Estudo elaborado pela assessoria econômica da Farsul atribui o atraso na região à menor produção de grãos, realidade que pode ser perpetuada pela judicialização influenciada por viés político e ambiental
Campos do bioma pampaRegião cujas paisagens ajudaram a cristalizar no imaginário popular a figura mítica do gaúcho a cavalo pelo campo, o Pampa conecta o Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina e tem seu potencial turístico e riqueza de fauna e flora exaltados e defendidos frequentemente em espaços acadêmicos e de poder. O viés ambiental preservacionista do bioma, que cobre cerca de 70% do território gaúcho, não considera a face social. No Pampa, há menos educação, saúde e empregos, mas índices de violência superiores aos da Metade Norte, onde a agropecuária mais intensiva favorece o desenvolvimento das comunidades. Um raio X comparativo entre as regiões com presença dos biomas Pampa (Sul) e Mata Atlântica (Norte) foi elaborado pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e expõe a assimetria socioeconômica das duas regiões.
O economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, nascido em Quaraí, na região pampeana, preparou o estudo confrontando o desempenho das regiões e analisando dados de municípios onde há presença exclusiva dos biomas Pampa e Mata Atlântica. Da Luz contrapõe a situação das regiões a partir de aspectos demográficos, de economia e indicadores sociais. Também mostra como a intensificação da agricultura tem capacidade de elevar a geração de riquezas. O Pampa está em desvantagem, mas apresenta potencial para erguer os índices a partir da entrada mais intensa de lavouras de soja e milho. “Temos que nos desenvolver, crescer, melhorar as nossas condições de vida, e não nos auto determinarmos a um subdesenvolvimento que não acaba nunca”, diz.
O economista se valeu da classificação dos biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), descartando localidades com presença de ambos os biomas e cidades metropolitanas. Da Luz também aborda um aspecto alheio às estatísticas, mas que entende serem limitadores para a evolução socioeconômica dos moradores do Pampa. “Existem algumas posturas de uma elite, sobretudo financeira e intelectual, que propõem determinadas agendas para a sociedade que não mexem na relação de poder, muito menos financeira, mas que têm impacto em termos de pobreza e subdesenvolvimento imenso em regiões”, diz. Ele questiona o posicionamento de acadêmicos e alguns promotores de Justiça que falam sobre ameaças ao ambiente, minimizando aspectos como pobreza e subdesenvolvimento.
O desabafo é contra o que julga serem discursos sistemáticos que entravam o avanço da agricultura. “É fácil entrar com ação civil pública. Se cometerem (os promotores) uma lesão imensa para um cidadão, uma região ou o Estado inteiro, a consequência para o indivíduo é zero. Eles são livres em termos legais, mesmo que ao final das contas fique um legado de efeitos econômicos perversos.”
Para Da Luz, o agro não é vilão no Pampa, um bioma afetado há séculos pela antropização (ação humana), assim como foi a Metade Norte antes de haver legislação ambiental mais rígida. Por trás das críticas, ele defende chances para evolução nos indicadores sociais da Metade Sul.
“Oportunidades são geradas quando geramos desenvolvimento e crescimento econômico. E oportunidades para essas pessoas foram destruídas”, salienta. Assim como o novo da Assembleia Legislativa, Adolfo Brito, que disse em sua posse que o RS “precisa virar a chave”, colocando em pauta os temas de reservação de água e irrigação, Da Luz entende que o Pampa precisa intensificar a produção de grãos, que fomentará a industrialização. Ele analisa que comunidades ficam à espera (a partir de promessas) de que alguém virá e fará alguma coisa. “Ninguém vai, porque o desenvolvimento não vem de fora para dentro, mas de dentro para fora. Raramente cai alguém de paraquedas. E quando acontece, são corridos de lá, como temos muitos exemplos. E não foi o pessoal do Pampa, mas o pessoal de Porto Alegre, que está condenando (a região) ao subdesenvolvimento,” reclama.
A região já foi a mais próspera do Estado, no período das charqueadas, perdendo relevância econômica após esse ciclo e agora com indícios de uma nova época, com a introdução da soja e do milho. “As coisas estão acontecendo, mas temos muito ainda a buscar e desenvolver. O Pampa tem renda per capita muito abaixo da média do Estado, e o Pampa não vai se desenvolver com palestras, ações na Justiça ou a criação de um ministério do desenvolvimento do Pampa. A gente precisa permitir que aquelas pessoas produzam. Temos no Pampa potencial de produção agrícola maior do que na Mata Atlântica”, diz.
O Ministério Público disse perceber falta de argumentos técnico-jurídicos do economista nas críticas a promotores. “Certamente, não será um único dado econômico o responsável pela pujança e desenvolvimento de uma porção do Estado em detrimento de outra”, disse, por meio de nota. O órgão destacou que a Mata Atlântica é protegida pela Lei Federal nº 11.428/2006. “O paradoxo na fala do economista é que justamente a área que possui proteção legal mais intensiva é a mais desenvolvida. Talvez, o problema não seja de cunho legal”, informou. O MP salientou atuar na defesa da ordem jurídica. “Cabe-nos aplicar e fiscalizar a aplicação da lei. Especialmente o Pampa, um dos biomas mais ameaçados do país e que nas últimas décadas perdeu 2,9 milhões de hectares.
Manteremos um olhar atento e vigilante, fiscalizando ilegalidades e promovendo as devidas responsabilizações. Estamos preocupados com desmatamentos, conversões de campo e impactos que causam, inclusive, mudança do regime climático. Estaremos ao lado dos poderes Executivo e Legislativo para colaborar na construção de ações de Estado que busquem concretizar demandas da sociedade.”
Migração silenciosa para longe
Falta de oportunidades tem feito minguar a população do Pampa e aumentar a da Mata Atlântica, onde perspectiva econômica é melhor, conforme análise da Farsul com base em dados do IBGE
O estudo comparativo entre municípios dos biomas Pampa (Sul) e Mata Atlântica (Norte) feito pela assessoria econômica da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) descartou localidades que comportam os dois biomas. Conforme o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, a seleção foi feita para avaliar corretamente o que acontece em cada uma das metades do Rio Grande do Sul.
A área do bioma Pampa, que ocupa cerca de 70% do território gaúcho, é maior do que a da Mata Atlântica, com populações semelhante. São 3,27 milhões de pessoas na região selecionada da Mata Atlântica e 3,12 milhões no Pampa, conforme dados do IBGE de 2021. De 2005 a 2021, o Pampa encolheu a população em quase 2 mil pessoas. Já os municípios da Mata Atlântica tiveram acréscimo de cerca de 386 mil pessoas neste intervalo de 16 anos.
A concentração nos municípios da Mata Atlântica aponta que lá estão as oportunidades. Os dados demográficos do IBGE indicam que os recursos humanos do Pampa saem para buscar melhores condições de vida, conforme a distribuição da população por faixa etária. Na variação entre os Censos de 2010 e 2020, a população entre 25 a 39 anos de idade se manteve em 23% na Mata Atlântica. No mesmo período, no Pampa, caiu em torno de 10%, de 22% para 20%. “A população em que mais se observa a diferença é justamente a mais produtiva, que é economicamente ativa, entre 25 e 39 anos de idade. Neste período, a Mata Atlântica não perdeu gente em idade produtiva, mas o Pampa perdeu, cedendo gente para outros lugares. E, quando essas pessoas desse intervalo populacional estão diminuindo, vemos que elas estão saindo em busca de oportunidades”, analisa Da Luz.
Conforme o economista, a migração de jovens também vai impactar as próximas leituras censitárias. No período entre 2010 e 2020, o Pampa perdeu 6% de pessoas entre zero e 16 anos, caindo de 23% para 17% − nos municípios englobados pela Mata Atlântica, a queda foi de 21% para 18%. “Os jovens de 25 a 39 anos têm a força de trabalho e também a capacidade reprodutiva. Então, é grave o que está acontecendo na região do Pampa”, diz Da Luz.
Na faixa etária acima de 70 anos, os percentuais se equivalem, de 6% em 2010 e 8% em 2020. “Estamos concentrando pessoas velhas nesta parte do Rio Grande do Sul. Ou seja, a economia da Previdência Social vai ser cada vez mais importante para o bioma Pampa, porque são velhos que estão querendo ficar lá”, complementa o economista.
Maior pecuária está no Norte
O senso comum aponta para maior pecuária no Pampa. De fato, o rebanho bovino ainda está concentrado no Pampa, com 6,59 milhões de cabeças em 2020 (73% do total do Estado), mas com a taxa de crescimento médio anual em queda de 0,45%. Na Mata Atlântica, o rebanho é de 2,37 milhões de cabeças, com taxa de crescimento positivo de 0,2%.
A maior fatia da pecuária gaúcha está na avicultura, com 129,7 milhões de cabeças na Mata Atlântica (95% do rebanho), onde a taxa de crescimento médio desde 1974 é de 4,42%. E é na metade Norte que se concentram agroindústrias de abates as aves e fábricas de rações. No Pampa, são apenas 6,67 milhões de cabeças, e crescimento médio anual de 0,49%.
A produção de suínos também é superior na Mata Atlântica, com 4,47 milhões de cabeças e taxa de crescimento médio de 1,3% desde 1974 (94% do rebanho gaúcho). No Pampa, o rebanho é de 272,5 mil cabeças, com crescimento médio anual negativo de 1,1%. Antonio Da Luz acredita que a intensificação na produção de soja e milho no Pampa tende a atrair indústrias. “Nós exportamos uma parte importante dessa produção e não tem sentido nenhum não estar próxima do porto. Se há produção farta de grãos para dar estabilidade à produção de suínos e aves, faz todo o sentido começar a surgir a produção de aves e suínos na Metade Sul e naturalmente as indústrias, que têm o porto ao lado”, avalia.
Da mesma forma, a bacia leiteira apresenta taxa de crescimento médio na região da Mata Atlântica (3,96%) duas vezes superior à da região do Pampa (1,98%). Conforme a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) do IBGE, em 2020 os estabelecimentos da Mata Atlântica produziram 2,24 bilhões de litros, contra 452,4 milhões no Pampa.
Onde há agricultura, há crescimento
Intensificação dos plantios , de acordo com a pesquisa da Farsul, aumentou o PIB da Mata
Atlântica e do Bioma Pampa a partir de 2006, mas regiões seguem com diferentes potenciais
O estudo da Farsul sobre o desenvolvimento econômico em municípios dos biomas
e Mata Atlântica mostra que a intensificação das atividades agrícolas gera melhores resultados. A análise contempla dois períodos, de produção menos intensiva de grãos (1974 a 2005) e mais intensiva e tecnológica (2006 a 2021), a partir de dados do IBGE.
Na Mata Atlântica, antes da intensificação a produção média era de 3,85 milhões de toneladas, com taxa média de crescimento de 1,38% ao ano. A partir de 2006, a produção média saltou para 7 milhões de toneladas, com crescimento médio anual de 3,26%. O salto impactou positivamente a correlação entre o PIB da agricultura e o PIB geral. Até 2006, 72% do PIB da região vinha do desempenho da agricultura. “Já após 2006, quando ficamos mais intensivos, chegou a 93%. Ou seja, a agricultura ficou ainda mais importante na Mata Atlântica”, analisa Antonio da Luz.
A influência da agricultura também é clara nos setores de indústria e serviços. Até 2005, 60% do desempenho da indústria se explicava pela força da agricultura. No período seguinte, o indicador passou para 82%. No segmento de serviços, a correlação era de 19% até 2005, e saltou para 93% no período de 2006 a 2021. O incremento envolve áreas como comércio de grãos e insumos, transporte, armazenagem, profissionais da área agropecuária e o sistema de crédito rural. Ao final, o PIB per capita da região da Mata Atlântica superou a média do Estado.
No Pampa, onde a intensificação foi mais tardia, a produção média de grãos de 4,67 milhões de toneladas de 1974 a 2005, com crescimento médio de 3,19% ao ano, avançou após 2006. A produção média saltou para 11,6 milhões de toneladas, com taxa média de 5,13% ao ano. “Antes, explicava-se 80% do desempenho da economia do Pampa pela produção agropecuária. Hoje, subiu para 96%”, diz
Da Luz. A correlação na indústria era de 65% e foi para 91%. Na relação com serviços, voou de 3% para 96% após a intensificação agrícola no Pampa. “As coisas estão acontecendo, mas temos muito ainda a buscar. Essa região tem uma renda per capita muito abaixo da média do Estado”, diz Da Luz. “A gente precisa intensificar muito o Pampa em 30 anos, no mínimo, para equilibrar.”
Indicadores de saúde diversos
A assimetria entre as duas metades do Rio Grande do Sul é mais contundente nos indicadores sociais de saúde, educação e segurança pública. Na saúde, os gastos na Mata Atlântica em 2021 eram de R$ 640 per capita, contra R$ 422 no Pampa, conforme dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Numa análise desde 2005, as despesas com saúde aumentaram 17,8% na Mata Atlântica e 18,4% no Pampa. Em 2005, para cada R$ 1 gasto por pessoa no Pampa, aplicava-se -se R$ 1,60 por pessoa na Mata Atlântica. Em 2021, para cada R$ 1 por pessoa gasto no Pampa, aplicou-se R$ 1,50 por pessoa na Mata Atlântica. “Uma pessoa na Mata Atlântica, em termos de saúde, vale 50% a mais do que uma pessoa no Pampa”, critica o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz.
Mesmo com população equivalente, a Mata Atlântica tinha 53% mais estabelecimentos de saúde do que o Pampa, com taxas de crescimento médio de 9,24% e 7,71%, respectivamente, desde 2005, conforme o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) do SUS. O estudo aponta a existência, em 2022, de 9.543 estabelecimentos de saúde na Mata Atlântica e 6.228 no Pampa. A Mata Atlântica tinha 34% mais leitos de internação do que o Pampa, sendo 8.041 unidades na porção Norte e 5.971 na região Sul. A taxa de crescimento médio foi negativa em ambas as regiões, caindo -0,27% no norte e -0,24% no sul.
Educação desigual e maior índice de violência
Municípios da região da Mata Atlântica gastaram em 2021 cerca R$ 1,70 por estudante matriculado nas suas redes de ensino, 70% mais do que foi investido nas escolas do bioma Pampa durante o mesmo período
O desequilíbrio regional também se manifesta nos números da educação. O estudo da Farsul indica gasto per capita de R$ 836 na Mata Atlântica e R$ 488 no Pampa em 2021, de acordo com dados do Tribunal de Contas do Estado. E a distância de investimentos no setor tem aumentado desde 2005, quando cada R$ 1 gasto por pessoa no Pampa equivalia a R$ 1,60 por pessoa na Mata Atlântica. Em 2021, o gasto na Mata Atlântica subiu para R$ 1,70 por pessoa em comparação com o mesmo R$ 1 aplicado para a formação de jovens na região sulina. “Será que uma criança no Pampa vale menos?
Essas pessoas não têm direito de buscar esse gap?”, questiona o economista Antonio Da Luz.
O número de matrículas nas escolas, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica/Inep, era de 436.785 na Mata Atlântica e 340.093 no Pampa, em 2021. A Mata Atlântica tem 30% mais matrículas escolares. A taxa de crescimento médio é negativa em ambas regiões, -0,80% na Mata Atlântica e de -1,6% no Pampa.
As opções também são desproporcionais nos biomas. A Mata Atlântica concentra 80% mais escolas e 30% mais matrículas do que no Pampa, conforme o Censo Escolar da Educação Básica. Em 2021, eram 2.385 escolas na Mata Atlântica e 1.328 no Pampa, com taxa de crescimento médio negativas de 0,43% e 0,11%, respectivamente.
No campo da segurança pública, dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) indicam que no ano de 2022 aconteceram 14,36 roubos por mil habitantes no Pampa, contra 1,03 na região da Mata Atlântica. Os registros de tráfico apontam 6,61 ocorrências para cada mil habitantes no Pampa e 1,01 na Mata Atlântica. Os registros de homicídios dolosos são de 0,66 por mil habitantes no Pampa e 0,13 na Mata Atlântica.
Correio do Povo
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