Em liminar, juíza afirma que obras podem trazer “danos irreparáveis” ao patrimônio, que atingirão “toda coletividade”
Associação dos Amigos do Museu Júlio de Castilhos aponta que projeto desrespeita limite de construções no entorno do museu, que é patrimônio tombadoA Justiça Federal suspendeu a construção de um edifício de mais de 40 andares entre as ruas Duque de Caxias e Fernando Machado, no Centro Histórico de Porto Alegre. A decisão liminar da juíza federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinou que a construtora Melnick e o Grupo Zaffari se abstenham de iniciar ou continuar as obras até o julgamento definitivo de uma ação movida pela Associação dos Amigos do Museu Júlio de Castilhos (AAMJC). A decisão é desta segunda-feira, 29.
A entidade aponta que o projeto fere regras relativas ao entorno do museu. O Museu Júlio de Castilhos é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) e as regras do entorno limitam as construções do entorno a 15 pavimentos ou 45 metros de altura.
Na decisão, a juíza afirma que não há estudo de impacto de vizinhança ou prévia autorização dos órgãos de proteção do patrimônio. Assim, afirma a magistrada, “há fundada dúvida sobre a possibilidade de construção de prédio com 38, 40 ou 44 pavimentos no entorno do Museu e de outros prédios históricos.”
A decisão afirma ainda que o início ou a continuidade das obras, enquanto não estiverem sanados os questionamentos poderão causar “danos irreparáveis e/ou de difícil reversão ao patrimônio histórico e cultural, o que atingirá toda coletividade.”
“Presente de aniversário”
Na véspera do aniversário de 121 anos do museu, o presidente da AAMJC, Claudio Pires Ferreira, comemorou a decisão. “Foi nosso presente de aniversário”, celebra.
“Ficamos muito satisfeito com essa decisão, ainda que liminar, porque já há inúmeros precedentes. O próprio Tribunal de Justiça do RS e o TRF-4 têm jurisprudência nesse sentido. Essa decisão vai na linha do que é decidido pelos tribunais, e inclusive pelo STJ. Isso é matéria pacificada no âmbito dos tribunais brasileiros”, afirma.
A entidade já ingressou com duas ações judiciais contra o Município de Porto Alegre e a construtora.
Uma delas pede que seja sustado o licenciamento do empreendimento e outra questiona o projeto já aprovado. As duas tramitam na Justiça Federal. “Nosso pedido principal em todas ações é esse: que não seja permitida a construção porque há ilegalidade no processo de licenciamento”, afirma.
A Associação encaminhou ainda duas representações ao Ministério Público do RS e ao MP de Contas, pedindo que se investigue se a concessão do licenciamento por parte da Prefeitura respeitou os preceitos legais e constitucionais.
Sobre o projeto
O projeto prevê um empreendimento formado por uma torre residencial de 44 andares e uma galeria comercial no Centro Histórico de Porto Alegre. O empreendimento já teve aprovado pela prefeitura, em 2021, projeto que prevê 38 andares. Posteriormente, foram feitos pedidos para ampliar para 41 e 44 pavimentos.
Se construído, o prédio pode se tornar o mais alto da cidade, com 108,39 metros de altura entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias. Atualmente, o prédio mais alto é o Edifício Santa Cruz com 107 metros de altura, na Rua dos Andradas.
O projeto tem passado por modificações desde 2017. Em um dos documentos enviados para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), a Melnick argumenta que o projeto trata de uma implantação que já está no imaginário do Centro. "A resposta arquitetônica vem ao encontro da ideia de completar este vazio urbano de forma harmônica com o seu entorno, respondendo aos anseios de apropriação do espaço pelos usuários do Centro Histórico de Porto Alegre”, sustenta.
Logo que veio ao conhecimento do público, o projeto despertou diversas críticas e suscitou debates. Entre os pontos de discussão estão o sombreamento que o prédio poderia lançar sobre as construções históricas, como o Palácio Piratini e a Catedral Metropolitana, e o limite de altura imposto na portaria de tombamento do Museu Júlio de Castilhos
Em agosto de 2023, o Instituto de Arquitetos do Brasil Rio Grande do Sul (IAB/RS) declarou em nota pública que o projeto “revela uma cidade sem rumo e sem respeito ao patrimônio cultural".
Confira a íntegra das notas oficiais enviada por Melnick e Grupo Zaffari:
Inicialmente, gostaríamos de esclarecer que a Melnick como construtora responsável pelo desenvolvido do projeto em questão respeita integralmente as normativas legais e sempre atua de acordo com as exigências dos órgãos competentes. O Empreendimento já possui projeto devidamente aprovado que seguiu todos os tramites requeridos e atualmente está em fase de reprovação, e a obra somente será iniciada com as devidas aprovações e liberações legais.
Entendemos a importância histórica e cultural do Museu Júlio de Castilhos e reconhecemos sua relevância para o Estado do Rio Grande do Sul. Destacamos que nosso compromisso é garantir que todas as formalidades legais sejam sempre rigorosamente observadas, incluindo a obtenção das devidas anuências dos órgãos de proteção do patrimônio histórico e cultural.
Desde 1980, o Grupo Zaffari opera um supermercado e estacionamentos na rua Fernado Machado, ocupando uma fração de um projeto que tem frente à rua Fernando Machado e rua Duque de Caxias, aprovado pela Prefeitura Municipal em 1975, e que foi parcialmente edificado.
Sobre o desenvolvimento do referido projeto, o Grupo Zaffari irá aguardar o posicionamento da incorporadora que irá edificar o empreendimento.
Correio do Povo
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