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terça-feira, 6 de agosto de 2024

Melhorias e esquecimento na rodovia que faz homenagem ao poeta Mario Quintana

 Desde 2006, a ERS 118 é denominada Rodovia Mario Quintana, que vive em obras de duplicação e asfaltamento; indicação da homenagem que presta ao poeta segue em falta



Por conta do trecho em Osório nas proximidades do parque eólico, as estradas ERS 030 e a BR 290 (freeway), que homenageia o também alegretense Osvaldo Aranha, são as estradas do Rio Grande do Sul com características que mais poderiam fazê-las serem chamadas de “Rodovia dos Cataventos”. Entretanto, quis o destino que o poeta Mario Quintana fosse homenageado em outra rodovia, na região metropolitana de Porto Alegre, local onde sempre gostou de viver.

Passados quase 18 anos desde que o então governador Germano Rigotto assinou a lei 12.611/2006, nomeando a ERS 118 de Rodovia Mario Quintana, a estrada passou por grandes mudanças, como duplicações, asfaltamento e até troca de trajetos. Mas quem passa por ela, ou mesmo quem vive nas proximidades dela, mal sabe que este é o seu nome oficial. Afinal, faltam placas para indicar que a rodovia recebe este nome ou mesmo, em um de seus trechos, que se trata da ERS 118.

Apesar do esquecimento, em 1940, quando lançou o livro de poesias “A Rua dos Cataventos”, Quintana já previa no poema de mesmo nome o que poderia acontecer com homenagens, mas termina o texto com um aviso sobre a sua ‘imortalidade’ na história do RS e da literatura brasileira: “Aves da noite, asas do horror, voejai! Que a luz trêmula e triste como um ‘ai’. A luz de um morto não se apaga nunca!”, escreveu o poeta.

E não se apagou. Durante o período de maior calamidade climática da história do RS, a rodovia tornou-se um caminho de solidariedade, permitindo a conexão de Porto Alegre com o restante do Estando, enquanto as principais vias de acesso pelas regiões Central e Norte da Capital estavam interditadas. Mesmo esquecido pela falta da identificação de seu nome na rodovia, Quintana estava “presente” em um dos momentos mais sensíveis da história do RS.

Trecho duplicado da ERS 118 segue em obras Trecho duplicado da ERS 118 segue em obras | Foto: Mauro Schaefer

De ponta a ponta da ERS 118: um raio-X da ERS 118

Do seu início, no viaduto com a BR 116, até o seu final, no Hospital Colônia de Itapuã, a ERS 118 possui 80,38 quilômetros de extensão. Em 2017, um levantamento feito pelo Correio do Povo indicou que eram necessários mais de 4 horas para percorrer todo o trajeto da rodovia Mário Quintana. Passados sete anos, esse tempo caiu para mais da metade, devido à conclusão e encaminhamento de obras importantes para a região, como a duplicação do trecho entre Sapucaia do Sul e Gravataí, além da pavimentação asfáltica entre a ERS 040 e a Colônia de Itapuã.

Com a saída por volta das 14h40 de Sapucaia do Sul e a chegada por volta das 17h no antigo hospital, considerando alguns minutos de paradas para registros fotográficos e entrevistas com moradores, foi possível percorrer os mesmos 80,38 km em cerca de 1h50. De uma rodovia nada poética até alguns anos, a ERS 118 mostra um processo de transformação que busca facilitar o tráfego em pontos carregados da região metropolitana, além de explorar as belezas rurais que existem em Viamão e Porto Alegre.

Ao longo de sua extensão, a rodovia apresenta divisões claras em três trechos: entre Sapucaia do Sul e Gravataí, entre a freeway e a ERS 040 e entre a ERS 040 e a Colônia do Itapuã. O primeiro, com pouco mais de 22 km, é marcado por um grande movimento de veículos. Por outro lado, por ser duplicado, oferece segurança para os usuários. Neste trecho, existem leves desvios para reparos pontuais e instalação de muretas no canteiro central. O maior deles é na intersecção com a ERS 030, onde um viaduto está sendo construído. Foram necessários 20 minutos para concluir o trecho.

O segundo trecho já evidencia alguns dos problemas crônicos da rodovia, principalmente em função da pista simples e do grande tráfego de veículos em direção aos distritos industriais e às cidades de Alvorada e Viamão. Além disso, existem muitos calombos na beira da pista e buracos, tornando os 15 km do trecho um verdadeiro desafio de resistência para os amortecedores dos veículos. O trânsito flui um pouco melhor após o acesso ao autódromo de Tarumã, pois há uma curta faixa adicional em ambos os sentidos. Apesar das dificuldades no trecho, o trajeto levou cerca de 15 minutos para ser percorrido até o viaduto com a ERS 040.

A partir deste ponto, tem início o terceiro e último trecho da Rodovia Mario Quintana. Mas se não fosse pelas obras de asfaltamento, seria praticamente impossível adivinhar qual é o seu trajeto oficial por conta da falta de sinalização. Uma das poucas placas instaladas é justamente a que informa sobre as obras. Da ERS 040 até o hospital, também chamado de leprosário, são exatos 42,15 quilômetros.

No trecho, a ERS 118 divide a pista com outros nomes, sendo chamada também de rodovia Coronel Acrísio Prates, rua Hartur José Gatino, estrada da Capororoca, estrada João de Oliveira Remião (já em Porto Alegre), estrada São Caetano, estrada do Varejão, estrada do Itapuã e rodovia Frei Pacífico, até chegar à estrada vicinal que dá acesso ao Hospital Colônia de Itapuã.

Nos primeiros quilômetros do trecho, a rodovia está em piores condições, com pouca marcação na pista e saliências nas margens. Além disso, há lixo acumulado em alguns terrenos baldios. Após o início das obras, nas proximidades de um resort, o asfalto está em ótimas condições. Em alguns trechos, trabalhadores seguem realizando obras de encanamento, com desvios de “pare e siga”. Já nas proximidades do limite entre Viamão e Porto Alegre, ainda existem cerca quatro quilômetros de estrada ainda não pavimentada.

Entre o Lami e Itapuã, a estrada não apresenta grandes problemas no asfalto, mas carece de sinalização e marcações. Após a rótula para o balneário de Viamão, existem alguns calombos na pista. Logo depois da praia, o novo asfalto volta a dar as caras, mas ainda sem a sinalização. Ao se aproximar da região do antigo leprosário, a pista de chão batido ressurge, mas o maquinário no local indica que ele não ficará por mais tempo ali.

O trecho que ainda falta receber asfalto é de cerca de 8 quilômetros. Ao todo, desde o momento em que a BR 448, a Rodovia do Parque, ou Rodovia Fábio Koff, torna-se a ERS 118 até a Colônia do Itapuã, desconsiderando os momentos de pausas para fotos e entrevistas, o trajeto de 80 km levou 1h40 para ser percorrido, muito abaixo das 4 horas necessárias em 2017, quando ainda não havia duplicação no primeiro trecho e asfalto no terceiro.

Mesmo com questões a serem resolvidas no trecho entre a freeway e Viamão, principalmente por conta da intenção do governo do Estado em instalar um pedágio no local, as melhorias aproximaram as duas pontas da rodovia. À frente do seu tempo, Mario Quintana já previa que os graves problemas na rodovia que leva seu nome teriam sua situação encaminhada ao longo dos anos. “Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho”, escreveu em “Poeminha do Contra”.

Apesar disso, do início ao fim da ERS 118, a falta de placas e informações sobre a figura que dá nome à rodovia leva ao esquecimento da homenagem ao poeta.

Acostumado com a poeira e o barro da rodovia, José Cláudio Wulff celebrou a conclusão do asfalto no trecho onde mora Acostumado com a poeira e o barro da rodovia, José Cláudio Wulff celebrou a conclusão do asfalto no trecho onde mora | Foto: Mauro Schaefer

Alívio para moradores e crise de identidade para o poeta

Passados quase sete anos do último levantamento feito, o trecho nada poético da ERS 118 se transformou em uma quase obra de arte prestes a ser finalizada. A pavimentação asfáltica no mais 40 km do trecho está quase concluída e já traz alívio para quem antes vivia acostumado com o gosto da poeira na boca ou com a lama em dias de chuva. José Cláudio Wulff, de 56 anos, reside há mais de três décadas na rua Hartur José Gatino, em Viamão, e celebrou a conclusão do asfalto no local.

“Antes era um barral quando chovia e uma poeirama quando batia vento. Melhorou muito depois que foi asfaltada. Não dava para lavar roupa. A estrada era uma buraqueira. Agora para nós está tudo perfeito. Agora eu vou até o centro de Viamão em 10 minutos. Antes não demorava menos de meia hora de carro”, contou. Entretanto, questionado se ele sabia que o nome oficial da ERS 118 era Rodovia Mario Quintana, Wulff atestou a crise de identidade da homenagem. “Eu não moro nesta rodovia. Eu moro na Hartur José Gatino há mais de 30 anos”, completou.

Outra moradora da região, Jussara da Silva Alves, de 56 anos, conta ainda que nem tudo são flores na ERS 118. Ela reside em um ponto logo depois da intersecção com a ERS 040, que já estava asfaltado antes das últimas obras do Estado, e convive diariamente com os perigos da falta da sinalização e do lixo. “Aqui era para ser a ERS 118, mas não tem cuidado nenhum. Tudo está virando mato. Eu preciso caminhar por aqui todos os dias e não tem lugar seguro para isso. Fui caminhar por cima de uma área de mato e um bicho me picou na perna”, citou.

Moradora da região há mais de 50 anos, ela também falou sobre a crise de identidade na ERS 118. Perguntada sobre o nome oficial da rodovia, ela respondeu: “Aqui? Todos chamam de rodovia Acrísio Prates. Ninguém conhece por esse nome oficial”, ressaltou a moradora.

Giovani Costa da Silva vive desde criança no mesmo lugar, que deixou de ser Porto Alegre para pertencer a Viamão Giovani Costa da Silva vive desde criança no mesmo lugar, que deixou de ser Porto Alegre para pertencer a Viamão | Foto: Mauro Schaefer

“Mudamos de cidade sem trocar de endereço”

Além da crise de identidade do poeta, já percebida ao longo dos anos, as obras recentes também resultaram em uma pequena alteração nos limites entre Porto Alegre e Viamão. Alguns quilômetros para cá e alguns metros para lá já foram suficientes para fazerem com que algumas propriedades deixassem a sua cidade original. Um destes casos é o do empresário Giovani Costa da Silva, de 51 anos. Desde os seus 4 anos, ele vive em um sítio na estrada São Caetano, uma sequência da João de Oliveira Remião, via que passa pela Lomba do Pinheiro.

“Eles mudaram o limite um pouco ali para baixo (em direção ao Lami) e aqui passou para Viamão. Antes era Lomba do Pinheiro em Porto Alegre, agora é de Viamão. A gente estranhou um pouco, mas em si não vai mudar muita coisa. Só que geralmente a gente ia para Porto Alegre, pois era muito demorado até Viamão. Com o asfalto, agora chegamos até o centro de Viamão em questão de 15 minutos. Começamos a viver mais a cidade. Antes dava mais de 1h de carro, pois a estrada era cheia de buraco”, contou o empresário, que ainda relembrou os trâmites de ter que regularizar a empresa na nova cidade em função do reajuste de limites entre Porto Alegre e Viamão.

Em frente à propriedade dele, as obras seguem a todo vapor. Nos metros que antecedem, o asfalto já dá as caras. Depois, o chão batido ainda está presente, mantendo um pouco das dificuldades que convivia anteriormente com a poeira. Em árvores plantadas na beira da via, até as folhas já não estavam verde, mas cinza por conta da poeira. “Ainda que tenha, está diminuindo bastante. Antes, tu saía de manhã e, quando voltava no final da tarde, a casa ficava cheia de pó, mesmo que fechada. A gente lavava roupa, colocava no varal e já tinha que lavar de novo. Era horrível”, completou.

Sonho de gerações em ver o asfalto concluído no Itapuã

No “fim da linha” da ERS 118, antes da entrada para o antigo leprosário, existe uma comunidade chamada Colônia de Itapuã. Se na ponta de cima a duplicação trouxe alívio para moradores e empresários, na ponta de baixo da Rodovia Mario Quintana, a simples colocação de uma camada asfáltica tornou-se a realização de um sonho para os moradores. Há mais de 60 anos, Rogênio Fernandes Teixeira, de 66 anos, mora na localidade e relembra todas as vezes que acompanhou os debates sobre o asfaltamento até o hospital.

“Parece um sonho se realizando. Na verdade, a gente ainda está sonhando, pois ainda não está pronto. A minha esposa então, o sonho dela é manter o carro limpo. Lavar ele e seguir limpo. Além disso, tinha ônibus e caminhão que não conseguia passar aqui. Agora vamos acreditar que vai sair mesmo o asfalto. Estamos até combinando de pagar um churrasco de costelão para os trabalhadores que estão aqui”, contou Teixeira, que é proprietário de um mercado na Colônia de Itapuã.

O pai dele, Tulíbio, falecido em 1995, era uma das figuras que mais se empenhava para que isto acontecesse. “Estamos esperando no mínimo há mais de 60 anos. Meu pai já esperava na época dele. Eu tenho recordação de que meu pai tinha muita vontade de ver esse asfalto. Era o sonho dele ver isso em vida, mas não conseguiu. A minha irmã também, que teve um câncer e precisou se mudar para perto do Hospital Vila Nova por conta das condições. Ela morreu há pouco mais de um mês e também não conseguiu ver. Mas eu sei que, de onde eles estiverem agora, estão felizes com esse asfalto”, completou o morador.

No local, maquinários ainda estão trabalhando no preparo da estrada que será asfaltada, com a poeira ainda dando as caras para quem vive na localidade. A espera da família Teixeira para ver o asfalto pronto na Colônia de Itapuã retrata quase que fidedignamente o poema “Relógio”, escrito pelo poeta que dá nome à rodovia. “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família”.

Hospital Colônia de Itapuã é o ponto final dos 80km da ERS 118 Hospital Colônia de Itapuã é o ponto final dos 80km da ERS 118 | Foto: Mauro Schaefer

Investimentos do Estado na ERS 118 e promessa de sinalização

A melhora nas condições da ERS 118 ocorreram após investimentos do governo do Estado. De acordo com o secretário Estadual de Logística e Transportes, Juvir Costella, após a conclusão da duplicação da rodovia entre Sapucaia do Sul e Gravataí, foram investidos mais de R$ 100 milhões para a construção de seis passarelas, uma elevada e na iluminação da via. Além disso, no trecho entre Viamão e Lami, o investimento foi de cerca de R$ 37 milhões, e outros R$ 10 milhões ente o Itapuã e o antigo leprosário. Estas duas últimas obras possuem previsão de conclusão em 2024.

“As obras na rodovia iniciaram há mais de 20 anos e que a duplicação sempre foi uma promessa dos governos. É uma obra fundamental para a mobilidade da região, atingindo mais de quatro milhões de pessoas. Desde a duplicação da ERS 118, em 2020, o governo vem investindo em melhorias na rodovia, além da pavimentação dos dois últimos trechos. O investimento nestes dois trechos será muito importante para alavancar o turismo, garantir a trafegabilidade de motoristas e usuários e será fundamental para desenvolver a economia da região”, apontou Costella.

O secretário ainda ressaltou sobre a importância estratégica da Rodovia Mario Quintana como ligação entre diferentes municípios da região metropolitana. “A duplicação da rodovia sempre foi um sonho para os moradores. Importante salientar que os trechos já pavimentados da ERS 118 estão em boas condições de trafegabilidade e as obras que estão em andamento promoverão melhorias ainda mais significativas nesta rodovia”, completou.

Questionado sobre a falta de placas indicando o trajeto e o nome da rodovia ao longo dos 80 quilômetros da ERS 118, Juvir Costella ressaltou que a via segue recebendo intervenções. “Por conta das obras, ainda não foi possível ainda definir o local para instalação das placas de denominação da rodovia, o que em breve será providenciado”, respondeu.

Estado e entidades debatem sobre pedágio na ERS 118

Apesar das melhorias, a ERS 118 também convive com polêmicas ao longo do seu trajeto. Uma delas está na possibilidade da implantação de um pedágio, no modelo Free Flow, entre Alvorada e Viamão. No início do ano, um grupo de deputados estaduais e federais entregou uma proposta para o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) solicitando um estudo para a duplicação dos 16 quilômetros do trecho com recursos parlamentares.

A intenção da proposta é justamente evitar que o pedágio seja instalado e que a duplicação aconteça após a arrecadação a partir dele. Um dos parlamentares que assinou o documento foi o deputado estadual Capitão Martim. Ele destaca que os gaúchos que moram entre Gravataí e Viamão aguardam ansiosos pela duplicação da rodovia no trecho.

“A proposta de financiar essa obra através de novos pedágios não é o caminho. O financiamento da duplicação precisa ser sustentável. A solução passa pela união de forças entre deputados estaduais e federais com destinação de emendas parlamentares. Um esforço conjunto que certamente resultará na concretização desse projeto, sem que haja a necessidade de recorrer a soluções que onerem ainda mais a população”, apontou.

Dentro do governo do Estado, quem trata do assunto é a Secretaria de Parcerias e Concessões. Em nota, a pasta informou que a ERS 118 integra o bloco 1 da concessão de rodovias estaduais. Além disso, a pasta está finalizando o estudo do modelo de concessão de todo o bloco. “No momento, não há a definição dos pontos onde serão instalados os futuros pórticos, nem em quais rodovias ou valores da tarifa. A expectativa é que a análise seja concluída, com cenários propostos para futuro debate com a sociedade, até o final do primeiro semestre desse ano”, ressaltou a nota.


O lado “esquecido” da Rodovia Mario Quintana

Outra polêmica que faz parte do dia a dia da ERS 118 está relacionada com os trechos nos quais ela não passa, dentro de Viamão e Porto Alegre. Todo o sofrimento que era vivido pelos moradores da ERS 118 enquanto ela não estava asfaltada ainda é sentido na pele por quem mora nestes trechos esquecidos e menos poéticos do Interior. Em um deles, na estrada Coronel Acrísio Prates, vive Rubem Schultz, mais conhecido por “magrinho”, em função do nome da sua propriedade ser “Sítio do Magrinho”. Ele é morador há quase 50 anos na região e lembra todas mudanças de trajetos e promessas feitas para o asfaltamento de trechos esquecidos.

“Logo no início, quando vim para cá, foi feito um traçado para asfaltar entre Viamão e Itapuã e seria por essa estrada (Acrísio Prates). Ela seria alargada e asfaltada e esse traçado pegaria parte do meu sítio. E por mim tudo bem. Eu nem cobraria isso, pois traria benefícios. Mas nunca saiu do papel. Anos depois eu fui consultar e descobri que, em Brasília, a estrada constava como já asfaltada. Décadas depois, a mesma ideia de asfaltar, mas ficou por isso”, relembrou.

Ele cita ainda que foi apenas no período anterior à Copa do Mundo de 2014 que o asfalto chegou na ERS 118, mas não para o trecho que ele morava. “Foi feito o asfalto para abrigar uma seleção em um resort da região. Na época, foi trocado o trajeto da ERS 118 para a estrada da direita, que segue até hoje e que é a que está sendo asfaltada. Assim ela não saiu mais no Itapuã, mas sim no Lami. E depois disso a nossa seguiu abandonada”, completou.

Perguntado sobre as condições do trecho onde reside, Magrinho relata que convive com condições precárias na estrada. “Quando está seco, é poeira e buraco. Quando chove, é barro e buraco. É um descaso total. Por exemplo, nas últimas semanas choveu forte e a estrada ficou intransitável. Para sair, eu preciso fazer toda uma volta até o Lami. Até arrombaram minha propriedade nesses dias. Isso não permite que a produção rural da nossa região se desenvolva”, lamentou o morador.

Schultz conta que vivem cerca de 300 famílias nas estradas que não estão asfaltadas e que faziam parte do trajeto da ERS 118. Além disso, a propriedade dele está distante cerca de 15 quilômetros do centro de Viamão, mas as condições não permitem que ele demore menos de 45 minutos para completar o trajeto. “Cada vez a estrada fica pior. Eu, como produtor rural, estou começando a parar com as minhas atividades aqui”, finalizou.

Em 2017, o levantamento das condições da Rodovia Mario Quintana feito pelo Correio do Povo já havia registrado um relato semelhando. À época, no meio do chão batido e da poeira, um casal de aposentados, José Danilo Pires da Silva e Celita Telles Pires da Silva, lamentavam o esquecimento e a crise de identidade da rodovia. “Antes eu morava na ERS 118, também conhecida como Rodovia Coronel Acrísio Martins Prates. Há uns três anos apareceu um engenheiro informando que a estrada tinha mudado de rota. O mais irônico é que, para o governo federal, a rodovia está pavimentada”, citou a moradora em 2017.

Procurado sobre as trocas de traçados da rodovia, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) respondeu que estas mudanças nunca ocorreram. “O projeto que está sendo seguido é de 1993, que prevê a estrada exatamente no lugar onde ela está sendo pavimentada. Eventualmente, o que pode ter ocorrido é que alguma curva tenha sido diminuída ou aumentada de tamanho, para ajustar o traçado da rodovia. Mas uma mudança tão significativa de traçado como a sugerida pelo mapa não se confirma”, contrapôs a autarquia.

Enquanto isso, os moradores seguem convivendo com poeira, lama e buracos no trecho nada poético, assim como o poeta segue esquecido na rodovia que leva seu nome. Em um trecho do poema “Canção do Dia Sempre”, Mario Quintana já apontava: “Nunca dês um nome a um rio: sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua. Tudo vai recomeçar. E sem nenhuma lembrança, das outras vezes perdidas, atiro a rosa do sonho nas tuas mãos distraídas”.

Correio do Povo

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