas temos consciência de que é preciso prestar contas, o que dá segurança e credibilidade”, afirma.
O diretor executivo do Consevitis, Eduardo Piaia, diz que a entidade já precisou retardar ações em razão da demora nos repasses. “Essa engenharia a gente tem discutido, para encontrar formas de agilizar o processo”, diz. Até 2019, quando o Estado sustou os repasses ao Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), alegando questões administrativas, os pagamentos eram anuais. Com o fim da parceria, o Ibravin foi extinto.
Rebelatto destaca que a liberação de saldos do Fundovitis está sempre em pauta, embora o setor não tenha acesso formal a informações sobre o saldo do Fundovitis. Ele foi informado pelo Correio do Povo sobre os R$ 153,67 milhões depositados no caixa único do Estado. “Não tínhamos informação oficial, mas é claro que temos interesse em acessar e fazer uso. Existem muitas frentes para o setor trabalhar”, salienta Rebellatto, destacando questões recorrentes como a entrada de bebidas importadas no país e a deriva de herbicidas em parreirais. “Trabalhamos para quebrar uma cultura de que o vinho importado é melhor do que o nacional”, detalha. Este ano, a pauta ainda foi ampliada pelos estragos causados pelas chuvas e seu impacto também no enoturismo.
Os novos projetos do Consevitis devem continuar focados na promoção, difusão e financiamento da produção de vinhos, sucos e derivados da uva, para fortalecer as marcas Vinho Brasileiro e Suco de Uva Brasileiro.
Correio do Povo
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