segunda-feira, 8 de julho de 2024

As escolas do campo não são mais as mesmas

 Conforme balanço da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc/RS), os eventos climáticos extremos de maio e junho deste ano danificaram as estruturas de 84 escolas do campo. Se contabilizadas as instituições atingidas indiretamente — por bloqueio de vias, por exemplo —, o número sobe para 208. Juntas, elas atendem 29.991 estudantes.


Em apenas quatro minutos, a Escola Técnica Estadual Cruzeiro do Sul, na zona rural de São Luiz Gonzaga, viu parte de sua estrutura ruir. Os estrondos vindos do céu foram um susto para os três alunos presentes no alojamento da instituição na noite do último dia 15 de junho, quando o município foi atingido por uma microexplosão atmosférica — fenômeno que despeja sobre a terra, em poucos instantes, muita chuva acumulada, junto a trovões e granizo. “Foi tudo muito ligeiro. Começou a chuva e logo começaram a cair as árvores e as telhas”, relata Rhaniel Rutsatz, estudante secundarista que presenciou, da cozinha da escola, a passagem da tempestade.



A instituição, que integra a rede estadual de educação, oferta Ensino Médio e Técnico a 300 estudantes de São Luiz Gonzaga e outros dez municípios vizinhos. Segundo o diretor, Ayrton Avila, a microexplosão levou abaixo os telhados de dois prédios: o que abriga as salas de aula e o que acomoda os 55 estudantes que vivem na escola. Com janelas estilhaçadas e vários espaços danificados — entre aviários, estufas e galpões de vacas e ovelhas —, a Cruzeiro do Sul contou com a ajuda da comunidade para se reerguer. Logo no dia seguinte à chuva, pais, alunos e funcionários foram ao colégio conferir os estragos e, juntos, arrecadaram os recursos necessários para a reconstrução. A força-tarefa fez com que, em 16 dias, todas as turmas pudessem retornar às atividades. Mas nem tudo está nos conformes: falta instalar um forro nos telhados, limpar o espaço externo, restaurar parte da rede elétrica e repintar as paredes. Para esses e outros reparos, a escola aguarda repasse de verbas do governo estadual. O diretor, Ayrton Avila, afirma que não há previsão para tal. De todo modo, ele conclui, a escola “nunca mais será a mesma”. As novas mudas de plantas são símbolo disso: suprem a demanda por verde, mas não substituem as antigas árvores, derrubadas pela raiz com a força da tempestade. Se ainda estivessem de pé, elas completariam, junto a escola, 65 anos de idade.

Água tomou conta

A diretora do Colégio Estadual Cerro Branco, Fabiane Machado, nunca imaginou adentrar a escola por rombos feitos no muro da quadra de esportes. O pai de uma aluna, no comando de um trator, foi quem abriu caminho para que ela chegasse às salas de aula, sob o cheiro putrefato do lodo. “A nossa escola foi totalmente alagada. Entrou água até um metro e meio, mais ou menos, o que dá no meu ombro, digamos assim. A água entrou com muita força, muita velocidade, arrancou portas, arrancou piso, tudo”, relata Fabiane. Graças a uma série de mutirões de limpeza, que mobilizaram a comunidade de Cerro Branco e de municípios vizinhos em prol da escola, as aulas puderam retornar, em 5 de junho. “No início faltou bastante aluno, porque as estradas sumiram, né? O rio trocou tudo de lugar”, diz a diretora, mencionando os estragos na ponte que liga Cerro Branco a Candelária.

Para a retomada das atividades, a escola contou com recursos de doações, arrecadações do Círculo de Pais e Mestres (CPM) e fundos da prefeitura, além de itens emprestados de outras instituições de ensino. “De repasse do governo a gente achou que vinha mais, porque nós fomos muito prejudicados. A gente ainda está aguardando, espero que venha mais alguma coisa”, diz Fabiane. Questionada sobre a previsão de repasses adicionais para as escolas do campo, a Seduc/RS não respondeu.

A incerteza do orçamento é justamente o que preocupa Fritz Roloff, presidente da Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola (Agptea). Além de julgar morosa a ação do poder público, ele considera que as escolas deveriam ter mais autonomia para gerir as próprias despesas. Na emergência, “quando se coloca o carro na frente dos bois e depois se grita”, são as necessidades de primeira ordem que são atendidas, com o auxílio e os recursos que há: mobília para as salas de aula e alimentos para o refeitório, por exemplo. Mas a carência acaba por permanecer em relação a uma custosa série de equipamentos e maquinários do campo. “Vira uma educação do quebra galho”, conclui Fritz.


Um dos maiores prejuízos, em termos financeiros, talvez tenha sido o do Colégio Agrícola Estadual Daniel de Oliveira Paiva, conhecido como Cadop. A escola, localizada em Cachoeirinha, permaneceu parcialmente submersa por 19 dias. O diretor, Fábio Bialoglowka, calcula que apenas seis dos 43 hectares da instituição não sentiram os estragos da cheia, que chegou com ímpeto ainda em 3 de maio. Na manhã daquele dia, ele e os demais funcionários que residem nos alojamentos do colégio despertaram com a chegada da enchente. Foi justo o momento de adentrar um trator agrícola e partir, sob volta incerta, para longe dali. Enquanto isso, a água não deu trégua: “continuou tomando conta”, relembra Fábio.

Foi com a ajuda de voluntários que o Cadop conseguiu reabrir as portas aos estudantes passados 47 dias da inundação. “Isso foi muito importante, porque nós temos uma boa quantidade de alunos atingidos que precisam da escola por uma questão de segurança, cuidado e atenção”, afirma o diretor. Agora o momento é de elaboração de novo levantamento de danos para envio à Superintendência de Educação Profissional, que estuda a liberação de um repasse adicional à instituição. O prejuízo, a equipe da escola estima, chega a R$ 220 mil, entre maquinários agrícolas e zootécnicos, alimentos, eletrodomésticos e ferramentas.


Dilúvio final

Ainda no final de abril, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Maria Luiza da Rocha Pires, em General Câmara, foi completamente inundada pela chuva. O prejuízo foi tamanho que, depois de uma vistoria, o governo estadual resolveu interditar o prédio da instituição. Ao cabo, a decisão foi definitiva: após 71 anos de ensino, a escola fechou suas portas sobre 15 centímetros de lodo. “Foi um baque”, sentencia a diretora, Marcia Lizardi. Junto a oito colegas — seis professores e dois funcionários —, a profissional será realocada para outras instituições de ensino da região. Os estudantes também serão transferidos. A maioria passará a frequentar a Anita Moreira, outra instituição estadual de Ensino Fundamental, localizada a cerca de seis quilômetros da escola original. José Antônio Vieira, pai de Erika, aluna do 7º ano, define a enchente como um “dilúvio” que arrasou o lugar em que, há 30 anos, ele próprio pisava como estudante. É atravessando a ERS-130, estrada de terra que liga General Câmara ao distrito de Mariante, onde agora “só passa trator”, que ele conclui, sucinto: “era um lugar bom” — era.

Correio do Povo

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