Russos e ucranianos trocam acusações sobre responsabilidade do incidente
Uma represa vital no sul da Ucrânia, invadida pelos russos, foi destruída na madrugada desta terça, em um incidente que pode inundar uma região em que moram mais de 16 mil pessoas e afetar o funcionamento da Usina Nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa. Russos e ucranianos se acusam pelo incidente na represa de Nova Khakovka, que fica na porção ocupada por Moscou em Kherson, no sul da Ucrânia.
A Ucrânia acusou as forças russas de explodir a represa, alertando os residentes ao longo do rio Dnieper a se retirarem e avisando sobre inundações rio abaixo. O presidente Volodymyr Zelensky convocou uma reunião de emergência para lidar com a crise.
Já a Rússia afirma que um ataque com artilharia durante a contraofensiva iniciada pelo governo de Volodymyr Zelensky no domingo, 4, teria atingido a represa. Modelos matemáticos indicam que a água da represa pode inundar Kherson entre 3 horas e 19 horas após o rompimento, a depender do volume de água.
Segundo analistas, a destruição favorece os russos, porque inunda a área de Nova Khakovka até a foz do rio Dnieper, que era represado desde 1956 para a geração de energia e o fornecimento de água para a Crimeia por meio de um canal. Isso pode afetar ações ofensivas ucranianas que exigissem o cruzamento do rio. A região fica ao norte da península anexada por Vladimir Putin em 2014.
As autoridades ucranianas já haviam alertado que o rompimento da represa poderia liberar 18 milhões de metros cúbicos de água e inundar Kherson e dezenas de outras áreas onde vivem mais de 16 mil pessoas, além de ameaçar um colapso na usina nuclear de Zaporizhia, que usa a água da represa para resfriamento dos seus reatores.
Represas como a de Nova Kahkovka são protegidas pelas leis da guerra e pela convenção de Genebra. Destruí-las é considerada crime de guerra similar ao uso de uma arma de destruição em massa.
O Artigo 56 do Protocolo Adicional da Convenção de Genebra diz que "obras e instalações que contenham forças perigosas, nomeadamente represas, diques e centrais geradoras de eletricidade nuclear, não devem ser objeto de ataque, mesmo quando esses objetos sejam objetivos militares, se tal ataque puder causar a liberação de forças perigosas e consequentes perdas graves entre a população civil".
Risco nuclear
A operadora nuclear ucraniana Energoatom disse em um comunicado via Telegram que a explosão da represa "poderia ter consequências negativas para a usina nuclear de Zaporizhzhia", mas que no momento a situação é "controlável".
A Agência Internacional de Energia Atômica da ONU escreveu no Twitter que seus especialistas estavam monitorando de perto a situação na Usina Nuclear de Zaporizhzhia, e que não havia "nenhum risco imediato à segurança nuclear" na instalação.
Segundo o Grupo de Trabalho sobre as Consequências Ambientais da Guerra da Ucrânia, um colapso total da represa levaria grande parte da margem esquerda e uma queda acentuada no reservatório tem o potencial de privar a usina nuclear de um resfriamento crucial, além de secar o abastecimento de água no norte da Crimeia.
A Energoatom escreveu que o reservatório de Kakhovka, onde os níveis de água estão "diminuindo rapidamente", é necessário "para que a usina alimente os condensadores da turbina e os sistemas de segurança da ZNPP", disse o comunicado.
O Ministério do Interior ucraniano escreveu no Telegram que a represa havia sofrido uma explosão e convocou os moradores de dez vilarejos na margem direita do rio e partes da cidade de Kherson, rio abaixo, a reunirem documentos essenciais e animais de estimação e se retirarem com urgência.
O prefeito de Nova Kakhovka, Vladimir Leontiev, aliado da Rússia, disse na terça-feira que vários ataques à usina hidrelétrica de Kakhovka destruíram suas válvulas e "a água do reservatório de Kakhovka começou a fluir incontrolavelmente rio abaixo".
Leontiev disse que os ataques foram "um ato terrorista muito sério" e que as autoridades nomeadas por Moscou estão "se preparando para as piores consequências", embora não tenham solicitado a retirada dos moradores da cidade.
Imagens do que parecia ser uma câmera de monitoramento com vista para a represa, que estavam circulando nas mídias sociais, mostravam um clarão, uma explosão e o rompimento. A Ucrânia e a Rússia já se acusaram mutuamente de atacar a represa e, em outubro passado, Zelenski afirmou que a Rússia destruiria a represa para causar uma inundação.
Autoridades, especialistas e moradores têm expressado, há meses, preocupação com o fluxo de água na represa. Em fevereiro, os níveis de água estavam tão baixos que muitos temiam um derretimento dos reatores na usina nuclear de Zaporizhzhia, ocupada pela Rússia.
Em meados de maio, após fortes chuvas e derretimento da neve, os níveis de água subiram além do normal, inundando vilarejos próximos. Imagens de satélite mostraram a água passando por cima de comportas danificadas.
A Ucrânia controla cinco das seis represas ao longo do rio Dnieper, que vai da fronteira norte com Belarus até o Mar Negro e é crucial para o abastecimento de água potável e energia elétrica de todo o país. A represa de Kakhovka - a mais distante na região de Kherson - é controlada pelas forças russas.
Acusações mútuas
A Rússia e a Ucrânia se acusaram mutuamente pela destruição parcial da hidrelétrica. Segundo o prefeito do município de Nova Kakhovka, nomeado por Moscou, Vladimir Leontiev, as forças ucranianas realizaram "múltiplos ataques" à represa de Kakhovka, em uma parte da região de Kherson, ocupada pela Rússia.
Ele acrescentou que essas ações destruíram as válvulas de liberação da represa e causaram "um fluxo incontrolável de água". "A represa não foi destruída e isso é uma grande sorte", disse ele. Por sua vez, o exército ucraniano acusou a Rússia em um comunicado de ter detonado a represa. O chefe da administração militar ucraniana em Kherson, Oleksander Prokudin, disse que vários vilarejos estavam "total ou parcialmente inundados" e que eles haviam começado a evacuar as pessoas da área.
"Cerca de 16 mil pessoas estão na zona crítica na margem direita da região de Kherson", disse Prokudin na mídia social. A administração pró-Moscou na área ocupada de Kherson disse que várias localidades próximas ao reservatório registraram um aumento no nível da água, mas que a situação não era crítica. "Se necessário, estamos prontos para retirar os habitantes das aldeias às margens do rio", disse o chefe do governo da região de Kherson, Andrei Aleksenko, em um comunicado, pedindo "para as pessoas não entrarem em pânico".
A represa, tomada desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, fornece água para a península da Crimeia, que foi anexada por Moscou em 2014. Erguida no rio Dnieper em 1956, durante o período soviético, a barragem é uma das maiores infraestruturas desse tipo na Ucrânia.
Agência Estado e Correio do Povo
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