quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Regras eleitorais tendem a reduzir número de partidos na Câmara a patamar de 2002

 


Uma combinação de regras que vai entrar em cena pela primeira vez nas eleições de 2022 promete mudanças significativas na política nacional e já mobiliza os partidos brasileiros. Além dos holofotes já apontados para a disputa pelo Palácio do Planalto, o fim das coligações proporcionais associado ao aumento da cláusula de desempenho, ambas com efeitos diretos na formação das bancadas na Câmara dos Deputados, significa aumento de poder de fogo para algumas legendas e risco de extinção a outras.

Para o fragmentado sistema partidário brasileiro, é a oportunidade de retomar os patamares de até duas décadas atrás e reduzir os custos de governabilidade nos próximos mandatos presidenciais.

Essas regras eleitorais já foram adotadas nas últimas duas votações, mas separadamente. Em 2020, os partidos só puderam se aliar em torno de candidatos a prefeito, e não mais a vereador – ou seja, ainda que as siglas A, B e C estivessem em uma mesma coligação para a prefeitura de uma cidade, as bancadas nas Câmaras Municipais de cada uma dessas agremiações foram eleitas separadamente, sem que uma pudesse “puxar” a outra.

Dois anos antes, em 2018, havia entrado em vigor a cláusula de desempenho, ou cláusula de barreira. Os partidos tiveram de receber pelo menos 1,5% dos votos válidos para deputados federais em pelo menos nove estados, com 1% em cada, ou eleger 9 parlamentares em 9 unidades federativas diferentes – caso contrário, deixariam de ter direito a dinheiro do Fundo Partidário e tempo de propaganda no rádio e na TV. Em 2022, o percentual subirá para 2% dos votos válidos, e a alternativa em número de deputados subirá para 11 eleitos, ainda em 9 estados.

Menos fragmentação partidária, maior governabilidade

Se as previsões de cientistas políticos e dirigentes partidários se confirmarem, o presidente que vencer as eleições em outubro encontrará em 2023 um Legislativo com menos de 20 siglas, patamar inédito desde o pleito de 2002, quando saíram das urnas 19 bancadas de deputados. Além disso, deve pelo menos dobrar ou até triplicar o número de partidos com mais de 50 integrantes da Câmara – hoje, só PSL e PT superam esse número, equivalente a 10% dos 513 membros da Casa.

Há duas décadas, as eleições têm levado mais de 20 siglas diferentes para a Câmara, e sempre em número maior que o pleito anterior. Isso significa maiores custos de articulação política para a governabilidade, independentemente da orientação ideológica do presidente (governador ou prefeito) de momento – na prática, menos chance de um mandatário fazer sua agenda ser aprovada no Congresso. Em 2018, foram eleitos 513 deputados filiados a 30 diferentes partidos, recorde histórico e número seis vezes superior ao que existia em 1982, primeira eleição do atual sistema pluripartidário.

Como em 2018 já estava em vigor a cláusula de desempenho, o número de partidos diminuiu ao longo do ano com a incorporação de siglas que não superaram a barreira por outras (o PRP foi absorvido pelo Patriota; o PPL, pelo PC do B; e o PHS, pelo Podemos) e após migrações dos políticos. Hoje, são 24 as legendas com pelo menos um parlamentar na Câmara – ainda assim, o dobro das 12 agremiações de 1986.

O aumento da cláusula e o risco de ficar sem dinheiro nem tempo de propaganda já provocaram movimentações entre os partidos, como as negociações para a fusão entre PSL e DEM em torno do União Brasil, e levou o Congresso Nacional a aprovar o mecanismo das federações partidárias, discutido principalmente entre legendas de esquerda, como o PC do B, que não quer fazer coincidir com seu centenário, em 2022, o risco de extinção.

Objeto de controversa, as federações diferem das coligações por terem maior duração – quatro anos, ou seja, envolvem tanto eleições nacionais quanto estaduais e municipais – e exigirem um estatuto e diretório único, ainda que cada partido possa manter seu quadro de filiados e número de legenda.

Número efetivo de partidos

Para a ciência política, o número absoluto de partidos representados em uma Casa legislativa é relevante, mas pode provocar distorções, pois há bancadas com maior e menor peso político a partir do número de integrantes. Por isso, costuma ser feito um cálculo para se chegar ao Número Efetivo de Partidos (NEP), criado pelo finlandês Markkus Laakso e pelo estoniano Rein Taagepera. A matemática ajuda a entender por que a redução de 30 para 24 bancadas pouco muda na fragmentação partidária da Câmara e como a próxima legislatura, sim, pode trazer alterações significativas no cenário.

Nas eleições de 2018, o NEP chegou ao recorde de 16,54 – um nível de dispersão praticamente sem igual no mundo. Com as atuais 24 bancadas, o índice pouco muda e fica em 15,45. Vinte anos atrás, em 2002, embora tenham sido eleitos deputados por 19 legendas diferentes, o número efetivo de partidos era de 8,49, quase metade do nível de fragmentação observado hoje em dia.

Ainda é uma dispersão alta para os padrões das principais democracias do mundo e mesmo para vizinhos da América do Sul – dificilmente esse índice é maior do que 6, salvo exceções como Holanda e, atualmente, Israel, conforme levantamento do cientista político Michael Gallagher, da Universidade de Dublin (Irlanda).

Mas seria uma boa notícia para o próximo mandatário presidencial ter uma Câmara menos fragmentada e a reversão de uma tendência que tem marcado a política brasileira desde a redemocratização – e que explica parte do descrédito do sistema entre os eleitores.

O Sul

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