segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Plano é condenado por dano moral pela recusa de home care a paciente

 por Eduardo Velozo Fuccia

Ainda que não seja eventualmente aplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC) na relação jurídica entre as partes, subsiste a responsabilidade contratual de observância da boa-fé objetiva. Desse modo, não é possível a plano de saúde negar tratamento a beneficiário para suprir as necessidades decorrentes de seu quadro clínico delicado.

Com essa conclusão, adotada em sede de reexame necessário, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) negou provimento a recurso de apelação do Estado e confirmou sentença que o condenou a pagar indenização de R$ 8 mil, a título de dano moral, pela recusa de atendimento em home care a paciente de plano de saúde.

 

O autor da ação tem 69 anos de idade e está vinculado ao Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Estaduais (Planserv). Sob gestão direta do governo da Bahia, o plano tem adesão facultativa, mas três em cada quatro servidores fazem parte dele, formando com seus familiares um grupo de cerca de 500 mil pessoas atendidas.

De acordo com o desembargador José Soares Ferreira Aras Neto, relator do recurso, a jurisprudência das cortes superiores tem se posicionado pelo reconhecimento da "abusividade na negativa de tratamento médico", ainda que em regime domiciliar, inclusive no que tange aos planos de saúde de autogestão, como é o caso do Planserv.

Para o colegiado, a situação excede o mero dissabor. A necessidade de tratamento em home care foi atestada por relatórios médicos. Sobre o valor da indenização, a 2ª Câmara Cível o considerou proporcional, razoável e em conformidade com parâmetros seguidos pelo TJ-BA. A decisão foi unânime, e o acórdão foi publicado no último dia 12.

Tutela antecipada
Internado na Unidade de Terapia de Intensiva da Santa Casa de Itabuna, o paciente foi depois transferido para o quarto. Diante de melhora progressiva, os médicos condicionaram a sua alta ao tratamento domiciliar de fisioterapia e fonoaudiologia, além de acompanhamento médico e nutricional regulares.

O Estado alegou inexistir justificativa clínica para indicação do tratamento em home care, apesar dos relatórios médicos juntados pelo autor. Sustentou ser responsabilidade da família a prestação dos cuidados rotineiros em casa. Por fim, disse que em Itabuna e região não há empresa especializada no serviço pleiteado credenciada ao Planserv.

O juiz Ulysses Maynard Salgado, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Itabuna, deferiu pedido de tutela antecipada do autor. Para o julgador, a negativa do Planserv em disponibilizar e custear os serviços de atenção domiciliar solicitados pelo paciente é "irrazoável", em especial, quanto ao argumento da ausência de prestador na região.

"Vislumbro a prova inequívoca da verossimilhança das alegações da parte autora. Não há dúvidas sobre o perigo de dano irreparável, a saber, o permanente comprometimento da mobilidade do autor, a se prolongar a espera pela reabilitação de que necessita", decidiu Salgado ao conceder a antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

Boa-fé contratual
Para se eximir de responsabilidade, o Estado argumentou que as cláusulas dos contratos do Planserv não são de adesão, pois o plano é regido por lei específica, sendo o rol de coberturas previsto em decreto estadual. Também defendeu serem inaplicáveis o CDC e a Lei 9656/98, esta por reger apenas planos e seguros privados de assistência à saúde.

Devido ao modelo de autogestão, as relações entre o Planserv e os seus beneficiários não se submetem às regras do CDC. No entanto, conforme ressalvou o juiz, devem ser aplicados à hipótese os "princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato", nos termos dos artigos 422 e 423 do Código Civil.

"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente", diz o artigo 422. O seguinte preceitua que, "nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".

A ausência de empresa credenciada ao Planserv na cidade onde mora o autor não justifica a recusa de atendimento por ferir o princípio da isonomia, conforme salientou o magistrado, na medida em que o plano oferece o serviço de atenção domiciliar na capital Salvador e outros municípios baianos.

"Embora o mero descumprimento contratual não caracterize dano moral, a recusa indevida à cobertura de procedimento necessário a garantir a incolumidade da saúde do segurado agrava a situação de fragilidade, aflição e angústia decorrente da enfermidade", sentenciou o juiz, ao manter a tutela antecipada e condenar o Estado a indenizar o autor.

0501249-75.2014.8.05.0113

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 30/01/2022 e SOS Consumidor

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