Região se transformou em uma montanha de entulhos e lama vindas do rio Taquari
Ao menos um bairro inteiro de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, onde outrora havia 650 residências, não existe mais, transformado em uma montanha de entulhos e lama vinda do rio Taquari. O curso d´água, que um dia trouxe prosperidade a esta região, há um mês foi o emissário da dor e da destruição. Cruzeiro do Sul, com cerca de 13 mil habitantes, tem 12 mortos e seis desaparecidos, conforme o boletim da Defesa Civil Estadual da última quarta-feira, mas a Prefeitura acredita que o número é maior. Não apenas o bairro de Passo de Estrela, este levado pelas águas, foi atingido, mas as marcas da tragédia são visíveis em todo o município.
"Está sendo cada vez mais complicado lidar com isto. 80% da área urbana do município foi diretamente afetada, e no interior também foi um percentual grande", afirma o coordenador da Defesa Civil Municipal, Samuel Beuren. A maior enchente da história de Cruzeiro do Sul elevou o nível do Taquari a 33 metros, arrasando comunidades inteiras. "Lugares onde a enchente nunca havia chegado agora foram atingidas. Esta inundação de agora foi bem mais prejudicial do que todas as outras. As pessoas que já estavam acostumadas a sofrer com a água sofreram novamente, mas agora as comunidades mais altas também foram bastante prejudicadas", relata.
Poucos moradores foram autorizados a retornar para suas casas, a fim de começar a limpeza, e quem ainda não pode sair de um dos três abrigos segue sentindo a angústia de não poder ter novamente um lar. Ana Paula Dahm Belini era autônoma antes da enchente, e agora está desempregada. A então moradora do Passo de Estrela foi uma das que perdeu sua casa. Ela está morando com as duas filhas, de 16 e 4 anos, mais o esposo, em Lajeado. Nesta quinta, Ana e a filha menor estavam no salão da Comunidade Católica do município, convertido em local de recebimento e triagem de roupas para doação.
Mas nem todas eram para ela. Parte era para amigos que também perderam tudo, em Cruzeiro do Sul e Canoas. "A gente tinha esperança de a água vir, descer e voltarmos para limpar. Só que foi muito além do que pensamos. No fim, não pensávamos que a água faria o que fez. É uma paulada da vida", disse ela, que relatou ter perdido ao menos um casal de vizinhos, mortos na enchente. "Mas Deus tem algo melhor para a gente. Não podemos abaixar a cabeça. Temos sempre que pensar que temos estrutura para nossos filhos. E se permitir ficar triste, mas não chorar. Meu esposo estava quase entrando em depressão, mas disse para ele: levanta a cabeça, tu precisa pensar na tua filha. Um dia após o outro e Deus em todos eles", relatou Ana Paula, enquanto selecionava roupas.
O local conta com milhares de peças de roupas e artigos de cama, mesa e banho, e chamou a atenção uma doação trazida pelo Exército nesta quinta de dezenhas de edredons do clube Athlético Paranaense. No abrigo montado no ginásio da mesma Comunidade Católica, a dona de casa Mariana Rufino contou que tem um filho especial, de 26 anos, porém que toma medicações. Moradora do bairro Vila Zwirtes, em uma casa à beira ao rio, Mariana contou que ambos, mais o marido dela, saíram da residência no dia 5 de maio, quando a água subiu, apenas com a roupa do corpo. "Em 40 anos que moro ali, pegamos duas enchentes, e esta foi a terceira. Foi a maior de todas. Colocamos tudo no andar de cima, onde eu moro, mas não sobrou nada. O rio levou mais da metade do nosso terreno", afirmou ela.
A família foi resgatada com a ajuda do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina. "Saímos e deixamos tudo para trás, inclusive duas pinschers", relatou. No entanto, a história teve um final feliz. Quando retornaram, dias depois, o colchão onde ambos os cachorrinhos estavam boiava na água, e elas foram salvas. O secretário de Obras e Infraestrutura de Cruzeiro do Sul, Paulo Nascimento, diz que, nos últimos nove meses, o município passou por quatro grandes cheias. Atualmente, segundo ele, há 480 pessoas nos abrigos.
"Destes, 90% não tem para onde retornar porque as casas foram levadas pelas águas. Hoje, minha preocupação é que as ajudas estão chegando, mas isto não é duradouro. O que me preocupa é depois que tudo isto acabar. Ainda vamos ter este pessoal alojado, ainda sem lugares definidos para ir, então todos os dias são uma superação. É muita tristeza", relatou Nascimento, que ainda fez um apelo. "O governo federal precisa olhar para estes municípios atingidos de uma forma especial, e que venha ajudar nosso povo".
Correio do Povo
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