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sexta-feira, 1 de março de 2024

A TERRA É BOA E GENEROSA, MAS A GENTE QUE MANDA É NADA BONDOSA. - 29.02.24

 Por Percival Puggina

 

         O jornalista Sérgio Tavares veio ao Brasil cobrir para seus canais nas redes sociais a manifestação do dia 25 deste mês na Avenida Paulista. Se o relato das observações que fez em nosso país buscasse inspiração na carta de seu antecessor Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, ele provavelmente diria: “A terra continua boa e generosa, mas a gente que manda é nada bondosa”.

 

O Brasil está cada dia mais parecido com Cuba. Se os membros dos poderes de Estado assistissem um pouco menos a Globo, a CNN e afins, isso talvez não afetasse seus modos de agir, mas daria tempo aos seus ouvidos para a voz das ruas, onde dezenas de milhões de brasileiros têm a percepção de que a liberdade se extingue em nosso país. Não é a concordância, não são os puxa-sacos, nem os negocistas, nem os medrosos, nem os omissos que legitimam uma democracia, mas os que dissentem, divergem, discordam, refutam.

 

O conterrâneo e colega do escriba lusitano de 1500 foi submetido ao constrangimento de um escrutínio político. Isso não é aceitável; não é parâmetro de qualquer democracia.

 

Quando fui ao inferno caribenho pela segunda vez, em 2003, com o intuito de escrever “Cuba: a tragédia da utopia”, fiz contato com dissidentes e acabei sendo seguido, filmado, tive minhas ligações monitoradas de modo tão ostensivo que, buscando segurança, fui à embaixada do Brasil, já então sob comando de Tilden Santiago, ex-deputado federal do PT. Essa visita e a conversa que tive com o “companheiro” secretário da embaixada, estão minuciosamente relatados no livro. Minha preocupação maior era com as condições de saída pelo aeroporto preservando imagens e anotações que levava sobre minhas conversas com os dissidentes. O funcionário foi nada receptivo. “O senhor veio a Roma e não agiu como os romanos. Eles não gostam que pessoas entrem como turistas e saiam falando mal do país. Aqui tem muita coisa boa; as coisas não são como o senhor parece crer que sejam”, etc. etc.

 

Vejam que meu constrangimento em Cuba, ainda que tenha se prolongado por uma semana, foi muito menor do que o de Sérgio Tavares aqui. Mau sinal. Enquanto o totalitarismo cubano me controlou à distância, a suposta democracia brasileira submeteu o jornalista português a um interrogatório político. Nessa ideologia e em seu ruinoso trajeto pela história, democracia e liberdade são vocábulos de marketing, mas têm conceitos de confraria, de aplicação restrita, intimistas e excludentes.


Pontocritico.com

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