quarta-feira, 26 de junho de 2024

Projeto propõe construção de moradias no entorno do Túnel da Conceição para desabrigados de Porto Alegre

 Especialistas contestam necessidade da obra, visto a quantidade de imóveis já construídos e desocupados no Centro da cidade

Em nota enviada à imprensa, o vereador cita a que a contrução implicaria alterações no Plano Diretor do município 

Um projeto de construção de apartamentos para atingidos pela enchente em Porto Alegre foi protocolado na Câmara, no último sábado, dia 22. A indicação, de número IND 047/24 e autoria do vereador de Porto Alegre Tiago Albrecht (Novo), sugere ao Executivo municipal a construção de habitações de interesse social nas áreas verdes próximas ao Túnel da Conceição. Na enchente que atingiu a Cidade em Maio de 2024, o local indicado não foi diretamente afetado pelas águas.

Em nota enviada à imprensa, o vereador cita a necessidade de alterações no Plano Diretor do município, documento que delimita os parâmetros e aspectos das construções urbanas, para viabilizar a construção. Segundo a proposta, o objetivo da construção seria transformar a área hoje “subutilizada”, para que sirva como moradia para os cidadãos desabrigados. O projeto assinado pelo arquiteto e urbanista, e professor aposentado da UFRGS, Eduardo Galvão, teria potencial para servir de moradia para até 1,5 mil pessoas.

 Visão que se teria dos prédios desde a Avenida Oswaldo Aranha | Foto: Divulgação / CP

O projeto prevê duas alas, Leste e Oeste, e dois tipos de unidades: apartamentos de 2 dormitórios, cada um com 19M², ou studios de 39,52m² cada. A ala leste deveria ter 24 apartamentos ou 48 studios. Já a ala Oeste, pode ter 13 apartamentos ou 26 studios.

 Planta dos apartamentos | Foto: Divulgação / CP

“Diante do cenário que Porto Alegre vive, é crucial que o Poder Público municipal tome providências para prover melhores oportunidades de habitação, para que o cidadão atingido não permaneça em situação de risco, na localidade onde residia anteriormente. Uma das soluções, ainda que parcial, é o aproveitamento de áreas subutilizadas para construção de moradias”, defende Albrecht.

Como justificativas da medida estão a localização em região central, o que permitiria fácil acesso a serviços públicos e proximidade aos principais meios de transporte. Além disso, é citado um maior contato com oportunidades de trabalho e emprego.

Qual a viabilidade da construção?

Contudo, a Mestre em Planejamento Urbano e Regional e membro do Conselho Diretor do Instituto dos Arquitetos do Brasil no RS, Francieli Schallenberger, aponta que, mesmo que o reassentamento das pessoas atingidas seja uma demanda importante e emergencial, ela precisa ser “pensada de uma forma global e multidisciplinar”. Segundo Francieli, a execução de tal empreendimento movimentaria muito mais que só a construção das estruturas em si. “Falo de todos os aspectos como infraestrutura urbana básica e mobilidade, porque a proposta visa colocar 1,5 mil pessoas ali”.

Além disso, Francieli ressalta que a estrutura implicaria na derrubada de áreas verdes da cidade, o que seria maléfico para aspectos como a temperatura da cidade, atuando ainda mais em favor das mudanças climáticas que causaram as enchentes. Construções sobre este tipo de área também tendem a causar problemas para a biodiversidade e alterações dos ciclos hidrológicos, inclusive subterrâneos. “Então, não tem algum uso prático ou funcional para a população, não tem uma pracinha ali, por exemplo, tem esse outro fim que é a questão ambiental”, explica.

As mudanças ao Plano Diretor que foram indicadas e que seriam levadas a frentes, precisam ser aprovadas pelo Legislativo do Município. “Existe toda uma análise de planejamento urbano e de impacto ambiental e, como a gente fala de alteração do Plano Diretor, isso vai abrir brechas para propostas oportunistas para construir em outras áreas verdes”, acrescenta Francieli.

Já o professor de Arquitetura e Urbanismo da Ufrgs e doutor (UFRJ/IRIS) em Planejamento Urbano e Regional, Eber Pires Marzulo, destaca que o projeto tem características desde sua concepção que o fazem inapropriado para abrigar as famílias da maioria dos afetados pela enchente. “O desenho da unidade não é voltado para a classe popular. Em geral, essas famílias têm uma uma relação muito mais de apoio familiar, de estrutura de grande família. [...] Em termos mais contemporâneos, poderíamos chamar de uma família extensa, em que moram avós, netos, enfim. [...] Então, não é um programa razoável.”, explica.

Albrecht responde que as críticas são “bastante genéricas, especialmente ao creditar a catástrofe totalmente às mudanças climáticas”. Ele também questiona o tipo de vegetação da área. "A maior parte das árvores do local são ficus, espécie de folhas não caducas inadequadas para nosso inverno, além de terem raizes destrutivas para o pavimento. Estas seriam substituídas por espécies mais adequadas, como ipês e jacarandás por exemplo".

Ocupação de prédios já construídos

Tanto Francieli quanto Eber concordam com a ideia de que é pertinente pensar sobre formas de abrigar os atingidos pela enchente, mas também que existe uma outra maneira mais rápida e simples de advogar por essa causa: reformar prédios que estão sem uso no centro da Capital.

“A questão central, para mim, é que se trata de uma área que tem muita disponibilidade, muito estoque de edifícios públicos vazios sim e que podem ser reformados”, resume Eber. Segundo ele, existem levantamentos que indicam que cerca de 20% dos prédios do centro de Porto Alegre estão desabitados. “Então assim, vamos resolver este problema de desocupação, inclusive dos prédios particulares, e depois vamos ver se seguimos com algum déficit habitacional, o que eu acho que não [seguiremos]”, argumenta Eber. “Edifício público desocupado quando tem gente sem ter uma de morar é um absurdo. É um absurdo. É um contrassenso”, afirmou.

“Tem sido discutido sobre reassentamento de famílias em prédios que estão desocupados no centro. Que eventualmente uma reforma, um retrofit, que a gente chama talvez seria suficiente para conseguir abrigar as famílias. Geraria muito menos Impacto, de infraestrutura ou mesmo Ambiental”, resume Francieli

Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário