A indústria alemã em solo gaúcho surgiu em 1825, um ano após a chegada da leva pioneira de imigrantes de língua germânica
Conforme já relatado pelo Correio do Povo na primeira reportagem desta série, publicada em fevereiro, os germânicos vieram ao Brasil por meio de sucessivas ações do governo imperial, que, por sua vez, percebeu que precisava reduzir a mão de obra escrava e ter homens à disposição para guerras como a do Paraguai, do Prata e a própria Revolução Farroupilha, ocorrida aqui. Chegando, os pioneiros puseram em prática seus conhecimentos e fundaram negócios.
Outro aspecto relevante no ponto de vista econômico é o de que os imigrantes de origem germânica também trouxeram do outro lado do Atlântico seus sobrenomes, que indicam as ocupações das famílias, tradição esta advinda da Idade Média. Assim, Müller, o mais comum da Alemanha, é moleiro, antigo profissional ligado à moagem de cereais. Schneider é alfaiate, Fischer é pescador, Schuster é sapateiro, Weber é tecelão, Schmidt vem de Schmied (ferreiro) e Becker provém de Bäcker (padeiro).
No livro “O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul”, o jornalista e historiador Aurélio Porto afirmou que a indústria alemã em solo gaúcho surgiu em 1825, um ano após a chegada da leva pioneira de imigrantes de língua germânica, quando Luiz Rau ergueu seu primeiro curtume em São Leopoldo. Mas há quem atribua o pioneirismo do curtimento a Nicolau Becker, que teria chegado ao Vale do Sinos em 1797 — antes da primeira leva de desbravadores de língua germânica —, ou em 1829, fundando no ano seguinte, 1830, um empreendimento do tipo em Novo Hamburgo, então parte de São Leopoldo.
Grande parte do couro vinha do gado também utilizado para a fabricação do charque, que sustentou a economia gaúcha durante décadas. Outro produto de relevância nesta época e após foi o calçado, que colocou o Vale do Sinos no mapa global durante séculos, dada sua qualidade. Tudo começou com o descendente Pedro Adams Filho e sua fábrica Calçados Adams na mesma Novo Hamburgo, que enxergou a oportunidade advinda com a nova ferrovia Porto Alegre-Novo Hamburgo. Antes, a produção era artesanal. Segundo a professora Claudia Schemes, doutora em História pela PUCRS, o imigrante alemão “trouxe o hábito de andar calçado”, e sua matéria-prima era a sola do couro não utilizada pelas demais indústrias.
Para escoar os produtos pela via fluvial, os alemães criaram também companhias de navegação, como a Arnt, de Jacob Arnt, considerada em sua época a mais importante do Rio Grande do Sul e que também transportava passageiros. A demanda era alta. Em 1902, a companhia transportou 9.329 pessoas e 216.021 volumes de cargas. Já em 1933, foram 75.355 pessoas e 1.941.109 volumes. No ano seguinte, uma fusão com outra empresa ampliou as cargas em 75%, alcançando 3,6 milhões de unidades.
Com a logística ainda incipiente, na segunda metade do século XIX, destaca-se ainda as figuras dos “cinco Jacobs”, homens de mesmo nome que dominavam o transporte pelos rios dos Sinos, Caí, Jacuí e Taquari, este último por Arnt. Com efeito, logo também foram criadas casas comerciais. Uma delas foi a Bromberg & Cia, fundada por Martin Bromberg, que havia chegado ao Brasil em 1863, e cuja matriz ficava na cidade alemã de Hamburgo. Meio século mais tarde, o negócio, considerado “o mais forte do Brasil” na ocasião, tinha filiais em Rio Grande e Porto Alegre, além de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia e ainda na Argentina, bem como representantes comerciais em toda parte.
Comercializando “de tudo para o lar”, conforme registra a pesquisadora Janete Rocha Machado, doutora em História pela PUCRS, as lojas Bromberg eram conhecidas como “Palácio Encantado da dona de casa” e eram um exemplo do “alto comércio teuto-rio-grandense no Brasil”, afirmou ela. Com a ampliação, a empresa passou a especializar-se na exportação de produtos a partir da Alemanha e depois na construção de ferrovias, como entre Novo Hamburgo e Taquara, e pontes de ferro — no RS, em Cruz Alta, Alegrete e no Rio Pardo, além de turbinas, moinhos, motores, entre outros.
A empresa encerrou as atividades com a crise econômica global de 1929. Outra foi fundada por João Gerdau, imigrante natural do então reino da Prússia, depois de 1870, na Colônia de Santo ngelo, hoje município de Agudo. Em 1883, Gerdau abriu uma filial em Cachoeira do Sul. Dezoito anos depois, o imigrante comprou a Cia. Fábrica de Pregos Pontas de Paris, em Porto Alegre, então à beira da falência, repassando o empreendimento ao filho Hugo. A matéria-prima vinha da Alemanha. O nome da empresa foi alterado para João Gerdau & Filho, tornando-se o ponto de partida da Gerdau, hoje uma das maiores empresas do país, com atuação em todo o mundo.
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Correio do Povo
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