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domingo, 30 de abril de 2023

Argumento para manter a prisão do ex-ministro da Justiça mostra um conflito de Alexandre de Moraes com a jurisprudência

 


A prisão do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, mantida por Alexandre de Moraes, tem como um de seus argumentos o que o ministro do Supremo Tribunal Federal chama de resistência do investigado a entregar senhas do próprio celular – o que pode ser considerado um gesto de produção de provas contra si mesmo. A justificativa usada por Moraes é alvo de críticas de especialistas, que alertam para o fato de a prisão de Torres refletir contradições típicas em matéria de processo penal brasileiro.

De acordo com a decisão de Moraes, o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal forneceu as senhas de acesso a e-mails “mais de cem dias após a ocorrência dos atos golpistas (na Praça dos Três Poderes, em Brasília) e com total possibilidade de supressão das informações ali existentes”. Contra a decisão, os advogados do ex-secretário apresentaram um habeas corpus, distribuído para o ministro Luís Roberto Barroso.

O pedido foi negado na sexta-feira. “O Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência consolidada, no sentido da inadequação do habeas corpus para impugnar ato de ministro, Turma ou do Plenário do Tribunal”, argumentou Barroso. Paralelo a isso, Moraes estabeleceu um prazo de 48 horas para que Torres explique a demora no fornecimento das suas senhas.

Para Caio Paiva, professor e ex-defensor público federal, o caminho mais acertado seria o Supremo conceder a liberdade provisória ao ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), com o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo. “É preciso que se tenha cuidado para que não se faça da prisão cautelar um mecanismo de antecipação da pena. Estou de acordo com a Procuradoria-Geral da República na revogação da prisão preventiva e na aplicação das medidas cautelares diversas”, afirmou o ex-defensor.

Autoincriminação

O artigo 5.º da Constituição, responsável por delimitar as garantias fundamentais, prevê que o preso possui o direito “de permanecer calado”, cuja interpretação se estende à produção de provas que o incriminem. A Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, também protege esse direito.

No Supremo, há dois julgamentos sobre o tema, relatados por Fux, aos quais foi atribuída repercussão geral – o que os torna vinculantes para as demais Cortes do País. A maioria dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também é pela proteção do princípio, sobretudo em casos que envolvem acidentes de trânsito.

Mauricio Dieter, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), disse que “o direito contra a autoincriminação assegura também o direito de não facilitar a prova contra si”. Para ele, a análise de todos os crimes cometidos no 8 de janeiro é essencialmente política, porque “o bem jurídico lesionado é o estado democrático de direito”.

O argumento usado por Moraes, de que Torres teria dificultado o acesso ao próprio celular, é visto pelo coordenador do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Bottino, como um “desabafo”.

“Decisões judiciais não têm de ter esse tipo de comentário. Mas não é esse o fundamento pelo qual ele permanece preso”, disse o professor, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. “É um argumento frágil. Ninguém tem a obrigação de produzir prova contra si mesmo, o que é uma garantia constitucional.”

Redes

Não é a primeira vez que, nos casos do 8 de janeiro, Moraes contraria a PGR para preservar prisões. Manifestantes detidos no acampamento na frente do Quartel-General do Exército de Brasília foram mantidos em prisão preventiva sob o argumento de que fizeram mau uso das redes sociais – o que abarca vídeos que já foram retirados do ar, filmagens de ônibus de excursão, notícias das cidades de origem dos denunciados e uma live feita de dentro da Academia de Polícia Nacional, para onde todos os detidos foram levados.

“Não há violação à legalidade. Porque a legalidade definiu as condições de prisão preventiva de maneira muito elástica. A lei processual penal tem juízos de admissibilidade que são genéricos”, disse Dieter sobre a prisão de Torres. “A moldura legal é bastante frouxa.”

Rádio Pampa

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