Construções atingidas pela cheia demandam cuidados especiais
Passados mais de dois meses e meio da enchente, a água teima em reaparecer no apartamento do Milton Sardi. Morador do Humaitá, uma das regiões mais atingidas da zona Norte de Porto Alegre, ele tenta concluir a reforma para montar e instalar os móveis no lugar dos que foram destruídos pela inundação. O problema é a umidade, que sobe pelas paredes, causa mofo e torna a estragar o que foi refeito.
“Eu repintei as paredes e começou a levantar bolhas poucos dias depois. Queria instalar um piso laminado e rodapés, mas vou ter que esperar secar mais. Tenho marcos de portas para trocar, móveis para montar, mas ainda não dá”, lamentou.
Inúmeras moradias atingidas pela enchente histórica enfrentam as mesmas condições do prédio onde Milton reside. No bairro Sarandi, também na zona Norte da Capital, a família da pedagoga Deise Santos Rodrigues encaminhava a troca do telhado da casa. Contudo, após dois meses alagada, as paredes poderiam não suportar o peso da nova estrutura.
“Recebi a visita de uma arquiteta que avaliou as casas aqui do bairro de forma voluntária. Ela alertou que são telhas mais grossas e madeiras de outra espessura, o que aumenta muito o peso, e como as paredes estão encharcadas de água, poderiam não aguentar”, contou Deise, que vai esperar, por recomendação da profissional, até setembro para completar a reforma.
“Trocamos canos de água e fios de luz, só que o telhado, mesmo cheio de goteiras, vai ficar para depois”, afirmou.
Segundo o engenheiro civil Clayton Solivo Lopes, a umidade é um efeito natural nas construções que ficaram submersas. Ele lembra que a água acumulada no solo tende a subir para evaporar, e neste processo encontra o “caminho mais fácil”, neste caso, as paredes.
“O reboco das casas de alvenaria tende a estufar e soltar das paredes quando molhadas, e a falta de uma barreira de impermeabilização eficiente na etapa da construção potencializa estes danos. Para acelerar a secagem das casas que foram alagadas, o ideal é a remoção do reboco, e após as paredes secarem, a aplicação de produtos impermeabilizantes antes de refazer o revestimento e a pintura”, explica.
Água pode causar riscos estruturais
Segundo o engenheiro, a infiltração de água oferece riscos a estruturas que não são projetadas para este fim. Os problemas vão desde defeitos em redes elétricas a rachaduras e perda de eficiência estrutural dos imóveis, sejam eles construídos em madeira ou alvenaria.
“É importante lembrar que a água penetra na madeira, aumentando o peso, se isso ocorre em armação de telhados, pode envergar, quebrar ou sobrecarregar as paredes. Empenamento, trincas e apodrecimento podem ser efeitos posteriores. Já materiais como tijolo e concreto podem sofrer rachaduras ou mesmo fraturas, enquanto a cerâmica tende a soltar de pisos e paredes por efeito da dilatação; e é preciso levar em conta a possibilidade de os alicerces serem afetados pelo deslocamento do solo encharcado”, enumera Lopes.
Perigos para a saúde
Seja casa ou apartamento, no Sarandi ou no Humaitá, os moradores relatam outras consequências da umidade pós-enchente. “Sinto mais frio dentro de casa do que fora dela”, conta Milton Sardi. “Tem um cheiro bem forte (no interior do imóvel), as roupas emboloram no roupeiro e as panelas mofam no armário da cozinha”, relata Deise Rodrigues.
A professora do curso de Medicina da Universidade Feevale, médica infectologista Adriana Neis Stamm, alerta sobre as consequências à saúde da permanência em ambientes úmidos. O mofo, por exemplo, representa perigo iminente para pessoas que sofrem com doenças respiratórias, como asma, bronquite e rinite.
Conforme a especialista, áreas com bolor produzem alérgenos (substâncias que podem causar reações alérgicas) e, às vezes, substâncias tóxicas. Inalar ou tocar os esporos de bolor pode causar espirros, corrimento nasal, vermelhidão nos olhos, erupções cutâneas e ataques de asma.
“As residências e objetos que ficaram por extenso período embaixo d’água estão sujeitos à propagação de mofos ou bolores (causados por fungos), que podem ocasionar outros danos à saúde como reações alérgicas e até mesmo doenças crônicas do trato respiratório, entre as mais graves, asma e pneumonia. Para evitar, recomendo manter em dia a vacinação de crianças e adultos”, diz a médica infectologista.
A profissional ressalta ainda a necessidade de atenção no manuseio de objetos que tiveram contato com a enchente como roupas e utensílios domésticos. “A limpeza e desinfecção dos ambientes, utensílios, móveis e outros objetos são imprescindíveis. Materiais como inox e vidro podem ser limpos com água sanitária, para os demais, a recomendação é o descarte; usando luvas, botas de borrachas ou outro tipo de proteção para as pernas e braços (como sacos plásticos duplos), encaminhe tudo para a coleta pública”, finaliza Adriana.
Para auxiliar a população, o governo do Estado preparou um guia sobre para riscos e cuidados pessoais após as enchentes. O material, disponibilizado na página da Secretaria da Saúde, reúne informações sobre cuidados que devem ser considerados no processo de limpeza dos imóveis para evitar cortes e acidentes durante a retirada de móveis e objetos pessoais e no processo de reforma. Panos e vassouras utilizados na higienização e desinfecção dos locais e dos objetos, por exemplo, devem ser descartados após o uso, devido ao risco de contaminação.
- Caixas d’água
Importante verificar a presença de rachaduras, que podem comprometer a estrutura. Antes de iniciar a limpeza é necessário fechar o registro e esvaziar a água da caixa. As paredes e o fundo do recipiente devem ser esfregados com escova macia ou esponja e água limpa, não devendo ser utilizado sabão ou detergente. Após, recomenda-se encher a caixa e acrescentar 1 litro de água sanitária para cada 1.000 litros de água, e deixar a solução agir por duas horas e esvaziar novamente, para garantir a desinfecção.
- Mobílias e estofados
Móveis e estofados que estiverem com a estrutura comprometida devem ser descartados. Para remover a sujeira das superfícies deve ser utilizado sabão neutro com água morna e para desinfetar as mobílias devem ser utilizados produtos desinfetantes que sejam recomendados de acordo com o tipo de material. Após a limpeza os móveis devem secar em ambiente ventilado, preferencialmente com exposição ao sol.
Nos estofados é possível utilizar aspirador de pó para remover a sujeira seca e água morna com sabão neutro para limpar. Para desinfecção, é preferível o uso de desinfetantes específicos para tecidos e estofados em vez de água sanitária (que pode manchar). Assim como as mobílias, devem secar completamente em local arejado. Em caso de odor persistente após a limpeza o descarte deverá ser considerado.
- Elétricos
A instalação elétrica deve ser analisada por um eletricista antes de religar os disjuntores. Rompimento de fios elétricos são perigosos e devem ser informados para a concessionária de energia, e a recomendação é para ficar distante dos cabos. Em locais que ficaram alagados não devem ser plugados na tomada carregadores de celular se ainda houver umidade no local. Aparelhos elétricos nunca devem ser manuseados se a pessoa estiver com as mãos ou os pés úmidos.
- Toalhas e roupas
Itens de vestuário e roupas de cama, assim como toalhas, devem ser separados dos demais. O ideal é que fiquem de molho na água quente com sabão por pelo menos 30 minutos e que, na sequência, sejam lavados na máquina de lavar também com água quente. Após, as roupas e toalhas devem ser estendidas para secar à luz do sol. Se houver manchas de mofo persistentes, deve-se considerar o descarte para evitar o crescimento de fungos e bactérias que possam causar problemas de saúde. Peças que não possam ser higienizadas devem ser descartadas.
O guia traz ainda outras orientações sobre prevenção de doenças, consumo de alimentos e de água, consumo e destino de remédios. Acesse o material completo aqui.
Correio do Povo
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