segunda-feira, 1 de julho de 2024

Plano Real: 30 anos de estabilidade econômica no Brasil

 Em 1º de julho de 1994, entrava em circulação o real e, com a moeda, a implementação do plano de estabilização econômica que derrotou a inflação que superava 80% ao mês


Há 30 anos a rotina dos brasileiros era correr ao supermercado assim que o salário chegava e estocar tudo o que era possível, porque no dia seguinte os preços já estavam reajustados. Etiquetas ficavam sobrepostas para a remarcação dos produtos e era impossível fazer um planejamento financeiro familiar devido à instabilidade econômica, o que impedia qualquer tipo de previsão. “A vida era um desespero”, define a economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni.

A entrada em circulação do real em 1º de julho de 1994 mudou totalmente o cenário. Naquela época, a inflação mensal superava 80%. A implementação da nova moeda ocorreu de forma processual. “A primeira coisa é que o plano veio depois de seis planos anteriores. Tínhamos um somatório do que deu errado. Uma lista do que não fazer”, explica.

O professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Fernando Ferrari Filho, enfatiza que, diferentemente de outros planos de estabilização monetária implementados anteriormente, tais como Cruzado, Bresser e Collor, cuja medida principal era o congelamento temporário de todos os preços, no Plano Real foi adotada uma estratégia baseada em três fases.

“Inicialmente, ocorreu um ajuste fiscal emergencial que fez com que, às vésperas da reforma monetária, em julho de 1994, o setor público estivesse equilibrado. Em segundo lugar, houve a desindexação dos ativos da economia através da introdução da URV (média dos principais índices de inflação da ocasião)”, detalha Ferrari. Houve uma espécie de “conversão” de preços e salários e, por fim, recorda o economista, em julho de 1994 se consolidou a reforma monetária, isto é, a introdução do real como moeda de curso legal.

Segundo o professor, com a criação do real, duas âncoras foram importantes para estabilizar os preços: a cambial, que equiparou a moeda nacional ao dólar, e a taxa de juros, que tinha como objetivo, devido à expressiva diferença entre os juros nominais interno e internacional, atrair fluxos de capitais externos.

Nos primeiros anos, houve uma melhora de poder de compra da população e o consumo, principalmente, de bens, cresceu. “No curto prazo, a mudança de preços relativos beneficiou a população e a distribuição de renda melhorou”, avalia Ferrari.

Ao longo de três décadas, o Plano Real representa êxito em relação à estabilização e ao controle do processo inflacionário no Brasil. Por outro lado, o crescimento econômico do período é considerado baixo, com taxa média de elevação do PIB de 2,2% ao ano.

Plano de estabilização econômica

“O Plano Real foi tão somente um plano de estabilização monetária que, em momento algum, se preocupou em apresentar uma estratégica pró-crescimento econômico, principalmente porque, para os ‘pais’ do Plano Real, o crescimento econômico ocorreria naturalmente com a inflação civilizada”, avalia o professor da Ufrgs, indicando que a expectativa de desempenho não foi concretizada.

Para Carla Beni, o grande efeito, além da estabilização da moeda, foi a redução da população considerada miserável, que recuou de 35% para 22% em dez anos. Ela explica que as faixas mais pobres são as que sofrem mais com a inflação.

“Essa população consome a renda com itens básicos, principalmente”, esclarece, lembrando que não sobra dinheiro para investir. Fora isso, a economista e professora entende que a estabilização econômica contribuiu ainda para um efeito colateral na dívida pública. “Do ponto de vista interno, tinha mais legitimidade”, declara.

O benefício é financiar a dívida pública na moeda local, sem precisar financiar em dívida externa, o que exige pagamento em dólares. “Você precisa de uma moeda estável, minimamente, para poder ter confiança e poder emitir títulos em reais e pagar em reais”, esclarece Beni. Contudo, a taxa de câmbio valorizada do início do plano afetou o setor exportador.

Déficit na balança comercial

“Para se ter uma ideia, em julho de 1994, a taxa de câmbio era R$ 1 igual a 1 dólar e, em dezembro de 1998, atingiu o valor de R$ 1,21 por 1 dólar. Como consequência, o saldo da balança comercial acumulou, no período 1994-1998, um déficit de quase 12 bilhões de dólares e as reservas cambiais caíram substancialmente, a ponto, inclusive, de termos enfrentado uma crise cambial no início de 1999”, resume Ferrari.

O saldo negativo da balança comercial somente foi revertido em 2001, de acordo com o professor, quando a taxa de câmbio, a partir de 1999, passou a ser flexível. “Hoje, os tempos são outros: o setor que dinamiza a economia brasileira é o setor externo, tendo a balança comercial atingido um saldo de quase 100 bilhões de dólares em 2023.”

Passados 30 anos, o legado do Plano Real é o controle da hiperinflação, que ficou no passado dos brasileiros. Mesmo que haja críticas, a professora Carla Beni avalia que não existe expectativa nem necessidade de um novo sistema para substituir o atual.

Operação de produção e distribuição de cédulas

A necessidade de substituição integral das cédulas em 1994 fez o governo federal preparar uma operação de produção e distribuição. Além da Casa da Moeda, que fabricou todas as notas de R$ 1 e de R$ 100, foram contratados três fornecedores estrangeiros para a produção de 260 milhões de cédulas de R$ 5, R$ 10 e R$ 50. Diversas viagens precisaram ser realizadas até o dia 30 de junho. A população se enfileirou em bancos para fazer a troca do dinheiro.

Durante a implementação, o Movimento das Donas de Casa e outras entidades faziam fiscalização dos preços cobrados para evitar distorções. Um mês após o início do plano, foi realizado boicote nacional em protesto contra os aumentos considerados abusivos de valores de produtos nos supermercados, principalmente itens da cesta básica.

Um grupo chegou a organizar um “escambo doméstico” nas ruas de Porto Alegre para evitar as compras nos mercados tradicionais e pressionar a redução dos preços. A Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) também verificava as cobranças em estabelecimentos pelo país, assim como o Inmetro.


Correio do Povo

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