Quase dois meses após a dissolução do Parlamento, Portugal decide nas eleições legislativas antecipadas deste domingo se vira à direita ou segue com governo de centro-esquerda. Em caso de derrota, o primeiro-ministro António Costa prometeu que deixará a liderança do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda.
A última pesquisa, da Universidade Católica, aponta vitória apertada do PS com 36% contra os 33% do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita e liderado por Rui Rio. Mas Costa só será líder de uma maioria parlamentar à esquerda se reativar a Geringonça. A coligação com o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) surgiu em 2015 para sustentar o governo, mas foi implodida por Costa após a eleição de 2019.
Depois de ter o seu Orçamento de Estado reprovado pelos deputados da oposição, com a ajuda do BE e do PCP, o premier julgou que a culpa cairia sobre eles e que o PS herdaria os votos dos antigos parceiros, obtendo a maioria de 116 assentos parlamentares. Calculou errado e voltará a depender dos ex-aliados em um possível novo governo.
Não foi o primeiro erro recente de análise de Costa. Após desfazer acordo com a Geringonça, que garantiria a aprovação de Orçamentos e evitaria crises políticas, o líder viu no ano passado seu partido perder a prefeitura de Lisboa para o PSD após 14 anos. Agora, evitou fazer concessões à esquerda no Orçamento e saiu em campanha apostando que elegeria os deputados necessários para o domínio parlamentar. No meio da última semana, mudou o discurso ao perceber que era impossível obter a maioria e falou em negociar de novo com a esquerda, mesmo sem admitir claramente.
“Não é (negociar) com a esquerda, é com os portugueses. O nosso programa é o programa do PS e tem a ver com aquilo que são as necessidades reais do país”, disse Costa.
Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo apontam a soberba, o desgaste do governo, a ambição por um cargo internacional na União Europeia e o cansaço para justificar os recentes equívocos de Costa. André Freire, sociólogo e professor do Instituto Universitário de Lisboa, vê o premier como principal culpado pela crise política desnecessária e pelas eleições antecipadas em meio à pandemia de covid-19.
“Apostou na estratégia de maioria absoluta incerta e jogou o país em eleições antecipadas, pondo em risco o governo e sua vida política. Se ele não ficar em primeiro, acho que vai para casa. Se a esquerda tiver mesmo a maioria, pode acontecer como em 2015, com ele à frente, porque não se muda um líder da noite para o dia”, explicou Freire.
Para André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, o desgaste de Costa é visível e ajudou no crescimento do PSD, que votou a favor de cerca de dois terços das propostas do governo na última legislatura, justamente enquanto a relação com os aliados de esquerda enfraquecia.
“Costa perdeu a direção e tem sido contraditório, porque há cansaço devido aos seis anos de governo, agravados com os dois últimos e desgastantes anos da pandemia. É visível a sua falta de energia, que passa para o eleitor, põe em risco seu futuro político e facilita erros de cálculo. O pior deles foi subestimar Rui Rio, que nem tem tido grande desempenho assim”, analisou Alves.
Isabel David, cientista política e professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, enxerga um futuro para Costa longe de Portugal. E indica que ele pode ter começado a pavimentar o caminho. “Ele é inteligente, mas tem sido soberbo e arrogante. Teve a ideia de que poderia fazer o que quisesse, que ganharia a eleição com maioria, uma displicência. Vejo uma dualidade, se ele queria mesmo a maioria ou arranjar uma crise para ter o pretexto de ir para Bruxelas, porque falaram de uma presidência na Comissão Europeia”, disse David.
Ao mesmo tempo, a cientista política não duvida que Costa esteja preparando uma outra surpresa como em 2015, quando o PS perdeu para o PSD e, mesmo assim, ele negociou para formar a Geringonça e chegar ao poder.
“António Costa é como um gato, tem sete vidas. Quando pensamos que ele está derrotado, consegue se reerguer e tomar conta da situação”, comparou David.
No entanto, para ressuscitar o governo, Costa terá que voltar ao ponto de partida e negociar novamente o Orçamento. Como não espera posições mais brandas do BE ou do PCP sobre aumento de salários e mais investimentos no Sistema Nacional de Saúde (SNS), precisará fazer concessões, justamente o que não fez ano passado para evitar toda esta crise.
“Ele poderia ter feito mais concessões. Aumentou o salário mínimo, é verdade, mas não vivemos só de mínimo. Nosso salário médio é um dos mais baixos da Europa. Dizem que é hábil negociador, mas conversar com todo mundo não é nada se for para recusar um acordo por escrito, que é o que traz estabilidade ao governo”, lembrou André Freire. As informações são do jornal O Globo.
O Sul
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