terça-feira, 14 de maio de 2024

Testemunha de duas cheias, idoso conta detalhes da enchente de 1941

 Enio Vitale Brusque de Abreu acompanhou o pai a bordo de embarcação há mais de oito décadas

Enio Vitale Brusque de Abreu presencia, aos 89 anos, a segunda grande enchente em Porto Alegre 

As brumas do tempo não embaçaram a memória do procurador estadual aposentado Enio Vitale Brusque de Abreu, de 89 anos, que observa Porto Alegre ser inundada pela segunda vez. Quando menino, ele navegou com o pai na enchente de 1941, ocasião em que o Guaíba atingiu 4m76cm.

Agora, após mais de oito décadas, o idoso testemunha a Capital ser alagada por águas que chegam a 5m35cm.

À época da primeira cheia, Enio tinha seis anos e morava com a família em uma casa, na rua Barros Cassal.

Os pedidos insistentes do menino fizeram com que ele recebesse permissão para acompanhar o serviço do pai, um funcionário da Companhia Energética Elétrica Riograndense, então filial da multinacional norte-americana Bond & Share.

Embarcação na avenida Farrapos

O decano lembra que, apesar da oposição da mãe, ele acompanhava o pai a bordo de uma embarcação ao longo da avenida Farrapos. A operação consistia em desativar fusíveis de postes de energia elétrica.

"Minha mãe era contra transportar uma criança no barco, porque ela achava perigoso. Ocorre que, de tanto eu insistir, meu pai acabou cedendo. Lembro que ele amarrava o barco em postes e utilizava um bastão, que tinha gancho na ponta, para desligar as chaves dos fusíveis", rememora o idoso.

Além do serviço na avenida Farrapos, as rotas de navegação também incluíam outras vias da Capital, como a rua Marechal Floriano Peixoto, no Centro Histórico. Foi ali que o veterano conta ter visto um navio a vapor atracado.

"Era uma embarcação de grande porte, com cerca de 20 metros, que transportava passageiros de Porto Alegre para São Jerônimo, pelo Rio Jacuí. Também havia barcos menores, que percorriam a região das Ilhas, atracados no entorno”, disse.

Aventura de menino

Naturalmente, aos seis anos de idade Enio não compreendia a magnitude do desastre climático. Ele se sentia parte de uma aventura mas, agora, beirando os 90 anos, ele reconhece que havia o senso comum de preocupação entre os moradores de Porto Alegre.

“Lembro que sentia a sensação de ser parte em uma grande aventura. Apesar disso, também me recordo da tensão no rosto das pessoas mais velhas. Hoje percebo que havia um clima de preocupação no ar.”

Outra memória que se destaca é a doação de brinquedos e roupas para vizinhos. Além disso, há registro de tios dele, que moravam em áreas alagadas e precisaram se mudar para casa de parentes.

"Naquele tempo não existia campanhas de doação massivas como ocorre hoje, através da internet. Os pedidos de mantimentos eram feitos no boca a boca. Lembro da ocasião em que doamos parte dos meus brinquedos para outros meninos da vizinhança. Havia um senso de união muito grande entre as pessoas”, relembrou.

Em 1941, não houve alta de crimes

O idoso se esforça para contar detalhes da enchente passada, mas não tem dúvidas ao apontar que a cheia deste ano é mais severa. Isso porque a Porto Alegre dos anos 1940 tinha pouco mais de 270 mil habitantes, além de vastas áreas rurais.

"A enchente que está acontecendo é pior do que a de 1941. Naquele tempo, muitas das áreas alagadas ainda eram campos e, por não haver tantos moradores, menos gente foi afetada.”

Por fim, o veterano destaca que a alta nos crimes é um problema contemporâneo. Ao contrária do que ocorre na cheia atual, imóveis vazios e pessoas desabrigadas não eram alvo de saques, arrombamentos e assaltos.

“É importante enfatizar que não tínhamos índices tão altos de criminalidade em 1941. Um exemplo é a onda de saques e arrombamentos que vemos nos bairros inundados. Esse tipo de coisa não nos preocupava naquele tempo”, ponderou Enio Vitale Brusque de Abreu.

Correio do Povo

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