De bike, capa de chuva e lanterna na cabeça, Avelino Maicá Neto mapeou os pontos de alagamentos durante a enchente
De bike, capa de chuva e lanterna na cabeça, Avelino Maicá Neto mapeou os pontos de alagamentos durante a enchenteNa quarta-feira, 15, Avelino Maicá Neto publicou o Ronda das Águas edição “A Última” em seu perfil da rede social X. Às 17h vestiu sua capa de chuva amarela e pegou a bicicleta emprestada por uma vizinha para flanar pelas principais ruas da Cidade Baixa e Santana, bairros vizinhos e próximos do pico da enchente em Porto Alegre.
Três horas e 14 minutos depois, a publicação diária foi diferente: um mapa com poucos rabiscos em azul, que sinaliza os pontos de alagamentos – já bem mais reduzidos se comparados aos dias anteriores –, uma foto sua da forma que acabei de descrever nestas linhas, e uma despedida. “As águas nos bairros Santana e Cidade Baixa não representam mais perigo. Fico satisfeito de ter ajudado de alguma forma, levando alerta ou um pouco de tranquilidade.”
🚴🏽 Ronda das Águas | A Última
— Avelino Maicá🧉 (@maicaneto) May 15, 2024
🗓️ Porto Alegre | 15/05 | 17h | Guaíba 5,15m
As águas nos bairros Santana e Cidade Baixa não representam mais perigo. Fico satisfeito de ter ajudado de alguma forma, levando alerta ou um pouco de tranquilidade. pic.twitter.com/D1yjNRxf4B
Apesar da situação bem mais amena na região, o último boletim não deixou de descrever de forma minuciosa, em lista, a situação das vias. “Leve acúmulo de água na Azenha esquina Ipiranga”, “Érico alagada em alguns pontos, secando aos poucos”, “Lima seca”, e assim em mais de 30 itens publicados na thread do mapa.
A primeira Ronda das Águas foi publicada pelo redator publicitário no dia 6 de maio, às 18h, com atualização às 21h, já que o avanço do Guaíba pela Cidade Baixa ocorria de forma rápida e dinâmica, por vários lados. “Nos três primeiros dias, eu ia a pé até o arroio Dilúvio umas cinco vezes por dia, e ia atualizando num grupo pequeno do WhatsApp. Teve um dia que eu fui às 3h da manhã”, conta Avelino ao Correio do Povo. O grupo era pequeno, para informar menos de 10 moradores da mesma rua, no bairro Santana.
As primeiras vigilâncias eram curtas, três pontos. “Fazia Dilúvio, Luiz Manoel e Laurindo”, vias por onde a água ameaçava chegar naquele momento. “Fiz um mapa e sinalizei onde tinha o alagamento e mandei para os vizinhos. No segundo dia eu publiquei no Twitter (@maicaneto). Daí eu vi que era útil para mais gente.” A ronda foi tomando mais proporção à medida que ganhava audiência no Twitter, com pedidos de ruas específicas, e com novos pontos comprometidos pela enchente.
Para atender uma área maior, o método de trabalho teve que ser aprimorado por Avelino. O ápice dos alagamentos demandou três boletins diários: 8h, 13h e 17h. Usava a Bike Poa para se deslocar e, posteriormente, com a suspensão do serviço privado, conseguiu uma bicicleta emprestada com uma vizinha. Também adquiriu uma lanterna de cabeça para driblar a falta de luz na cidade à noite. Na rua os boletins eram gravados em áudios que enviava para si mesmo pelo WhatsApp. Em casa, sentava em frente ao computador, ouvia os áudios e escrevia o texto. Um trabalho bem jornalístico, reconhece.
“Quando eu vi era o meu trabalho voluntário”, conta orgulhoso o redator. Apesar do susto, que o fez manter vigilância todos estes dias, a casa dele não foi afetada pela enchente.
Sentimento de pertencimento
O projeto Ronda das Águas mudou a relação de pertencimento de Avelino com a cidade. “Lá de onde eu venho, da vila, todos os vizinhos se conhecem por nome, pela história ou por parentesco. Eu tinha relação com vizinhos até meus 30 anos”, disse se referindo ao longo período que morou na Vila Ipê, na zona Leste da Capital.
A relação foi se perdendo ao passo que trocou a casa pelo prédio e se aproximou do centro da cidade. “Aqui na Santana a gente só tem amizade com os vizinhos da frente por acaso. Mas não nos damos com ninguém, não tem essa vivência de cidade de interior e vila”, completa.
Nas últimas semanas isso tem mudado. Os grupos de WhatsApp do bairro, que são ao menos três, aproximou os moradores que hoje já conseguem interagir com assuntos diversos para além do medo da água. Por conta do Twitter, Adelino também já é reconhecido na rua. “Uma pessoa que passou ontem por mim na rua disse ‘tu é o Avelino?’.” Inclusive, lembra o redator, o primeiro encontro presencial será um churrasco já marcado na praça do bairro para quando o clima da cidade permitir.
Correio do Povo
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