por Patrícia Cavalheiro
A pandemia de Covid-19 agravou uma situação já vivida por milhares de brasileiros: o superendividamento. Um relatório apresentado em fevereiro, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), braço institucional da ONU, mostrou que sete em cada dez famílias brasileiras se endividaram durante a pandemia. A estimativa é de que 43,2% dessas famílias não conseguirão honrar seus compromissos financeiros.
O Tribunal de Justiça foi pioneiro no enfrentamento das questões relacionadas ao superendividamento. Desde 2006, são desenvolvidos projetos que acabaram consolidando a prática junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). O objetivo sempre foi a renegociação coletiva das dívidas para que as pessoas com dificuldades financeiras pudessem organizar a vida.
Cejusc do Cidadão On-line
Para aprimorar esse atendimento durante a pandemia, o TJRS criou o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) do Cidadão On-line, em setembro de 2020. O objetivo é facilitar o acesso da sociedade ao Poder Judiciário e às ferramentas de autocomposição. Só no ano passado, foram encaminhadas 28 solicitações ao CEJUSC do Cidadão On-line para solucionar problemas de superendividamento por meio dos métodos autocompositivos.
O Juiz de Direito Coordenador do CEJUSC do Cidadão On-line, Marcelo Malizia Cabral, ressalta a importância deste espaço: “Diariamente, atendemos nesta plataforma virtual centenas de consumidores de todo Rio Grande do Sul e, por meio do diálogo, do entendimento, da empatia, nós temos acolhido muitos consumidores e colocado muitos deles no diálogo com fornecedores de produtos e serviços. E, por meio da conciliação e da mediação, estamos chegando a resultados muito satisfatórios. Estamos atingindo entendimentos, num meio moderno no tratamento de conflitos, que é a mediação e a conciliação, onde o cidadão pode acessar on-line a plataforma disponível no site do TJRS e, em 30 dias, já terá agendada a sessão de conciliação ou mediação e poderá conversar com credores, fornecedores. Esta é uma forma de se estabelecer consenso de forma rápida, segura e sem burocracia”.
Lei do Superendividamento
Recentemente, a Lei 14.181, conhecida como Lei do Superendividamento, alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e prevenir o superendividamento.
Um trabalho de pesquisa realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelas Juízas de Direito do TJRS, Clarissa Costa de Lima e Káren Rick Danilevicz Bertoncello, possibilitou as bases para a criação da Lei.
De acordo com a Juíza de Direito Clarissa Costa de Lima, “a nova Lei atualiza o CDC para prevenir e tratar o superendividamento do consumidor pessoa natural, de boa-fé, e que esteja com o mínimo existencial comprometido com o pagamento de dívidas de consumo”.
Confira alguns pontos da Lei 14.181:
- O princípio do crédito responsável atribui aos fornecedores o dever de avaliação da capacidade de reembolso do consumidor antes da concessão do crédito, instituindo a cultura do pagamento das dívidas.
- A nova legislação combate o assédio ao consumo no mercado, especialmente para proteger os idosos, analfabetos e pessoas com baixa instrução.
-O fornecedor e seus intermediários devem dar informações e esclarecimentos adequados ao consumidor, considerando sua idade, saúde, conhecimentos, condição social e também entregar uma cópia do contrato.
-Fica proibida a oferta de crédito nas situações em que a operação poderá ser concluída sem a consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da capacidade de reembolso, e em que se oculte ou dificulte a compreensão sobre os riscos e os ônus da contratação.
- É instituído um procedimento para o tratamento do superendividamento com estímulo à conciliação em bloco de todas as dívidas de consumo.
Caso a conciliação não seja exitosa, o consumidor pode requerer a instauração do processo por superendividamento, no qual o Juiz de Direito estabelecerá um plano compulsório de pagamento das dívidas, assegurando a preservação do mínimo existencial.
A nova regulamentação traz o que já vem sendo feito no âmbito do TJRS e serviu de referência para outros Tribunais de Justiça, como do Paraná, São Paulo, Pernambuco, Bahia e Distrito Federal. Os resultados positivos resultaram na aprovação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Recomendação 125, de 24/12/2021, para que os Tribunais brasileiros adotem um procedimento com base nas boas práticas em funcionamento, além de recomendar a implementação dos Núcleos de Conciliação e Mediação de Conflitos oriundos do Superendividamento junto aos CEJUSCs já existentes.
”O superendividamento afeta não só a questão econômica dos cidadãos, mas também a social e a de saúde. Todo este cenário nos mostra que é necessária a atuação urgente e efetiva do poder público, especialmente para a inclusão dos consumidores no mercado de trabalho a fim de que possam quitar as dívidas e voltar para o mercado de consumo”, concluiu a Juíza Clarissa Costa de Lima.
Fonte: TJRS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - 14/03/2022 e SOS Consumidor
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