domingo, 23 de junho de 2024

Chuvas no RS: um rombo de R$ 25,5 bilhões ao agro gaúcho

 Valor é estimado em estudo de professores UFRGS que avalia os impactos da tragédia climática sobre o solo e os nutrientes fundamentais à fertilidade da terra

Lavouras de soja respondem por grande parte do prejuízo acumulado pelas enchentes no campo 

Um estudo produzido por professores da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estima em, pelo menos, R$ 25,5 bilhões as perdas sofridas pela agropecuária gaúcha em decorrência das chuvas, inundações e enchentes ocorridas ao longo do mês de maio deste ano em mais de 400 municípios do Estado.

O rombo financeiro é mais do que o dobro (118%) do orçamento público de Porto Alegre para 2024. Em outra comparação, o estrago chega a 28,5% do valor bruto da produção agropecuária gaúcha para o ciclo 2023/2024, calculado em R$ 89,5 bilhões por instituições como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), EmbrapaEmater/RS-Ascar e Instituto Rio Grandense do Arro (Irga). De acordo com os autores do estudo, o montante não considera as perdas em produtos como leite, aves, ovos, suínos, ovinos, madeiras, erva mate, além de outros voltados às áreas de zootecnia e de engenharia florestal.

Os R$ 25,5 bilhões resultam da soma de R$ 19,4 bilhões, correspondentes ao prejuízo com produtos agrícolas não colhidos, não pastejados ou com perda de qualidade, e de mais de R$ 6 bilhões relativos à devastação do solo e eliminação de nutrientes fundamentais à fertilidade.

A camada superficial, de até 20 centímetros de profundidade, de uma área de 106,8 mil hectares, teria sido levada pela enxurrada, indica o artigo “Maio vermelho: o impacto do evento climático extremo na agropecuária gaúcha”, concluído no início de junho.

Os autores, os professores Renato Levien, Michael Mazurana e Pedro Selbach, são vinculados ao Departamento de Solos da instituição de ensino e integram a Associação de Conservação de Solo e Água, entidade fundada há cerca de um ano, reunindo pesquisadores de instituições como Emater/RS-Ascar, Embrapa, universidades e produtores rurais.

Para o estudiosos, o mês da catástrofe climática é o “maio vermelho”, em referência ao “novembro vermelho” de 1978, quando a passagem do El Niño pelo Rio Grande do Sul resultou no que era, então, um “capítulo sem precedentes” em relação à perda de solo por erosão hídrica. Avaliação da época calculou em 33 milhões de dólares – R$ 178,5 milhões, considerando a cotação da moeda americana em R$ 5,41 – o custo do dano sofrido em todo o Rio Grande do Sul naquele mês de novembro.

O levantamento de Levien, Mazurana e Selbach aborda os efeitos das precipitações pluviométricas recordes em cada uma das sete mesorregiões gaúchas – Metropolitana, Nordeste, Noroeste, Sudoeste, Sudeste, Centro Ocidental e Centro Oriental.

“Em algumas mesorregiões, o volume precipitado foi quase a metade do volume esperado para o ano todo. Soma-se a isso o fato de que esses volumes ocorreram em um curto espaço de tempo, não tendo o solo qualquer condição de conseguir infiltrar e translocar toda essa água para seu interior, levando à sobra e ao escoamento superficial, potencializando a erosão hídrica dos solos cultivados ou não”, diz o texto.

As perdas de produtos foram maiores nas regiões Noroeste, com R$ 5 bilhões (26%), Metropolitana, R$ 3,3 bilhões (17%), e Sudeste, R$ 31, bilhões (16%). A cultura da soja, que tinha 25% da área plantada de 6,7 milhões de hectares a ser colhida, foi a mais atingida em todas as sete regiões. As perdas com a oleaginosa foram seguidas pelas das lavouras de arroz, cuja colheita havia atingido 84% no início do problema, e nas de milho, que estavam 15% por colher.

Até a tragédia climática, o Rio Grande do Sul vivia a expectativa de uma super safra de grãos, estimada pela Emater/RS-Ascar, em março deste ano, em 35 milhões de toneladas na safra 2023/2024. Vinte e dois milhões de toneladas eram esperados apenas na cultura da oleaginosa, que acabou fechando a colheita após o desastre ambiental em pouco mais de 19 milhões de toneladas, índice atingido graças à alta produtividade das lavouras (de cerca de 5 toneladas por hectares que conseguiram ser colhidas especialmente em municípios onde se concentra a maior produção.

Em relação ao solo, novamente Noroeste lidera o ranking do prejuízo, com 35,2% da área total atingida no Estado, à frente de Sudoeste (18,3%) e Centro Ocidental (14%).

Estudo de Levien, Selbach e Mazurana estratificou o nível da destruição por mesorregiões gaúchas Estudo de Levien, Selbach e Mazurana estratificou o nível da destruição por mesorregiões gaúchas | Foto: Arte de Leandro Maciel sobre foto de Michael Mazurana / CP

Como foi realizado o estudo

Os esforços que resultaram na produção artigo “Maio vermelho: o impacto do evento climático extremo na agropecuária gaúcha”, dos professores Renato Levien, Michael Mazurana e Pedro Selbach, do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da UFRGS, foram realizados com o objetivo de constituir uma base de dados sobre a extensão dos danos à agropecuária do Estado, provocados pelos fenômenos climáticos do mês passado.

A base de dados contempla as sete mesorregiões do Rio Grande do Sul, incluindo dados geopolíticos, volumes de precipitação pluviométrica, classes de solos predominantes, culturas agrícolas e suas respectivas áreas semeadas e colhidas, tipos de cobertura de solo predominante, estimativa de perda de solo e o valor dos produtos agropecuários e da terra.

“Especificamente se buscou estimar e dar um valor monetário à perda física dos produtos não colhidos ou colhidos com baixa qualidade e às perdas de solo e de nutrientes por erosão hídrica, para que esses valores pudessem ser comparados com a renda bruta prevista com a venda dos principais produtos produzidos em cada mesorregião”, diz o texto.

No cálculo da previsão das receitas foi considerada a produção de grãos de soja, milho, arroz, de folhas da cultura do fumo, produção de frutas e hortaliças e de ganho de peso vivo de bovinos de corte que se alimentam de forragens, seja de campos naturais, pastagens cultivadas, com ou sem complementação de silagem, especialmente de milho.

O primeiro passo foi levantar o número de hectares cultivados e a produtividade média de cada cultura nas diferentes mesorregiões. De posse da produção esperada, o volume foi multiplicado pelo respectivo valor atual de mercado, obtendo-se o valor bruto de renda estimado dos produtos.

Foi realizado um levantamento com técnicos de cooperativas, cerealistas, Emater/RS-Ascar e produtores rurais. A diferença foi considerada como sendo a perda física dos produtos. Calculou-se então, o percentual estimado de perda física dos produtos, seja por produtos não colhidos ou pastejados por motivo de inundação, arraste por enxurrada ou solo encharcado, bem como perda da sua qualidade e preço.

As quantidades de produtos perdidos e ou danificados severamente foram multiplicados pelo seu preço atual, resultando no valor de R$ 19,4 bilhões, equivalente a 22,8% do valor da produção bruta da agropecuária gaúcha, projetada para R$ 85 bilhões com os produtos considerados no estudo. Incluídos mais R$ 6 bilhões referentes a perda com solo e nutrientes.

Correio do Povo 

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