Familiares das vítimas acompanharam a sessão no tribunal correcional de Paris
O julgamento contra a fabricante Airbus e a companhia aérea Air France por homicídio culposo começou nesta segunda-feira (10) na França com as duas empresas rejeitando qualquer erro na tragédia aérea que matou 228 pessoas em 2009 no voo Rio-Paris.
Mais de cinquenta familiares das vítimas estavam na sala lotada do tribunal correcional de Paris, onde os três magistrados leram os nomes dos falecidos em meio a um silêncio doloroso.
Pouco antes, o CEO da Airbus, Guillaume Faury, e a diretora-geral da Air France, Anne Rigail, ouviram as acusações contra as duas empresas, antes de tomar a palavra.
"Estou diante de vocês para expressar, em nome da Air France, nossa mais profunda solidariedade aos parentes das vítimas", disse Rigail, para quem este acidente marcará para sempre a "história coletiva" de sua empresa. Apesar de ter salientado que a empresa continuará a colaborar com a justiça, o responsável negou que tenham cometido um "delito criminal" ligado ao acidente, assim como a Airbus.
Seu presidente executivo também expressou no tribunal seu "profundo respeito" pelos familiares das vítimas, ao que a presidente da associação Entraide et Solidarité AF447, Danièle Lamy, respondeu: "Tarde demais!". "Há treze anos que esperamos por este momento. É uma pena, senhor. Deveria ter vergonha!", indignou-se o vice-presidente desta associação de familiares de vítimas, Philippe Linguet, antes de a presidente do tribunal pedir calma.
Em 1º de junho de 2009, o avião do voo AF447 caiu no meio da noite no Atlântico, 3 horas e 45 minutos após a decolagem no Rio, causando a morte de seus 216 passageiros e 12 tripulantes. Foi o desastre mais mortal da história da Air France.
O avião, que havia entrado em serviço quatro anos antes, transportava passageiros de 33 nacionalidades - 61 franceses, 58 brasileiros e 28 alemães, assim como italianos (9), espanhois (2) e um argentino, entre outros.
Os primeiros destroços, assim como corpos, foram encontrados nos dias que se seguiram, mas a fuselagem só foi localizada dois anos depois, em 2 de abril de 2011, a 3.900 metros de profundidade cercada por altos relevos subaquáticos, durante a quarta fase de buscas.
As caixas-pretas, recuperadas um mês depois, confirmaram que os pilotos, desorientados pelo congelamento das sondas de velocidade Pitot numa zona de convergência intertropical perto do Equador, não conseguiram recuperar a sustentação (estol) da aeronave, que caiu em menos de cinco minutos.
Após uma longa sucessão de perícias, os juízes de instrução arquivaram o caso em 29 de agosto de 2019. Indignados, familiares das vítimas e sindicatos de pilotos recorreram e, em 12 de maio de 2021, a Câmara de Instrução decidiu pelo processo por homicídios involuntários das duas empresas.
"Não espero nada deste processo", disse à AFP Nelson Faria Marinho, presidente da associação brasileira das vítimas do voo AF447 e cujo filho morreu no acidente aos 40 anos. Este homem de 79 anos não viajará para Paris por falta de recursos.
O tribunal terá que determinar se a Airbus e a Air France, que enfrentam uma multa de 225.000 euros (cerca de 220.000 dólares), cometeram erros relacionados à tragédia.
Para o sindicato de pilotos do grupo Air France (SPAF), é "importante que um tribunal possa ouvir todas as partes e se pronunciar sobre as diferentes responsabilidades durante um processo público, onde será destacada a importância da segurança dos voos".
O Tribunal de Apelação considerou existir acusações suficientes contra a Air France por "se abster de implementar a formação adequada" face ao congelamento das sondas, "o que impediu os pilotos de reagir conforme necessário".
A Airbus foi acusada de ter "subestimado a gravidade das falhas dos sensores de velocidade instalados na aeronave A330, ao não tomar todas as medidas necessárias para informar com urgência as tripulações das empresas operadoras e contribuir para a sua formação eficaz".
Guillaume Faury disse que a fabricante montou uma "organização" para chegar "o mais próximo possível de zero acidentes" e que a segurança era a sua "prioridade", pelo que considerou que "estas queixas não se justificam".
Falhas nessas sondas foram registradas nos meses anteriores ao acidente. Após o desastre, o modelo afetado foi substituído em todo o mundo. A tragédia também levou a outras modificações técnicas no campo aeronáutico e reforçou o treinamento em estol, bem como no estresse da tripulação.
Gaúchos dentre as vítimas do acidente
Dentre as vítimas brasileiras da tragédia do voo Rio-Paris, estavam os gaúchos Roberto Corrêa Chem, 66 anos, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Porto Alegre, sua esposa Vera Chem, 64 anos, psicóloga, e uma das filhas do casal, a gerente de roaming internacional da operadora Oi, Letícia Chem, 36 anos. Eles viajavam a turismo e iriam à Grécia.
Além de cirurgião plástico, Chem era diretor do Banco de Tecidos Humanos - Pele da Santa Casa, do qual foi grande incentivador da criação. De acordo com reportagem de 2009 do Correio do Povo, a ideia do cirurgião era incrementar o banco através de pacientes de cirurgia plástica estética, que fazem retiradas de grande volume de pele do abdômem. A transferência de pele entre indivíduos é um tipo de transplante e funciona como um curativo biológico para vítimas de graves queimaduras.
Vera, além de psicanalista, era docente do curso de Psicoterapia Psicanalítica no Instituto Abuchaim, instituição de pós-graduação e especialização para psicólogos e médicos. No ano do acidente, Vera havia se tornado membro titular da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP).
O casal também trabalhava na Clínica Chem, no bairro Petrópolis, junto aos filhos Eduardo Chem, cirurgião plástico, Carolina Chem, psicóloga, e à nora Fabiane Chem, pneumopediatra.
Os corpos de Vera e Roberto foram encontrados somente em novembro de 2011. Eles foram cremados no dia 02 de dezembrp 2011, após um velório realizado no cemitério Jardim da Paz.
AFP e Correio do Povo
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