domingo, 28 de agosto de 2022

Seis meses de resistência

 Jurandir Soares

A guerra desencadeada contra a Ucrânia, que o presidente Vladimir Putin classificou de “operação militar especial”, virou do avesso a vida de milhões de cidadãos ucranianos. Um contingente significativo, especialmente de mulheres e crianças, buscou refúgio em países vizinhos. Os que ficaram tiveram que se reciclar para exercer outras funções diferentes e menos nobres do que as que exerciam. Isto contando com a sorte de não ver suas residências irem para os ares, como aconteceu com muita gente. E um grande número de homens, dos 18 aos 60 anos, foi incorporado ao exército para defender o país. Fala-se em 13 mil mortos no conflito, mas, não há número oficial. Nem por parte da Ucrânia, nem da Rússia.

O que se tem de certo é que aquela operação desencadeada em 24 de fevereiro tinha por objetivo, no prazo de uma semana, chegar a Kiev, tomar a cidade, destituir Volodimyr Zelensky do poder e colocar um títere em seu lugar. Os russos não dimensionaram a resistência ucraniana, que fez seus tanques darem meia volta. Diante disto, Putin mandou suas tropas para a região do Donbas, no Leste do país, onde existe uma população de origem russa que quer a anexação da região a Moscou. Não foi sem razão que, antes de deflagrar a guerra, Putin anunciou o reconhecimento da independência das províncias de Lugansk e Donetsk. 

Hoje, Donetsk está praticamente sob o controle das forças russas, que avançaram depois de terem destruído completamente a cidade de Mariupol. Ação feita para estabelecer a ligação entre a região do Donbas, no Leste, e a província da Crimeia, no Sul, a qual foi arrancada da Ucrânia em 2014. Ironicamente, foi ali na Crimeia que os russos sofreram uma grande derrota, quando nove de seus aviões caças foram destruídos no solo por disparos ucranianos. Zelensky aproveitou para dizer que era uma questão de honra a recuperação da Crimeia. Porém, mais do que recuperar a Crimeia, Zelensky precisa preservar a vizinha Odessa, situada mais a Oeste, que tem sido alvo de bombardeios por parte dos russos. Acontece que ali situa-se o mais importante porto ucraniano, por onde o país escoa sua produção através do Mar Negro. Aliás, é por ali que tem saído os navios com cereais, fruto da negociação mediada pela Turquia e pela ONU, que permitiu também à Rússia fazer suas exportações, mediante o compromisso de retirar as minas do Mar Negro. A propósito de Turquia, o presidente daquele país, Recep Tayyip Erdogan, que é amigo tanto de Putin quanto de Zelensky, resolveu sair a campo em busca de uma mediação para o conflito. Sua maior preocupação, assim como de todos os europeus, era com a usina nuclear de Zaporizhzhia, considerada a maior da Europa, que fora bombardeada e que estava sob controle russo. E, por conseguinte, sem o controle dos agentes nucleares ucranianos. Mas, para alívio de todos, na quarta-feira, a empresa que administra a usina informou que os dois últimos reatores foram desativados e que a planta foi desconectada da rede elétrica ucraniana. Na sexta-feira, porém, ela foi reconectada à rede ucraniana. A Europa não esquece do acidente com Chernobyl, em 1985.

Nesta quarta-feira, 24, a Ucrânia comemorou os 31 anos de sua independência da antiga União Soviética. E, como era esperado, vários bombardeios russos aconteceram. Fato que levou o Ocidente, que vem fornecendo armamentos para a Ucrânia, aumentar sua ajuda. O premiê britânico Boris Johnson, que foi a Kiev nesse dia, anunciou 63,5 milhões de dólares em ajuda ao país e mais o envio de dois mil drones e o norte-americano Joe Biden uma ajuda de 3 bilhões de dólares. No somatório, os EUA já destinaram mais de 13 bilhões de dólares para a Ucrânia. Isto, somado ao que a maioria dos países da União Europeia tem mandado, é que tem possibilitado esta resistência de seis meses dos ucranianos. O problema, no entanto, é que não se vislumbra nem mesmo um cessar fogo, quanto mais o término do conflito. A tendência é este seguir se arrastando, com o consequente sofrimento da população ucraniana, que, em última análise, é quem padece.


Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário