Enchente começou a crescer em proporção a partir de 30 de abril
Enchentes de grandes proporções atingiu o Rio Grande do SulA tragédia climática que assola o RS completa 30 dias. Neste tempo, chuvas que começaram esparsas em um final de semana nos últimos dias de abril acabaram por se transformar na destruição de cidades inteiras. A Capital, Porto Alegre, viu suas ruas inundadas duas vezes.
Os problemas se acumulam, e os governos anunciam medidas em sequência. Mas, em meio ao medo e a dor, a preocupação com a preservação do meio ambiente ainda não tomou o centro dos debates, as soluções estão por vir, e a reconstrução se mostra um trabalho de longo prazo. O Correio do Povo mapeou os principais acontecimentos destes primeiros 30 dias da catástrofe.
Linha do Tempo
27 de abril – sábado
Começa a chover forte em diversas regiões do Estado. Inicialmente, os temporais atingem com mais força, de novo, cidades do Vale do Rio Pardo, como Santa Cruz do Sul, onde é registrada queda de granizo, Vera Cruz e Candelária. Em municípios da Fronteira Oeste, como Quaraí, são registrados também altos volumes de precipitações. A Defesa Civil da Capital, Porto Alegre, emite alerta preventivo para chuvas intensas.
28 de abril – domingo
Chuvas e ventos fortes continuam a atingir o Estado. Entre as cidades mais afetadas estão Lajeado, Estrela, Muçum e Roca Sales, no Vale do Taquari. Na região, parte dos municípios já tinha sido devastada pelas águas em setembro e em novembro. São registrados altos volumes de chuvas também em diferentes cidades da região Metropolitana e no Vale dos Sinos.
O mesmo ocorre em parte do Sul, na área de Jaguarão e Arroio Grande. O número de casas alagadas ou submersas, construções com risco de desabamento, ruas inundadas, avarias na rede elétrica e de abastecimento de água, se multiplica.
29 de abril – segunda-feira
A chuva não dá trégua e os estragos se ampliam para quase todo o Estado. As precipitações castigam com força as regiões dos Campos de Cima da Serra e da Serra. Em Gramado e Canela, há alagamento nas ruas principais. Em Caxias do Sul e Carlos Barbosa, arroios começam a ultrapassar seus leitos.
Em rodovias importantes da região, como as BRs 116 e 470, a água inunda trechos e os riscos de deslizamentos obrigam interdições. São registradas avarias em construções de maior porte, como hospitais e escolas. No Vale do Rio Pardo, os transtornos aumentam. Em Porto Alegre, o mau tempo faz com que o céu escureça várias horas antes do habitual.
30 de abril – terça-feira
A partir deste dia, a situação se agrava rapidamente. O Estado contabiliza seus primeiros mortos, feridos e desaparecidos. Na região Central, a UFSM suspende aulas e atividades em Santa Maria e em Cachoeira do Sul. O mesmo ocorre com o hospital universitário. A área rural de Candelária fica isolada. Rodovias estaduais e federais apresentam bloqueios totais e parciais. Começam a ocorrer interrupções em serviços de energia elétrica, telefonia e internet, e desabastecimento de água.
1º de maio – quarta-feira
Os eventos extremos alcançam a condição de tragédia. O RS conta 10 mortos, 21 desaparecidos e 4.500 desalojados. No Vale do Taquari, cidades ficam parcial ou totalmente isoladas. O governo decreta calamidade pública em todo o território gaúcho e suspende aulas na rede estadual. O governador pede que a população de 48 cidades que vive perto de rios, morros, encostas e outras áreas de risco, deixe suas casas.
Na RS 122, em São Vendelino, um deslizamento atinge quatro veículos. Em Caxias do Sul, segunda maior cidade do Estado, a única ligação por terra com a Capital que ainda não estava interditada, a RS 453, precisa ser fechada após o rompimento de uma adutora, que formou uma grande onda, invadindo a rodovia. Na serra do rio das Antas, 200 pessoas são resgatadas após uma queda de barreira, entre Bento Gonçalves e Veranópolis. Alagamentos tomam conta de Guaporé, na Serra.
Deslizamentos, soterramento de casas, inundações e evacuações de áreas se multiplicam em grandes cidades do Vale do Taquari e do Vale do Rio Pardo, onde a água cobre bairros inteiros. As águas sobem também na Fronteira Oeste e os pontos de bloqueios em rodovias passam dos 100. Centenas de milhares de consumidores enfrentam falta de energia elétrica ou de água, ou ambos. O número de apelos por resgates cresce sem parar.
2 de maio – quinta-feira
O RS contabiliza 29 mortos, 60 desaparecidos e 15 mil fora de casa depois de, em menos de uma semana, um terço da chuva esperada para todo o ano cair sobre o Estado. Em Santa Maria, mãe e filha morrem soterradas. Em Lajeado, moradores passam a se locomover de barco após o rio Taquari deixar a cidade submersa. A histórica ponte de ferro entre a maior cidade do Vale do Taquari e a vizinha Arroio do Meio é levada pelas águas.
O rompimento parcial da barragem 14 de Julho, no Rio das Antas, entre as cidades de Bento Gonçalves e Cotiporã, na Serra, gera pânico na população. As cenas de pessoas ilhadas em telhados aguardando por socorro se multiplicam, mas a intensidade das chuvas dificulta os resgates. As águas passam a atingir com força Eldorado do Sul, vizinha de Porto Alegre. Na Capital, a água invade a região das Ilhas. A prefeitura determina o fechamento das comportas do Guaíba, que alcança os 3,29 metros à noite, ultrapassando a cota de inundação. Os trechos 1 e 3 da orla e a faixa de areia da praia de Ipanema, na zona Sul, são tomados pelas águas.
A Defesa Civil emite alerta de inundação para moradores da parte baixa do Centro Histórico e do 4º Distrito. O Trensurb suspende a operação entre parte das estações, devido a alagamentos nos trilhos. A água segue subindo no Paranhana e no Vale do Caí. Deixa milhares ilhados em Maquiné, na entrada para o Litoral. O desabastecimento de água, alimentos, combustíveis e gás se intensifica pelo RS. Deslizamentos ocorrem em toda a Serra. Em Caxias do Sul, são feitas evacuações devido ao risco de rompimento de uma barragem. O problema é contido após ser acionado mecanismo de escoamento.
3 de maio – sexta-feira
Porto Alegre se transforma no epicentro da tragédia climática que assola o RS. As águas do Guaíba começam a invadir o Centro da cidade ainda na madrugada. Elas alagam prédios históricos e algumas das principais avenidas. Avançam sobre o Mercado Público, a Casa de Cultura, os arredores da prefeitura e a Estação Rodoviária, que paralisa suas operações. Moradores, trabalhadores e comerciantes do entorno das avenidas Júlio de Castilhos, Siqueira Campos e Sete de Setembro, e da Rua dos Andradas, assistem, incrédulos, a correnteza das águas, e são orientados a deixar o Centro. Uma casa de bombas próxima a comporta 3 transborda, aumentando a inundação. Horas depois, o portão 14, na zona Norte, se rompe parcialmente, alargando o caminho para as águas, que seguem pela Voluntários da Pátria e pela Sertório. Uma procissão de retirantes a pé ou em carros tenta deixar as regiões. À noite, o Guaíba alcança 4,77 metros. Já é a maior enchente da história da Capital. A emergência climática do RS passa a dominar o noticiário de todo o país.
4 de maio – sábado
Em Porto Alegre, a água está por toda a parte nas regiões que dão acesso ao Guaíba. Na Praça da Alfândega. No entorno da Arena do Grêmio. E no do estádio Beira Rio. Invade o CT do Parque Gigante. O hospital Mãe de Deus começa a transferir pacientes em função do alagamento na avenida José de Alencar. O Guaíba alcança os 5,19 metros. Parte do asfalto da avenida Castelo Branco, um dos principais acessos da Capital, cede. A força da água leva parte do asfalto, deixando um enorme buraco na pista. A via é interrompida no sentido interior-capital, com bloqueio próximo da BR 290, a Freeway. A pista contrária fica liberada apenas para acesso de autoridades. Nas cidades vizinhas, o rio dos Sinos ultrapassa as marcas registradas nas enchentes de 1941 e 1965. Eldorado do Sul submerge totalmente: 90% da cidade fica embaixo da água. O mesmo acontece com 60% da área de Canoas, terceira maior cidade do Estado, atingida pelo Sinos e pelo Jacuí. No cenário de destruição, o som que se sobressai é o de sirenes e helicópteros. As aeronaves e embarcações agora são o meio de transporte e a esperança dos que aguardam por resgate nas cidades da região Metropolitana.
Na BR 290, em Eldorado do Sul, parte do asfalto é levada pela chuva. Em Porto Alegre, há comprometimento de serviços de educação e saúde, e um trecho da ciclovia da avenida Ipiranga volta a ceder. A Capital monta os primeiros abrigos para desalojados. As águas espalham destruição pelo Vale do Caí, no Paranhana, e na região Metropolitana. Uma imagem chocante do dia resume a tragédia.
Em Santa Tereza, na Serra, a ponte sobre o arroio Barramansa é arrastada pelas águas no mesmo momento em que a prefeita da cidade grava um vídeo no local para alertar sobre o perigo das chuvas.
5 de maio – domingo
A chuva faz uma trégua e o sol brilha em Porto Alegre, mas o cenário é desolador. Os alagamentos não recuam na Capital, onde 67 bairros enfrentam desabastecimento de água por causa da inoperância de quatro das seis estações de tratamento. É difícil encontrar água mineral e diferentes gêneros em supermercados. O prefeito aconselha quem tem condições a migrar para o Litoral e, lá, aguardar a situação melhorar. O Guaíba atinge a que seria sua maior marca dentro dos primeiros 20 dias da catástrofe climática: 5,33 metros.
Informações desencontradas sobre o rompimento ou extravasamento de um dique de contenção do Arroio Feijó, na zona Norte, geram desespero na população de todo o entorno. No meio da tarde, o Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) faz um alerta de que a região pode ser inundada a qualquer momento e diz que é urgente que todos os moradores do bairro Sarandi deixem suas casas. O bairro é um dos maiores da Capital, e tem uma população aproximada de 91 mil habitantes.
6 de maio – segunda-feira
O 6 de maio traz novo golpe para a Capital: águas turvas alagam partes de mais dois bairros tradicionais da região Central, o Menino Deus e a Cidade Baixa. Não chove, mas falhas e desligamentos das casas de bombeamento de águas pluviais em função de riscos de choque elétrico impedem o escoamento. Só quatro das 23 bombas estão em funcionamento. A prefeitura evacua os dois bairros. À noite, as condições geram um cenário assustador. Além das ruas alagadas, falta luz tanto em parte do Menino Deus como da Cidade Baixa.
Cinco das seis estações de tratamento de água da Capital também estão desligadas. Uma delas, a das Ilhas, foi destruída. As estimativas oficiais indicam que 85% da população da Capital enfrenta problemas de desabastecimento. É difícil encontrar água potável. O bairro Humaitá, na zona norte, fica isolado. O dique no Sarandi extravasa completamente. O nível do Guaíba está em 5,26 metros. Milhares tentam sair da Capital. A RS 118, que, em função das interdições de outras rodovias, concentra o trânsito de saída e chegada à cidade, registra congestionamentos intermináveis.
A Fraport, responsável pela administração do Salgado Filho, suspende as operações do aeroporto internacional. As águas tomam um trecho considerável da pista, e castigam o andar térreo, com equipamentos como poltronas, esteiras e balanças parcialmente submersos. Os pedidos de socorro não param. Centenas de embarcações de voluntários auxiliam nos resgates em Porto Alegre e região. Enquanto isso, a Lagoa dos Patos começa a registrar elevação. E, no Norte, cidades como Soledade e Espumoso, tentam dar início a trabalhos de limpeza e reconstrução. Os efeitos da mudança climática sobre o RS são noticiados pelos principais sites e jornais internacionais.
7 de maio – terça-feira
Há quase 208 mil pessoas fora de casa no Estado, cerca de 50 mil em abrigos. No total, 1,5 milhão de gaúchos são afetados diretamente; 401 dos 497 municípios relatam algum tipo de problema em função das chuvas. Mortos são 95. Apesar da trégua nas precipitações, diferentes serviços meteorológicos alertam para o retorno de mais chuva nos dias seguintes. E frio. Em Porto Alegre, o Guaíba alcança os 5,28 metros. Um jacaré de pequeno porte circula pelas ruas alagadas do Menino Deus, tomadas agora pela circulação de botes e jet skis. A água, em vários pontos, bate no peito daqueles que se arriscam a caminhar por algumas das principais vias do bairro, como a Getúlio Vargas e a Botafogo. A prefeitura informa que a cidade está estocando mais de seis toneladas de lixo, em função das dificuldades de transporte e logística. Na região Sul do Estado, a Lagoa dos Patos sobe, e há alagamentos em Pelotas e Rio Grande.
8 de maio – quarta-feira
Em Porto Alegre, para além do Centro, as águas seguem ocupando vias inteiras de bairros como São Geraldo, Navegantes, São João e Humaitá. Apontam na avenida Benjamin Constant, no São João, nas proximidades do Floresta, em área que está a pelo menos 13 quadras do Guaíba. Nesta região, o terminal de ônibus sob o viaduto José Eduardo Utzig se transforma em um ponto de acolhimento de quem é resgatado ou precisa sair de casa. Muitos optam por permanecer ali, próximos aos locais onde antes moravam, na tentativa de vigiar residências e pontos de comércio, porque saques e assaltos em locais abandonados e atingidos pelas águas começam a se tornar uma rotina. Para reforçar a segurança, a Força Nacional envia as primeiras tropas ao Estado.
9 de maio – quinta-feira
Além de saques e assaltos, a catástrofe climática vem acompanhada de relatos de abusos sexuais em abrigos e golpes de todos os tipos pelo Estado: para doações de itens e valores, para transferências via pix, para salvamentos pagos, para abastecimento de água potável por caminhões-pipa. Proliferam também as notícias falsas, que atrapalham a todos. A sucessão de tragédias, contudo, é contrabalançada pela atuação de um contingente ainda não contabilizado de voluntários, que atuam em todas as frentes, dos resgates aos abrigos, passando pelo recolhimento de itens, o preparo de alimentos e o auxílio psicológico.
Apesar de as águas invadirem ruas de cidades do Sul, como Rio Grande, há também sinais de recuperação. Em Porto Alegre, o terminal na avenida Antônio de Carvalho, no bairro Agronomia, passa a funcionar como rodoviária substituta. E um fato em Canoas dá alento aos milhares que perderam quase tudo: o resgate do cavalo Caramelo. O animal ficou quatro dias ilhado em um telhado no bairro Mathias Velho antes de ser salvo. O final feliz da história acaba se transformando em símbolo de resistência e esperança para os gaúchos. O Guaíba recua para marca abaixo dos 5 metros.
10 de maio – sexta-feira
Em Porto Alegre, um corredor de acesso, "humanitário", é construído pela avenida Castelo Branco e o Túnel da Conceição, nas proximidades da Estação Rodoviária. O objetivo é garantir a chegada de caminhões, veículos de emergência e donativos à Capital, e desafogar a RS 118, onde os engarrafamentos seguem uma constante. Para a confecção do caminho provisório, foi preciso demolir a passarela de pedestres sobre a rua da Conceição, mas a destruição da estrutura é considerada mínima quando comparada aos benefícios proporcionados no momento de calamidade.
O desabastecimento de água, porém, segue afetando partes da Capital. E fatias do Centro, da área central na qual se incluem os bairros Menino Deus e Cidade Baixa, e de uma sequência de bairros da zona Norte, continuam alagadas. O nível do Guaíba desce para 4,74m, mas voltou a chover. A vizinha Eldorado do Sul, que tinha 40 mil habitantes, se transforma em cidade fantasma. E, ao lado, em Canoas, agora o número de abrigos para refugiados já é maior que o de escolas de Ensino Fundamental.
11 de maio – sábado
A chuva se espalha por diversas regiões, e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) emite alerta de risco muito alto para eventos geo-hidrológicos. O número de pessoas afetadas ultrapassa os dois milhões, o que equivale a 20% da população do RS. São contabilizadas 136 mortes. Há 125 desaparecidos, 806 feridos e 537 mil desalojados. Conforme dados da Defesa Civil, quase 75 mil pessoas, e 10 mil animais, foram resgatados desde o início das operações.
O maior navio de guerra da América Latina, e principal equipamento da marinha brasileira, o Navio Aeródromo Multipropósito Atlântico (NAM), atraca no porto de Rio Grande, no Sul do Estado. Com 208 metros de comprimento, terá missão humanitária, auxiliando em operações de resgate e no transporte de suprimentos.
Juntamente com o NAM, chega a Fragata Defensora, com os mesmos objetivos. Juntas, as duas embarcações da Marinha trouxeram 154 toneladas de doações, suprimentos como água mineral, arroz e feijão, duas estações móveis de tratamento de água, viaturas e embarcações menores. Suas tripulações somam 1.350 homens.
12 de maio – domingo
A Defesa Civil emite alertas de mais inundações nos vales do Caí e do Taquari. Os dois cursos d’água, além do rio das Antas, alcançam novamente suas cotas de inundação. Chove forte e de forma contínua na Serra e no Norte, regiões de cabeceiras do Taquari, Jacuí, Caí e Sinos. O receio, em todo o Estado, é pelo repique nos níveis dos rios. Em Caxias do Sul, a chuva faz ceder parte da ponte sobre o rio Caí, que liga a cidade a Nova Petrópolis.
Em outra área do município, um deslizamento de terra mata um servidor público que atuava em obras de recuperação dos estragos causados pelas precipitações. Em Porto Alegre, começam a funcionar três abrigos exclusivos para mulheres e crianças. O Guaíba sobe 10 centímetros do sábado para o domingo. Em Roca Sales e Muçum, já destruídas, o Taquari sobe 60 centímetros em uma hora. Em Lajeado, ruas voltam a ficar inundadas. Em Rio Grande são registrados mais alagamentos. E, em Canoas, há novo alerta de evacuação para sete bairros.
13 de maio – segunda-feira
A prefeitura de Porto Alegre projeta a construção de uma cidade provisória no Porto Seco, com capacidade para receber aproximadamente 10 mil pessoas. Barricadas são erguidas na Capital, na tentativa de conter um novo avanço do Guaíba, que volta a superar a marca dos cinco metros. Uma parte do bairro Lami, na zona Sul da Capital, onde falta água, luz e sinal de internet, precisa ser evacuada após a água inundar toda a orla e alcançar parte das residências.
A estação de bombeamento de água pluvial na Rótula das Cuias é religada parcialmente, o que deve auxiliar na diminuição dos alagamentos no Menino Deus e na Cidade Baixa. O número de casas de bombas de água pluvial em funcionamento passa assim para oito (de um total de 23). Em Caxias do Sul, no bairro Galópolis, onde sete pessoas já morreram, são feitas novas evacuações.
Agora são ali 200 famílias deslocadas devido ao risco de deslizamentos causados por fissuras em morros e encostas. Mesmo com a continuidade das operações de emergência e salvamento, e apesar de as águas seguirem inundando cidades, governantes começam a ser cobrados por ações concretas de planejamento, prevenção e mitigação das mudanças climáticas e seus efeitos. O Executivo gaúcho promete para os próximos dias a apresentação de um plano de reconstrução do Estado.
14 de maio – terça-feira
Em Porto Alegre, a Estação de Tratamento do Moinhos de Vento, que abastece 150 mil unidades de 21 bairros, chega ao 11º dia fora de operação. O Guaíba alcança os 5,25 metros e, no Centro, onde as águas seguem dominando parte das vias, o mau cheiro e a circulação de roedores se intensifica. A empresa que administra o Salgado Filho encaminha a extensão da suspensão das atividades do aeroporto até setembro.
Por causa da tragédia, o INSS mantém agências fechadas em 11 cidades, entre elas Porto Alegre. Uma passarela flutuante é instalada entre as cidades de Lajeado e Arroio do Meio, como alternativa para a ponte que caiu. As cidades do Vale do Taquari estão tomadas agora pela lama, e tentam mais uma vez dar início aos trabalhos de limpeza.
A chuva dá uma trégua curta, mas o frio é considerado um novo desafio na manutenção de abrigos e auxílio aos desalojados. O governo federal decide nomear um ministro extraordinário para a Reconstrução do RS. O cargo fica com o gaúcho Paulo Pimenta, que já é titular da Secretaria de Comunicação Social.
15 de maio – quarta-feira
O presidente Lula volta pela terceira vez ao Estado para acompanhar a tragédia climática e anuncia novas medidas de auxílio. Em Porto Alegre, a estação de tratamento de água Moinhos de Vento finalmente é religada, e o abastecimento deve ser normalizado gradativamente nos 21 bairros afetados. Em alguns locais, mais altos, contudo, a água talvez retorne só na sexta-feira. E outros, atendidos por estações já em funcionamento, seguem com problemas.
Após uma série de tratativas entre o governo federal e a Fraport, que administra o aeroporto Salgado Filho, a Base Aérea de Canoas estará apta para receber voos comerciais a partir do dia 20 de maio. A água recua nos bairros Menino Deus e Cidade Baixa e o hospital Mãe de Deus projeta retomar os atendimentos até o final do mês. Os rios Taquari, Caí e Gravataí apresentam queda em seus níveis, e o Sinos tem estabilidade.
O Guaíba também se mantém estável, mas com 5,18 metros. Os alagamentos não dão trégua no Sarandi. E pontos históricos do Centro da Capital, como a Praça da Alfândega, seguem parcialmente embaixo d’água. O bairro sofre com as torneiras secas. E, em algumas partes, também não há luz. A Defesa Civil contabiliza 149 mortos, 108 desaparecidos e 538 mil desalojados no RS.
16 de maio – quinta-feira
O governo do Estado anuncia a construção de quatro cidades provisórias, em Porto Alegre, Canoas, Guaíba e São Leopoldo, para a moradia de desabrigados. Neste dia, o RS já soma 77 mil pessoas em abrigos. Em função da paralisação total do Aeroporto Internacional Salgado Filho, na Capital, aeroportos regionais em Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Passo Fundo, Santo Ângelo e Uruguaiana passam a operar mais rotas.
A Trensurb, que transporta quase 200 mil passageiros diariamente em trens de superfície entre seis cidades da região Metropolitana, informa não ter como prever data de retorno. Ela está com as operações paradas desde 3 de maio.
Em Porto Alegre, as águas recuam em partes da Cidade Baixa, do Menino Deus e do Centro, mostrando animais mortos e entulhos de todo o tipo. O mau cheiro empesta o ar. Começam os trabalhos de limpeza. Mas grandes áreas da zona Norte continuam inundadas. No Sul do Estado, a elevação das águas no canal de São Gonçalo e na Lagoa dos Patos preocupa as cidades.
17 de maio – sexta-feira
Os problemas de desabastecimento de água prosseguem em Porto Alegre e em várias cidades. Na região Sul, 600 pessoas pedem resgate para a Defesa Civil em Rio Grande. E, em São Lourenço, passam a vigorar restrições para o acesso às praias.
O governo gaúcho anuncia a criação de uma Secretaria da Reconstrução do RS. A Federação das Indústrias do RS (Fiergs) solicita à União um pacote de medidas para recuperação do setor que alcança R$ 100 bilhões. Em Porto Alegre, muitas áreas continuam inundadas.
Na tentativa de acelerar a vazão das águas, é aberta uma das comportas, a de número 3, do Muro da Mauá. A ação de usar a comporta para a água sair da cidade, ao invés de mantê-la fechada para que ela não entre, é inédita.
O corredor humanitário construído emergencialmente para ligar a avenida Castelo Branco à BR 290, na entrada da Capital, é liberado para o trânsito geral de veículos entre meia-noite e 5h. Na zona Sul da cidade, comunidades seguem isoladas.
18 de maio – sábado
Os voluntários, que eram muitos nas três primeiras semanas da calamidade climática, diminuem de forma expressiva em todas as cidades. Em Porto Alegre, a prefeitura reabre cadastro e faz chamamentos públicos para incentivar a continuidade da participação das pessoas na ajuda humanitária.
Além da comporta 3, também a 12 e a 14 são abertas no Muro da Mauá, na tentativa de fazer as águas do Guaíba escoarem mais rapidamente. A 14 havia se rompido em 3 de maio, fechada emergencialmente com material provisório e é reaberta parcialmente.
Já é possível caminhar de novo por partes do Centro que antes estavam inundadas, e pontos de comércio reabrem para limpeza e avaliação dos estragos. Em Gravataí e Cachoeirinha, na região Metropolitana, 3,5 mil pessoas permanecem em abrigos. Em diferentes regiões do Estado é registrada queda acentuada da temperatura.
19 de maio – domingo
Em Porto Alegre 13 mil pessoas seguem em abrigos. Na região Metropolitana, pelo menos 70 mil estão sem água. Sem energia elétrica, no RS, são quase 200 mil. Na Capital é instalada a primeira bomba flutuante emprestada pela companhia de saneamento de São Paulo, a Sabesp, para drenar áreas alagadas.
O equipamento é posicionado ao lado da casa de bombas 9, às margens da freeway, em área pouco povoada. Canoas e São Leopoldo também instalam bombas de drenagem. No Centro da Capital os atingidos são orientados pela prefeitura a colocarem entulhos em frente a seus endereços, para recolhimento, e começam os mutirões de limpeza. Mas ainda são muitas vias sem água e sem luz.
No entorno do aeroporto, o monumento do Laçador, segue rodeado pelas águas. Novo Hamburgo recolhe cinco toneladas de entulhos. Em Gramado, passam de 16 para 26 os pontos com necessidade de evacuação. Chove forte na Serra gaúcha e as previsões meteorológicas indicam mais chuva e frio para o RS.
20 de maio – segunda-feira
As escolas retomam as aulas em Porto Alegre. A cidade de Guaíba contabiliza 10,5 mil casas atingidas pelas águas. Pelotas permanece em alerta máximo. É confirmada a primeira morte por leptospirose, na cidade de Travesseiro. E a previsão do tempo indica mais chuva.
Os jornais ‘O Globo’ e ‘Folha de São Paulo’ publicam entrevistas com o governador Eduardo Leite. À noite, ele é o convidado do programa ‘Roda Viva’, na TV Cultura. Nacionalmente, o governo gaúcho é cobrado pela flexibilização do código ambiental do Estado promovida em 2019, com 480 alterações.
A mudança na lei estadual de agrotóxicos, em 2021, que acabou com a vedação, no RS, de agrotóxicos proibidos em seus países de origem. E a lei que permite a construção de barragens em áreas de preservação permanente, para fins de irrigação, sancionada em abril. O RS tem 157 mortos em função da tragédia climática.
21 de maio – terça-feira
Em Porto Alegre, o sentimento é de desespero entre moradores dos bairros Sarandi, Humaitá, Vila Farrapos e Anchieta, que não conseguem sequer retornar para suas casas para ver o que restou, já que os locais continuam alagados. A região do 4º Distrito enfrenta situação semelhante. Parte dos que tiveram casas destruídas na zona Norte moram agora dentro de carros, às margens da freeway.
Prosseguem as cobranças sobre falhas nos sistemas de contenção do Guaíba, de captação de água e de drenagem urbana. Avaliação realizada no Mercado Público, no Centro, mostra que a água alcançou 1,80 metro no prédio. O corredor humanitário construído nas imediações da estação rodoviária é ampliado e o acesso liberado a todos os tipos de veículos, nos dois sentidos. Pela primeira vez desde o dia 3 de maio, o Guaíba fica abaixo dos 4 metros.
22 de maio – quarta-feira
A prefeitura de Porto Alegre fecha um contrato emergencial com um aterro na vizinha Gravataí, na região Metropolitana, para destinar entre 70 mil e 180 mil toneladas de resíduos sólidos oriundos das inundações.
Uma semana após o Dmae anunciar a religação da estação de tratamento Moinhos de Vento, o abastecimento é normalizado nos 21 bairros atendidos por ela. São concluídos os reparos emergenciais no Dique da Fiergs, que havia extravasado no início do mês.
Moradores do bairro Humaitá bloqueiam a BR 290, a Freeway. Eles protestam porque, 20 dias após as águas terem tomado a Capital, os alagamentos continuam nas vias e residências do bairro, e não há expectativa de mudança na situação. Ponte móvel do Guaíba é liberada no sentido Capital/Interior. Pelo Estado, cidades promovem limpezas e trabalhos de reconstrução.
23 de maio – quinta-feira
Chove muito a partir da metade da manhã, e as inundações rapidamente tomam diferentes pontos da Capital, gerando medo e pânico na população. Desta vez, contudo, não é o Guaíba que invade as ruas. A água jorra de bueiros em áreas já atingidas, onde moradores e donos de negócios veem sua situação se agravar ainda mais. E, também, em partes da cidade que não haviam sido alagadas no início de maio, entre elas trechos da zona Sul. Ao meio-dia, o cenário é de caos.
O caldo de chuva e esgoto arrasta sacos de lixo, dejetos de todo o tipo e entulhos que, por orientação da prefeitura, os atingidos pela tragédia climática haviam deixado em frente a locais de moradia ou trabalho já secos, após o início das limpezas. Em uma creche na zona Sul da cidade, 10 crianças e sete funcionários ficam ilhados e precisam ser resgatados. A prefeitura decide fechar todas as comportas que estavam abertas (já eram cinco) e suspende as aulas na cidade na sexta-feira.
A limpeza do Mercado Público precisa ser interrompida. O prefeito Sebastião Melo credita os problemas principalmente a grande quantidade de precipitação em um curto espaço de tempo, e novamente cita uma revisão de todo o sistema. O Dmae aponta que a rede está sobrecarregada e com capacidade reduzida por acúmulo de areia e lodo. Mas especialistas de diferentes instituições voltam a apontar as falhas e falta de manutenções do sistema da Capital. A União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa) protocola, na Câmara de Vereadores, pedido de impeachment do prefeito. No Vale do Taquari, a passarela flutuante instalada para permitir a travessia entre Lajeado e Arroio do Meio é arrastada pela correnteza do rio Forqueta. O mesmo ocorre com a de Candelária.
24 de maio – sexta-feira
O dique da Fiergs, próximo da avenida Assis Brasil, na zona norte de Porto Alegre, e que deveria bloquear as águas do rio Gravataí e do Arroio Feijó, volta a extravasar. O problema já havia ocorrido no final de semana dos dias 4 e 5 de maio.
A água sobe entre 20 e 40 centímetros nos bairros Anchieta, Humaitá, Sarandi e Vila Farrapos, e, ainda, na região do 4º Distrito, que já são as mais atingidas em Porto Alegre. A cidade já recolheu mais de sete mil toneladas de entulhos.
No RS, o volume pode alcançar quase 50 milhões de toneladas, conforme estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs, e pela empresa Mox Debris. O Guaíba passa dos 4,30 metros. Em Eldorado do Sul, o rio Jacuí sobe 58 centímetros em 18 horas. Em Canoas, moradores fecham trecho da BR 116, na altura da Praça do Avião, em protesto. Eles pedem agilidade e respostas da prefeitura para as perdas causadas pelas enchentes. À noite, na Capital, moradores fazem um panelaço contra o prefeito, também em protesto pela continuidade dos problemas.
25 de maio – sábado
O rompimento de uma adutora no bairro Sarandi cancela o abastecimento de água em 14 bairros da zona Norte de Porto Alegre. O prefeito da Capital determina que o Dmae instaure uma investigação preliminar sumária (IPS) para apurar o que foi feito a partir de alertas ocorridos em 2018 e 2023 sobre deficiências na manutenção em estações de bombeamento de água pluvial.
Mais de 20 dias após a Capital ter sido inundada, o sistema de drenagem segue com menos da metade das bombas operando. Das 23, 11 estão em funcionamento. Um terceiro corredor de acesso começa a ser construído na Capital, ligando a Fiergs à freeway, no bairro Sarandi.
O Estado contabiliza quatro mortes por leptospirose, 84 casos confirmados da doença e 800 em investigação. Ao todo, a tragédia climática já deixou 166 mortos no RS. E a chuva prossegue em diferentes regiões.
Correio do Povo
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