Área onde vive comunidade em Porto Alegre é pleiteada pelo Asilo Padre Cacique
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu, em julgamento na última sexta-feira, pela competência da Justiça Federal no caso envolvendo a reintegração do Quilombo Lemos, no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre. A decisão teve quatro votos favoráveis e quatro contrários, além do voto de desempate da desembargadora Lizete Sebben. Na prática, ela acata os argumentos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS), representante do quilombo na ação contra o Asilo Padre Cacique, que requer para si a área onde está localizada a ocupação.
O processo se arrasta ao menos desde 2009, quando o asilo entrou com Ação de Reintegração de Posse, e obteve vitória na 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. O local é moradia dos familiares de Jorge Alberto Rocha de Lemos, antigo funcionário do Padre Cacique, falecido em 2008, e o local em questão foi reconhecida como remanescente de quilombo junto à Fundação Cultural Palmares, vinculada ao governo federal. De lá para cá, o processo já havia ido para a esfera federal, mas, anteriormente, o asilo ingressou com recurso e a justiça suspendeu a decisão.
Com a ação de volta ao âmbito estadual, o Quilombo Lemos passou a ser defendido pela DPE/RS desde 2018. O órgão, por meio do então dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDEDH) da DPE/RS, Mário Rheingantz, ingressou com ação rescisória contra a decisão que havia dado vitória ao Padre Cacique, e que, na semana passada, foi confirmada pelo TJRS. “Foi uma ação milimetricamente construída para garantir este direito. Na época, conseguimos suspender a reintegração de posse que já estava com ordem de cumprimento, e, com isto, manter a população com seu direito à terra e moradia até a decisão definitiva”, afirma Rheingantz, que é presidente da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do RS (ADPERGS).
Um dos argumentos utilizados pelo quilombo foi que, como a Fundação Palmares confirmou o caráter do local, o processo aguardava posicionamento e titulação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o que ainda não aconteceu. Em 2018, quando o asilo havia vencido anteriormente na justiça, houve uma tentativa de reintegração de posse, mas, diante da presença de membros da própria DPE/RS, Assembleia Legislativa e outras entidades, a então ordem não foi cumprida, e posteriormente suspensa.
A DPE/RS chegou a montar um grupo de trabalho próprio com dez defensores públicos para cuidar do caso, segundo Rheingantz. “Esta vitória nos orgulha e confirma aquele entendimento que tínhamos desde o início. Em nosso entendimento, a ação adequada seria a rescisória, que é o remédio para questionar decisões já transitadas em julgado”, comenta o presidente da ADPERGS. A reportagem não conseguiu falar com representantes do asilo, para obter o contraponto da questão.
No entanto, em notas anteriores, o Padre Cacique afirma que, na área onde está o quilombo, busca construir um centro de convivência, ou “creche”, para idosos carentes, com estimativa de atender mais 150 pessoas, o dobro do que mantém hoje. O local também criticou duramente o que chama de “quilombo imaginário”, e que, no âmbito da tentativa de reintegração de posse, em 2018, “uma centena de ativistas […] se entrincheiraram, cavando valetas, colocando pneus velhos e arames farpados, para impedirem o ingresso do Oficial de Justiça e dos Policiais Militares que davam proteção” ao único membro da família Lemos no quilombo na ocasião.
A nota do Asilo Padre Cacique se referia ainda à ação rescisória da Defensoria Pública gaúcha como “temerária”, e aos moradores do quilombo como “invasores”. “Prefiro crer que os magistrados gaúchos agiram como verdadeiros inocentes úteis, ao serem induzidos em erro por autodeclaração de quilombolas de conteúdo ideológico falso”, disse em ocasião anterior o presidente do asilo, Edson Brozoza.
Correio do Povo
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