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sexta-feira, 29 de abril de 2022

Jejum intermitente: especialistas divergem se prática é ou não recomendada

 Medida consiste em ficar várias horas sem comer para emagrecer



Prática que virou uma verdadeira febre entre a população que almeja emagrecer, o jejum intermitente é um assunto que polariza opiniões. Especialistas da área da saúde costumam discordar se a medida é recomendável ou não. A atividade consiste em ficar longos períodos sem comer para auxiliar na perda de peso. Inicialmente, o horário de alimentação pode ser restringido em 8 horas, mas pode chegar a 12, 16 ou até mesmo 24 horas, de forma mais extrema. 

O professor do serviço de endocrinologia e metabologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e docente na Ufrgs, Fernando Gerchman, é um dos especialistas que costumam recomendar o jejum intermitente como dieta. Para o profissional, a prática é segura, mas contraindicações existem e podem ser avaliadas realizando consulta. "Tem pacientes que tu não vais querer fazer (o acompanhamento), que tu achas que o paciente não vai conseguir ter uma boa aceitabilidade. E aí pode ser recomendada uma dieta hipocalórica (cardápio de baixas calorias), que não tenha restrição de tempo", enfatiza.  

Já para a nutricionista clínica Cintia Squeff, o jejum intermitente tem mais chances de trazer problemas do que benefícios. "Para fazer esse tipo de jejum, a pessoa tem que estar bem saudável. Ele é um tratamento de ataque, tu tens que confiar muito no paciente. É perigoso, meio arriscado de fazer", explica. A especialista conta que recentemente presenciou a queda de uma mulher por ter ficado tonta após ficar 16 horas sem se alimentar. "Ele (jejum) pode dar tontura, falta de concentração, mau humor", pontua.

A estudante de Engenharia de Produção, Kethlin Cruz, 22, conheceu o jejum intermitente pelo YouTube. Ela usa a prática há dois anos e afirmou se sentir bem, com uma perda de até 9 quilos em conjunto com uma dieta. Segundo ela, a medida só adianta se ela cuidar a alimentação dentro dos horários disponíveis para comer, a chamada janela alimentar. "Quando eu não estou seguindo nenhuma dieta, ou seja, estou comendo normal e decido fazer o jejum, vejo que ele me dá aquele empurrão para episódios de compulsão. Quando estou na janela de alimentação, exagero e acabo comendo tudo que não comi durante o tempo em que fiquei em jejum. Fazendo dieta funciona, mas sem ela, só piora as coisas", afirma. 

A funcionária da área de Marketing, Helen Bermudes, 28, já começou há menos tempo. Ela iniciou o jejum intermitente há três semanas e descobriu sobre a restrição cerca de 30 dias atrás pelo TikTok e Instagram. "Eu comecei a seguir uma moça que também passa pelo processo de pós-parto. Quero potencializar meu processo de emagrecimento, faço a reeducação alimentar, abdominal hipopressivo e por fim o jejum. Comecei com 14 horas e agora aumentei a duração (16h)", diz.   

Influência das redes sociais 

O médico Fernando Gerchman afirma que embora o jejum intermitente seja uma opção viável para emagrecer, muitas pessoas acabam iniciando a prática ao serem influenciados nas redes sociais, o que pode trazer riscos para a saúde. "Tem muita desinformação sobre jejum intermitente por aí, é uma coisa que nós estamos tentando combater. Antes de qualquer dieta, tem que fazer avaliação clínica. Baseado nisso, a gente vai ter uma ideia se há alguma contraindicação ou não", ressalta. Ele exemplifica que pessoas com a saúde mais frágil e com problemas de equilíbrio, por exemplo, podem acabar não aderindo ao jejum. 

Para a nutricionista Cintia Squeff, o contato das pessoas nas redes sociais e um início do jejum intermitente logo após ver as publicações têm a ver com a população achar que o emagrecimento é algo rápido e sem muita complexidade. "As pessoas estão acostumadas com esse imediatismo. E esquecem que emagrecimento não é só alimentação. É alimentação em cerca de 80%, mas também existem fatores como saúde mental e funcionamento de órgãos como o intestino, por exemplo, que influenciam bastante no processo", enfatiza. 

A funcionária da área do Marketing, Helen Bermudes, faz acompanhamento com uma nutricionista do Sistema Único de Saúde (SUS), que a indica alimentos mais acessíveis que podem ser consumidos na janela alimentar. Além disso, possui dois aplicativos para auxiliar na prática. Um deles aponta uma espécie de "relógio do jejum", onde é apresentado a quantidade de tempo sem comer e quando deve iniciar o próximo ciclo de restrição alimentar. Já Kethlin Cruz não faz acompanhamento com profissionais da saúde, mas também registra o jejum alimentar em um app. "Foi independente (o processo do jejum), mas tento consumir o conteúdo de alguns nutricionistas", diz. 


Muitas pessoas conhecem o jejum intermitente por meio das redes sociais | Foto: Ricardo Giusti 

Estudo na China diz que o jejum não é mais efetivo do que outras restrições alimentares 

Um estudo na China com duração de um ano, publicado pela The New England Journal of Medicine na semana passada, com 71 homens e 68 mulheres, concluiu que a medida não é mais afetiva do que restrições puramente calóricas para emagrecer. Como metodologia, os cientistas fizeram restrições calóricas e acompanharam a dieta de dois grupos. A diferença é que um deles tinha apenas 8 horas (das 8h às 16h) para comer e o outro não tinha a restrição de tempo para alimentação. 

O consumo de calorias (0% a 55% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 20 a 30% de gordura) dos dois públicos foi para 1,5 mil a 1,8 mil kcal no grupo masculino e 1,2 mil a 1,5 mil no feminino, e os participantes foram encorajados a pesar os alimentos para certificar o consumo nas proporções corretas.  

Os indivíduos também deviam anotar o consumo alimentar diário e tirar fotos dos alimentos, além de detalhar o acompanhamento em aplicativo específico para o estudo. No final, o grupo que não fez o jejum intermitente perdeu em média 6,3 quilos, e as pessoas que fizeram perderam 8 quilos. Conforme os pesquisadores, o resultado não é o suficiente para declarar o jejum intermitente como uma forma mais sucedida de perder peso.  

Jejum conforme rotina e condições físicas  

O médico Fernando Gerchman acredita que a questão central não deve ser a eficácia do jejum intermitente em relação a outros regimes. A maior discussão, segundo ele, é que a medida juntamente de uma alimentação saudável traz resultados satisfatórios para o emagrecimento. "A gente está tentando descobrir qual é o melhor perfil para indicar o jejum intermitente. Já tem estudos em população variadas, numa população com diabetes mellitus tipo 2 . E os resultados são que eles (jejuns) são efetivos em causar perda de peso e até eventualmente fazer o controle glicêmico", declara.  

A profissional do Marketing, Helen Bermudes, conseguiu adaptar o jejum começando mais pela noite. Desta forma, ela consegue parar de comer em um horário não tão cedo e se alimentar no dia seguinte perto do meio-dia. “Tá sendo super tranquilo, pois faço durante a noite. Minha última refeição acaba sendo por volta das 20h”, afirma.   

Para ela, o jejum a ajudou a ter menos vontade de comer, sem a necessidade de precisar de grandes quantias de alimento para estar satisfeita após uma refeição. "Tá auxiliando bastante. Até sinto que fico mais saciada ao me alimentar", afirma. A estudante de Engenharia de Produção, Kethlin Cruz, destaca também o mesmo benefício. "A diferença mais importante para mim foi a quantidade de comida que comia antes para o quanto consigo comer agora. É exorbitante", ressalta.  

Necessidade de cautela, alertam nutricionistas 

A nutricionista Cintia Squeff entende que o tema deve ser tratado com cautela e alerta que, caso a pessoa realmente queira começar a prática, deve iniciar o período de restrição alimentar pela noite. Por exemplo, das 19h até as 7h do dia seguinte. "Ele pode trazer benefícios, controle de glicemia, redução de gordura corporal, além de reduzir pressão arterial", diz. "O jejum pode não ser bom para diabéticos, grávidas e mulheres lactantes", ressalta.  

Squeff menciona que um grande problema é o fato das pessoas não cuidarem a alimentação no período de janela alimentar. "Tem pacientes que ficam 16, 24 horas sem comer e comem um xis, depois passam mal. Nas consultas, prefiro cortar alimentação dos pacientes em um horário mais cedo, mas não fazer esse jejum", argumenta.  

Críticas aos estudos 

A nutricionista assistencial do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Porto Alegre, Jéssica Polet, critica os estudos feitos sobre o jejum intermitente. Segundo ela, faltam pesquisas que apresentem os efeitos da prática a longo prazo e o público-alvo das análises costuma ser de pessoas jovens e adultos de meia-idade com sobrepeso, não existindo uma clareza dos possíveis benefícios para indivíduos de outras faixas etárias. Ela também não costuma recomendar o jejum intermitente. "Acredito que é uma estratégia que pode ser adotada em alguns casos específicos e em curto prazo, como um 'start' de mudanças alimentares, mas não um padrão alimentar a ser estimulado para todas as pessoas", destaca.  

Sobre a possibilidade de pessoas idosas fazerem o regime, Fernando Gerchman afirma que todo caso deve ser analisado. "Eu cada vez mais acho que a idade não devia ser um impeditivo de nada. A gente tem hoje em dia pessoas com 80 anos de idade em plena saúde física. Evidentemente, as populações mais idosas vão ter uma tolerância menor a dietas que são mais modificadoras de vida. Elas estão há muito tempo com o hábito alimentar fixo", explica.  

Jejum a longo prazo

Tanto Kethlin Cruz, quanto Helen Bermudes, dizem que o jejum intermitente não deve ser algo momentâneo em suas vidas, e sim, uma prática que deve seguir com elas por bastante tempo ainda. "Eu gosto de fazer jejum. A maioria das vezes me sinto bem quando faço. Então, talvez sim, eu siga fazendo por um longo prazo", afirma Kethlin. "Sinto que pode ser a longo prazo. Vejo que está sendo benéfico", destaca Helen. 

A nutricionista Jéssica Polet não acredita que o jejum intermitente deve ser feito por bastante tempo, por considerar que isso pode acarretar em vários malefícios à saúde das pessoas. "O jejum praticado por longos períodos e com muita frequência pode levar a deficiências nutricionais, desidratação, desmaios e agravar distúrbios alimentares, como a compulsão alimentar", ressalta. 

Fernando Gerchman afirma que as pesquisas sobre o jejum intermitente ainda não são avançadas e futuramente possa estar mais claro quem tem todas as recomendações para fazer. "A gente está ainda muito distante de, a partir de características físicas e genéticas, botar o assunto no computador e por inteligência artificial recomendar esse tipo de dieta. Nós vamos chegar lá conforme os anos passarem", projeta.

Correio do Povo

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