terça-feira, 1 de março de 2022

Russos fazem fila para comprar dólar, e a cotação do rublo atinge mínima histórica

 


O anúncio de duras sanções econômicas dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia, por causa da guerra na Ucrânia, que incluem a retirada de vários bancos russos do sistema internacional de pagamentos Swift e o bloqueio das reservas internacionais do governo de Moscou no exterior, provocou uma corrida para compra de dólares no país em pleno domingo e fez as cotações do rublo desabarem.

A Rússia tem uma das maiores reservas internacionais do mundo, estimadas em US$ 630 bilhões, e ainda que grande parte desses ativos não estejam mais denominados em dólar, o súbito bloqueio de sua movimentação pode causar um forte desequilíbrio nos mercados cambiais globais.

Ao mesmo tempo, a restrição de acesso ao Swift dificultará transações corriqueiras de exportações e importações, compras internacionais e pagamentos cotidianos de consumidores russos.

Ontem, em Moscou, muitos relataram não conseguir mais acesso a meios digitais de pagamento como Apple Pay e Google Pay. Muitos tentaram, sem sucesso, sacar dólares em caixas eletrônicos.

Analistas avaliam que o tamanho do estrago dependerá da capacidade — ou não — de Moscou conter os danos. Nesse domingo, o Banco da Rússia (o banco central do país) divulgou comunicado garantindo que “teria os recursos e ferramentas para manter a estabilidade e a continuidade operacional do setor financeiro”. Também prometeu fornecer aos bancos suprimentos “ininterruptos” de rublos, mas não fez menção à moeda estrangeira. Num cenário extremo, uma corrida por saques poderia criar o risco de insolvência bancária.

“Imagino que o governo russo tenha algum tipo de plano para minimizar essa situação, o que não impede que filas enormes de russos tentando salvar o patrimônio se formem, porque a gente não sabe quanto tempo isso vai durar”, afirma Carlos Carvalho, gestor da Kinitro Capital, lembrando que Moscou se preparou para a guerra e para as sanções,

“Estamos nos primeiros capítulos desse drama. É um momento delicado. Não vemos algo parecido desde a Segunda Guerra. Putin (o presidente russo Vladimir Putin) escolheu a dedo o momento de fazer essa invasão, já que se viu em posição de superioridade em relação à questão do petróleo e do gás natural, com a pressão inflacionária. Não tenho a menor dúvida de que ele vinha se preparando para as retaliações econômicas”, sugere Carvalho.

Rublo desvalorizado

As filas nos caixas eletrônicos se formaram desde ontem cedo. Na sexta-feira, a moeda russa já havia atingido sua mínima histórica, com o dólar sendo vendido a 83 rublos. No domingo, a moeda americana era comercializada acima de 100 rublos em casas de câmbio, renovando o patamar mínimo. A expectativa é que haja nova desvalorização hoje — de 10% a 15%, na avaliação de Carvalho — e que ocorra uma corrida aos bancos em busca de dinheiro.

“Fiquei na fila por uma hora, mas a moeda estrangeira sumiu em todos os lugares, apenas rublos. Acabei vindo tarde porque não achava que isso fosse possível. Estou chocado”, disse Vladimir, um programador de 28 anos que esperava na fila em frente a um caixa eletrônico em São Petersburgo, que se recusou a dar seu sobrenome.

A última vez que a Rússia enfrentou uma grande corrida aos bancos foi em 2014, quando a queda dos preços do petróleo, na sequência das sanções ocidentais em retaliação à anexação da Crimeia, provocou uma queda na taxa de câmbio. Apenas o Sberbank, o maior banco da Rússia, gastou 1,3 trilhão de rublos (US$ 16 bilhões) em uma única semana naquela ocasião.

Professor de economia da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia, Antônio Corrêa de Lacerda, avalia que a guerra na Ucrânia e as sanções impostas à Rússia devem provocar alta volatilidade nos mercados nos próximos dias, levando à alta do dólar, além de impactar os juros e as Bolsas globais. Segundo Lacerda, a corrida aos bancos é “natural em momentos de instabilidade”.

“Quando você coloca sanções dificulta a expansão do comércio internacional, o que é uma notícia ruim para o mundo que saiu da pandemia”, afirma Lacerda.

Para o economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, o que deve gerar mais impacto hoje sobre os mercados é a notícia de que Putin colocou as forças de dissuasão nuclear em alerta máximo: “Os mercados estão muito tensos. A tendência é de queda no médio prazo, a não ser que aconteça alguma conversa entre Rússia e Ucrânia. Veremos também muita volatilidade, afetando inclusive as criptomoedas e o preço do ouro”.

Espírito Santo ainda diz que a inflação, que já vem alta, vai gerar incômodo ainda maior para os bancos centrais, que se verão em uma encruzilhada. Se subirem o juro para conter a inflação, correm o risco de enfrentar mais à frente uma eventual recessão. O Brasil não é exceção.

“O quadro brasileiro independentemente da guerra já não era favorável. Havia estagnação com inflação persistente. E a guerra vai tornar mais difícil o crescimento da economia porque vai haver pressões inflacionárias e pode haver uma desvalorização do real frente ao dólar”, diz Lacerda.

O Sul

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