A verdadeira ‘guerra’ em torno da execução das emendas parlamentares ao Orçamento vai selar o destino do futuro governo e terá mais importância e efeito para os custos da governabilidade do que as federações partidárias e outras novidades da legislação eleitoral, como o fim das coligações nas eleições proporcionais.
Esta análise, feita por líderes políticos e cientistas políticos, joga luz na mais forte ponta da crise do presidencialismo de coalizão, modelo que, desde a redemocratização, tradicionalmente rege a relação entre Executivo e Congresso no País.
Para especialistas, essa correlação de forças, essencial para a governabilidade, ficou comprometida na gestão Jair Bolsonaro, que se rendeu a um “presidencialismo de cooptação” — no qual o Congresso se tornou responsável por metade dos investimentos do Executivo, sem se comprometer com políticas públicas do governo ou com a responsabilidade fiscal.
Em números, essa situação é descrita pela evolução da execução orçamentária das emendas parlamentares, que saiu de R$ 3,3 bilhões empenhados em 2015 para chegar a R$ 26,5 bilhões em 2021. Em 2022, o orçamento federal prevê R$ 44 bilhões para investimentos e R$ 21,1 bilhões para atender a emendas de parlamentares.
“O próximo presidente vai experimentar um primeiro ano infernal em sua relação com o Congresso. Será uma batalha de vida ou morte para saber quem vai controlar a execução do orçamento”, disse Alessandro Molon (PSB), líder da oposição na Câmara. Para ele, esta “guerra” passa pelo fim do orçamento secreto, que tem como base as emendas de relator, e definirá o sucesso ou insucesso do futuro governo.
Conforme cálculo do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), as emendas parlamentares consumiram, em 2021, 53% do total de R$ 50 bilhões de investimentos do governo federal. “Mais da metade do orçamento de investimento é de emendas parlamentares individuais, de bancada, de comissão ou de relator. Em 2015, isso não era assim.”
Para ele, o País precisa enfrentar essa situação. “Num sistema presidencialista é complicado ter um orçamento parlamentarista.” Segundo Moreira, o Congresso está influenciando muito o Orçamento com pouca responsabilidade nos resultados políticos do governo. “Por mais que você faça uma coalizão, ela servirá apenas para se manter no poder e não para melhorar a qualidade do governo.”
Molon concorda com o colega tucano. Para ele, o orçamento secreto — só as emendas de relator em 2022 somarão R$ 16,5 bilhões — transfere, na prática, do Executivo para o Legislativo, a execução desses recursos. Além da falta de transparência na aplicação das verbas, os critérios de decisão são desconhecidos. “Isso não é republicano, legal ou moral. É impossível construir um País desse jeito.”
Líder do PT na Câmara, o deputado Bohn Gass (RS) afirma que o “Parlamento deve fiscalizar os recursos e votar o Orçamento, mas cabe ao Executivo administrar o País”. “Não estamos no regime parlamentarista. Por isso acreditamos que esse mecanismo não está correto”, disse. “Temos de rever isso.”
Custo
Além da execução orçamentária, outros fatores, como a fragmentação partidária no Parlamento — que atualmente abriga 24 partidos —, também elevam o que os analistas costumam chamar de custo da governabilidade. Para o cientista político Humberto Dantas, a figura do presidente da República também desempenha um papel importante nesse cálculo.
“As características do presidente, o fato de ele ser o Bolsonaro, o (Michel) Temer ou a Dilma (Rousseff) muda inteiramente a questão da governabilidade. A intensidade e agressividade de Bolsonaro e a capacidade e forma como ele negocia a governabilidade explicam muito o quadro que estamos vivendo”, afirmou Dantas.
Para Molon, o País vive um “semipresidencialismo disfarçado para tentar poupar o que resta de apoio a um presidente decadente”. “É um presidente que não governa, não decide sobre os recursos e transforma todas as votações em ‘toma lá, dá cá’. Não se discute mais projeto. A política virou um varejo das emendas individuais. É um desastre, o pior dos mundos; não é o presidencialismo nem o parlamentarismo. É essa feira, em que cada um tem direito a uma quantidade de emendas. Isso não tem como dar certo.”
O Sul
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