Maduro convoca plebiscito para anexar área da Guiana com riquezas petrolíferas; regime chavista busca distração da crise interna, mas coloca o país à beira de um conflito internacional
Jurandir Soares
Escrevo esta coluna antes de ser realizado o plebiscito convocado para este domingo, 3, pelo ditador da Venezuela Nicolás Maduro, a respeito da área guianense de Essequibo que quer tomar. A consulta pergunta aos cidadãos da Venezuela se apoiam a concessão de nacionalidade venezuelana aos 125 mil habitantes da região em disputa e a criação de uma nova província venezuelana chamada de “Guiana Essequiba”.
Não é preciso ter bola de cristal para antever a aprovação por larga maioria. Até porque, não bastasse ser uma pergunta óbvia, todo o sistema de consultas e de eleições do país é controlado por um sistema completamente aparelhado. Salvo uma surpresa inesperada. A consulta se refere à província da Guiana chamada de Essequibo, uma área de 160 mil quilômetros quadrados, equivalente ao território do Uruguai, que faz fronteira com os estados venezuelanos de Bolívar e Delta Amacuro, se estendendo até o rio Essequibo. Uma área que corresponde a 70% do território da Guiana.
A reivindicação venezuelana remete ao tempo da colonização da América Latina, no caso a britânica, pois se trata de área da antiga Guiana Inglesa, país que se tornou independente. Segundo os dados da Wikipédia, a área foi reivindicada inicialmente pelos espanhóis e logo após pelos holandeses, que organizaram as colônias do Essequibo, Demerara e Berbice. Estas três colônias foram tomadas pelos ingleses em 1796, oficialmente cedidas ao Reino Unido em 1814, e fundidas numa só colônia em 1831, passando a chamar-se Guiana Inglesa, tendo como capital Georgetown.
A Guiana tornou-se uma república independente do Reino Unido em 26 de maio de 1966. A reivindicação venezuelana remonta ao tempo em que área era parte da colônia espanhola. Mais especificamente, do início dos anos 1840. Na ocasião o governo britânico designou a Robert Hermann Schomburgk a tarefa de demarcar a fronteira ocidental da Guiana Inglesa com a agora independente Venezuela. A Venezuela não aceitou a linha Schomburgk, que colocou toda a margem do rio Cuyúni dentro da colônia, e reivindicou todas as terras ao oeste do rio Essequibo como seu território. Um tribunal de arbitragem instalado em Paris, em 1889, emitiu laudo estabelecendo que toda a área do Essequibo era britânica.
A questão manteve-se adormecida até 1962, quando a Venezuela renovou sua reivindicação, alegando que o laudo arbitrário não era válido. Em 1966, quando a Guiana tornou-se independente, a Venezuela reconheceu o território da Guiana, mas só a parte a leste do rio Essequibo. Na ocasião, negociações para dar fim ao conflito fracassaram. Em 2004, em visita a Georgetown, o então presidente Hugo Chávez disse que a Venezuela deixava de lado a reivindicação sobre o território e queria implementar negócios com a Guiana.
Tudo mudou, no entanto, a partir de 2015 quando foram descobertas enormes reservas de petróleo em águas territoriais do Essequibo. Georgetown elaborou uma lista de 11 campos petrolíferos costeiros e três de águas profundas para serem licitados. A exploração do produto fez a Guiana dar um salto de qualidade de vida.
Com o avanço da extração, o PIB da Guiana deu saltos. De 2021 para 2022, segundo o Banco Mundial, ele subiu 63% em termos reais, e em 2023 está em US$ 15,3 bilhões. Isto numa área que já era rica em ouro e diamantes. Aí despertou o interesse da ditadura de Nicolás Maduro, que mergulhou seu país na miséria, tornando-o dependente só do petróleo, o qual nem consegue mais explorar de forma conveniente. E aí o ditador apelou, acusando a Guiana de vender-se de forma colonizada para os americanos. Numa referência a Exxon Mobil, que hoje é a maior operadora das reservas petrolíferas da Guiana.
Na medida em que se aproximava o dia 3 de dezembro, o regime chavista multiplicou as manobras militares e aguçou o seu discurso belicista para convocar a população para um feito que não exclui o uso de armas, repetindo a propaganda com militares e paramilitares uniformizados e imagens do seu poderio militar venezuelano.
Em encontro em Brasília, um representante militar venezuelano disse que o seu governo se veria obrigado a atender a vontade de seu povo, num indicativo de que, em caso de decisão favorável no plebiscito, a invasão militar irá acontecer. O governo brasileiro enviou a Caracas o assessor de Assuntos Internacionais, Celso Amorim, para tentar demover o governo de Maduro da ação militar e levar o tema para um tribunal. Porém, por via das dúvidas, o governo brasileiro reforçou a presença militar na fronteira com os dois países.
Por fim, cabe dizer que esta ação de Maduro está inserida naquele quadro já conhecido de que, quando o país está com graves e insolúveis problemas internos, então, apela-se para uma questão externa que tenha o respaldo de sua população. Neste caso, estamos diante de um país com 80% de pobreza, desemprego de 34% da sua população ativa, uma inflação anual estimada em 341% e um salário mínimo de 5,3 dólares. Só cabe lembrar a Maduro que o último ditador da região que usou deste artifício se deu mal e levou muitos dos jovens soldados do seu país à morte. Falo do general Galtieri, na Argentina, com a invasão das Malvinas. A Guiana não tem força militar para deter a Venezuela, mas os Estados Unidos têm.
Correio do Povo
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