Para driblar o risco de escassez de diesel a partir de agosto, as principais distribuidoras de combustíveis do País aumentaram em mais de dez vezes o número de pedidos para importação do produto nos últimos meses. Existe o receio de que, na esteira da guerra entre Rússia e Ucrânia, parte dos países da Europa passe a usar mais diesel no lugar do gás russo.
Outros fatores levados em conta são o início das férias de verão no Hemisfério Norte e a previsão de furações na costa dos EUA – que costumam provocar a paralisação da produção local. No Brasil, que depende em até 30% das importações, a demanda tende a crescer com o escoamento da safra agrícola.
Em abril, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) emitiu 305 licenças de importação de diesel. Um mês depois, o número de autorizações saltou para 433 – 12 vezes mais do que a média registrada no primeiro trimestre do ano, de 36 licenças por mês. Em anos anteriores, esse número raramente ultrapassou a casa das 30 emissões mensais.
As licenças têm validade de 90 dias, renováveis por igual período. Essas autorizações não são uma garantia de importação à frente, mas agentes do setor confirmam que a explosão dos números traduz o momento do mercado de combustíveis, indicando esforço das empresas para importar volumes maiores ou, pelo menos, diversificar sua origem à frente.
Dados da ANP sobre fornecimento de combustível mostram que, entre produção local e importação, a Petrobras forneceu 81% do diesel do País nos quatro primeiros meses do ano – o equivalente a 13,6 milhões de metros cúbicos. O porcentual é inferior ao fornecido pela estatal em 2019 (85,12%), o último ano antes da pandemia, com demanda doméstica mais estável.
O consumo brasileiro aumenta, sobretudo, entre agosto e outubro, quando é puxado pela colheita e transporte da safra agrícola. Paralelamente, diz Felipe Perez, estrategista de downstream da consultoria S&P Global, a demanda global no pós-pandemia retornou mais rápido do que a oferta, e as cargas do refinado devem se tornar cada vez mais disputadas.
Até o início da guerra na Ucrânia, cerca de 60% do diesel consumido pelos europeus vinha da Rússia, porcentual em queda gradual devido às sanções. Segundo Perez, a alternativa natural da Europa é o diesel das refinarias do Oriente Médio e Ásia, mas as cargas americanas do Golfo do México também entraram na mira europeia.
O presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), Eberaldo de Almeida, afirma que os europeus já têm importado diesel da costa do Atlântico e que o mercado está “mais curto”. Isso, diz ele, fica claro pelo maior tempo de espera por cargas e pela queda de volume disponível para encomendas. “Antes, havia pelo menos 15 navios de diesel disponíveis; hoje, são dois ou três.”
Concentração
A profusão de licenças para importação de diesel se concentra nas três maiores distribuidoras do País: Vibra (antiga BR Distribuidora), Raízen e Ipiranga. Pelos relatórios da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), 81,5% das 848 licenças emitidas nos primeiros cinco meses do ano pertencem às três empresas. Em termos de volume, a fatia chega a 76,6% do total.
Em seguida, vem a Petrobras, com 10 licenças de importação, mas com o equivalente a 11,9% do volume total autorizado para compras no exterior. Historicamente, a estatal produz ao menos três quartos de todo o diesel consumido no País, mas também importa combustível para cumprir contratos de fornecimento.
Ex-presidente da ANP e hoje à frente do comando da petrolífera Enauta, Décio Oddone avalia que o pico de licenças está associado à necessidade de garantir combustível a clientes com que as três empresas têm contratos ativos ou de mais longo prazo, mesmo que com margens menos atrativas que de costume.
Pequenos e médios importadores, por sua vez, podem esperar por uma conjuntura de preços mais vantajosa para operar. Eles têm afirmado, porém, que a tentativa do governo Bolsonaro de interferir nos reajustes dos combustíveis (que hoje seguem a variação do barril de petróleo no mercado internacional) pode inviabilizar financeiramente a importação do produto. Importadores independentes não teriam como concorrer com a Petrobras, que ficaria com preços defasados em relação ao exterior.
A Vibra informou que atua para garantir o fornecimento à rede de clientes contratuais e usuais e que, desde o fim do ano passado, ampliou as importações para fazer frente à recuperação da demanda pós-pandemia e à sinalização, dada pela Petrobras, de que haveria limitações para o atendimento da integralidade dos pedidos.
O Sul
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