Na Encosta da Serra, famílias preservam costumes e crianças aprendem segundo idioma em casa
As mudanças culturais e de costumes ao longo das décadas não enfraqueceram laços considerados fundamentais para as famílias dos descendentes germânicos. Muitas delas ainda preservam, por exemplo, a permanência de diferentes gerações de pessoas em uma mesma propriedade. Na localidade de Alto Morro dos Bugres, a cerca de oito quilômetros do Centro de Santa Maria do Herval, na Encosta da Serra, vivem desta maneira os familiares do patriarca Nilson Roberto Gressler e da matriarca, Maria Clarice Gressler, visitados pelo Correio do Povo antes das enchentes.
Além do casal, moram ali seus filhos, Adelar, borracheiro, Volnei e Daniele, ambos agricultores. Ainda os netos Jean, Jonas (filhos de Adelar com a dona de casa Adriane Holz Gressler), a mãe de Adriane, Edi Holz, os também netos Dener, Yasmin (filhos de Volnei com a agricultora Vanderléia Gressler) e Laila (filha de Daniele com o consultor de vendas Clóvis Welter). Todos se sustentam, em grande parte, pelo trabalho da agricultura familiar, algo cultivado há gerações e que, para eles, mantém viva esta união.
“Trabalhamos na roça, e sempre tive um sonho, e que ainda continua, de que meus netos continuem na lavoura. No mundo todo, o pessoal não quer mais sujar as mãos e trabalhar com isto. Isso é uma dificuldade em todos os lugares, aqui, na Europa”, comenta Nilson. Ele contou ter sido uma “felicidade” quando uma das noras, Vanderléia Gressler, casada com outro filho do casal, Volnei Gressler, “largou a fábrica” e voltou para casa. “As pessoas precisam de comida, já começa a faltar. Sempre estamos preocupados em produzir alimentos saudáveis”, explicou o patriarca.
Há 40 anos, a família faz como diversas outras da região, comercializando itens de produção própria em municípios próximos, como Sapiranga, Novo Hamburgo e Campo Bom. O caminhão parte da propriedade todos os sábados, e a variedade de itens é grande, desde hortaliças, rabanetes, beterrabas, aipim, pepino, até pães, cucas e vinhos. A propriedade foi iniciada por Silmar Luis Seger, que, depois, se tornou vereador e tesoureiro da prefeitura, o que justifica a conhecida regionalmente vocação contábil dos Gressler.
Em outro extremo de Santa Maria do Herval, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Maurício Cardoso fica em Padre Eterno Baixo, à mesma distância da área central, atendendo 107 alunos da pré-escola ao 9º ano. Muitos alunos do colégio já vêm de casa com o aprendizado prévio do dialeto hunsrück, misturado ao português, que, de certa maneira, torna-se um “segundo idioma”. “Querendo ou não, a criança tem muito mais facilidade para conseguir abstrair estas questões de linguagem bilíngue, então nós fazemos versinhos em alemão, por exemplo, porque eles veem os outros falando e querem falar também. É algo muito forte neles”, comenta a coordenadora pedagógica da escola, Pâmela Haubert.
“Acredito que sejamos um dos últimos (municípios) que ainda mantém (estas tradições) firmes. Ocorre uma aproximação nossa com eles no falar alemão”, complementou a diretora da Maurício Cardoso, Raquel Fenner Gressler. Santa Maria do Herval, cujo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2021 foi calculado pelo Ministério da Educação (MEC) em 6,1 para os anos iniciais e 5,6 para os anos finais, acima das médias estadual e nacional, tem um projeto de desenvolvimento do hunsrück nas escolas municipais, criado pela professora Márcia Fenner.
Este alinhamento não é por acaso, já que o município é um dos poucos no estado onde o hunsrück, originário das regiões alemãs de mesmo nome e da Renânia Central, é idioma co-oficial. Nos últimos dias, ela chamou a atenção justamente por ter sido incorporada ao Google Tradutor. Na Maurício Cardoso, Márcia ministra a hora do conto para os alunos, assim como também foi a responsável por criar os versos, recitados em vídeos pelas crianças, por sua vez autorizadas pelos pais, e que convidam turistas a conhecer a Kartoffelfest, a Festa da Batata. O evento é um dos principais da região, porém também não teve sua 25ª edição realizada em 2024 devido às enchentes.
Nas redes sociais, os vídeos acumulam sucesso e elogios. “Acho de fundamental importância manter as tradições, e nosso município está começando a ser visto com este viés. Isso se preserva aqui, no jogo de futebol, na culinária, nos costumes e bailes. Entre os adolescentes ainda há esta fala. Tento passar isto para os alunos em forma de história, de maneira mais lúdica, inclusive como forma de homenagear a memória de nossos antepassados”, comenta Márcia.
Desta maneira, é ainda comum a mescla de idiomas em uma mesma frase, como quando, questionadas, as crianças comentam que seus pais plantam “milho, feijão, maniok (mandioca) e katoffel (batata)” em suas propriedades. Embora ainda pequenas, elas afirmam ter consciência de que, assim como ocorre na família do Alto Morro dos Bugres, a possibilidade de um dia deixar o município é algo ausente nos seus imaginários. “Ficar aqui é bem melhor”, diz Natasha, 9 anos. “Pelo menos aqui eu posso falar tudo em alemão”, complementa Vitor, 9.
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Correio do Povo
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