Reconstrução da malha viária do RS deverá ser planejada, incorporando novas ferramentas por causa da mudança climática
As ações de adaptação se dão não apenas nas estruturas físicas das rodovias, mas também incluem medidas como preparação de avaliações de risco e sistemas de alerta e monitoramento das estruturas. A partir de dados relativos ao vento, à umidade e à temperatura, por exemplo, é possível orientar os investimentos em pontos críticos e prioritários e também definir as técnicas e os materiais mais adequados para cada trecho. O coordenador do Laboratório de Pavimentação (Lapav) da Ufrgs e pesquisador do Centro de Pesquisa e Estudos sobre Desastres do RS (Ceped), Lélio Brito, ressalta que, a partir de estudos, soluções podem ser implementadas em conjunto, dependendo da necessidade. “Em um país em que temos dificuldades de recursos, precisamos que nossos investimentos sejam assertivos”, salienta.
Andrea Santos, coordenadora do AdaptaVias, acrescenta que esse tipo de acompanhamento também subsidia a manutenção preventiva e tem a capacidade de prever determinadas ocorrências. “Se você tem uma alerta de uma onda de calor intensa, por exemplo, pode acompanhar o pavimento, como está o asfalto naquele trecho, se precisa de manutenção ou de reparos.” Investimento em adaptação perpassa obras de engenharia, que são medidas estruturais, e também medidas não estruturais. “Em inglês a gente chama de medidas ‘soft’ e ‘hard’. A ‘soft’ é mais a governança, monitoramento usando inteligência, que pode vir com as tecnologias. A gente pode considerar um monitoramento em tempo real não só dos eventos extremos, como já existem parcerias com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) em alguns estados para avaliar indicadores como temperatura e chuva, por exemplo, mas também o monitoramento da própria infraestrutura”, destaca a pesquisadora Andrea.
Camadas de pavimento resilientes
Para Brito, as estruturas devem ter diferentes níveis de resiliência de acordo com o uso e a demanda. Vias de acesso e corredores estratégicos precisam ter operacionalidade o mais rápido possível, após um evento climático. E são esses pontos que deveriam ter prioridade para receber tecnologias que permitam um restabelecimento em curto prazo.
Nesse sentido, recursos com alta capacidade de regeneração estão disponíveis. Os sistemas autocicatrizáveis, por exemplo, funcionam com fibras de aço dentro do pavimento que, quando aquecidas, restauram os elementos ligantes presentes no asfalto e ajudam as fissuras a fecharem. Outra tecnologia mais recente tem o mesmo princípio de restabelecer a estrutura, mas utilizando microcápsulas recheadas com pequenas quantidades de óleo, que explodem à medida que o tempo passa e se misturam com o conteúdo ao seu entorno, levando o material a ficar mais próximo da condição original.
O professor também ressalta a importância das camadas inferiores das rodovias estarem estabilizadas. Tradicionalmente, elas são compostas por britas de vários tamanhos, que, quando a água vem, “lava” a parte fina e deixa vazios no pavimento. “Quando passar a primeira carga em cima, a estrada colapsa.” Para minimizar isso, uma das alternativas é gerar camadas embaixo do pavimento, com mistura de materiais, para manter a capacidade de resistência ao longo do tempo. A Ufrgs já fez uma experiência com esse tipo de pavimento na BR 116, na região Sul do RS, em um trecho administrado pela Ecosul. “Os materiais estão se comportando brilhantemente bem. As camadas estabilizadas têm pouquíssimo nível de deformação, ou muito menos nível de deformação, na comparação com as granulares.”
Um dos grandes promotores da mudança climática é a quantidade de carbono que jogamos na atmosfera. Por isso, atualmente pesquisas têm buscado reduzir o calor utilizado nas obras em rodovias. Normalmente, o asfalto é trabalhado de 160ºC a 180°C durante o processo de construção das estradas. O resfriamento das camadas permite o transporte a frio, o que gera menos impacto.
“Com isso, é possível asfaltar mais camadas e gerar um pavimento muito mais robusto. Se eu gero um pavimento mais robusto, ele fica menos suscetível às ações da água que temos a curto prazo”, descreve Brito.
Ao mesmo tempo, também aparecem como possibilidades os materiais reciclados e de reuso. “Será que os materiais, após a inundação, podem ser reutilizados dentro da própria obra? Será que a gente consegue aumentar a resistência de algo que já passou por um ciclo de dano? Um ponto estudado é o uso de material local e a redução de transporte e redução de pegada de carbono.” Nesse caso, o tempo de obra seria menor, assim como o custo.
Quanto à porosidade do solo, Brito explica que uma rodovia não urbana tem seu trajeto em meio a vários pontos permeáveis, normalmente de vegetação. Em áreas urbanas, as vias estão cercadas de áreas impermeáveis, o que dificulta a rápida drenagem. Por isso, é interessante criar locais para a água penetrar.
Novos parâmetros para adaptar
A professora Andrea Santos também chama atenção para a vegetação e os recursos hídricos no entorno da infraestrutura. No caso do RS, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs apresentou proposta de critérios para estimar variáveis hidrológicas como precipitações intensas, vazões máximas, cotas máximas, velocidade d’água e inundação máxima, que podem ser utilizadas em projetos de infraestrutura e no planejamento, com visão para prováveis efeitos das mudanças climáticas. Em resposta aos riscos associados aos eventos, estimativas atualizadas são fundamentais para o planejamento, a concepção de infraestruturas, a definição de áreas de risco, de prêmios de seguro e do planejamento de resposta a emergências.
Correio do Povo
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