sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Economistas temem que o Brasil chegue a uma situação em que taxas de juros mais altas não segurem a inflação

 


A decisão do Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central (BC) de elevar os juros em 1,5 ponto percentual, mais do que nas decisões anteriores era esperada por especialistas, que apontavam a necessidade de uma ação efetiva para controlar a inflação, que acumula alta de 10,34% nos 12 meses até outubro pelo IPCA-15.

Mas economistas temem que o quadro de desajuste nas contas públicas no país acabe levando a um cenário de dominância fiscal, em que as políticas monetárias deixam de surtir efeito no controle de preços.

A avaliação é que, além de elevar a Taxa Selic, é preciso que o governo se esforce para manter os gastos dentro do teto (a regra que limita o crescimento das despesas públicas) para sinalizar ao mercado que a responsabilidade fiscal é uma prioridade. Caso contrário, a confiança dos investidores pode se deteriorar.

Desde que foi deflagrada a crise do Auxílio Brasil a R$ 400 e os debates sobre mudanças na regra do teto de gastos (a regra que limita o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior), economistas estimavam que o BC precisaria adotar uma ação mais contundente do que os aumentos de 1 ponto percentual que vinha praticando desde agosto.

Em circunstâncias normais, a alta dos juros reduz o consumo e, portanto, a demanda, fazendo com que haja menos espaço para que os preços subam. Além disso, aumenta a confiança do mercado na política monetária, valorizando o câmbio e fazendo com que haja mais investimento.

Porém, em um cenário de aumento da dívida pública, como o que ocorre no Brasil, juros mais altos prejudicam a capacidade do governo de honrar compromissos.

“Em uma situação de dominância fiscal, a alta da Selic provoca piora da inflação. O mercado começa a acreditar que o Tesouro não vai conseguir pagar os juros da dívida, e aí os investimentos saem do País, o câmbio se deprecia. É quando a política monetária passa a não funcionar mais” explica Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research.

Além disso, um patamar de juros mais altos em meio a desemprego elevado e inflação faz com que haja menos investimentos privados, reduzindo o crescimento econômico. É o que se chama de estagflação.

Em relatório, o Itaú já projetou recessão moderada para 2022. O banco revisou as expectativas de crescimento, passando de alta de 0,5% para queda de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2022.

No texto, o banco aponta que os aumentos de gastos fiscais, com fatores como o programa Auxílio Brasil de R$ 400, “aumentaram as dúvidas sobre o futuro do arcabouço fiscal no Brasil, que desde 2016 tem sido baseado em um teto de gastos ajustável”.

“Embora a discussão sobre dominância fiscal pareça exagerada no momento, é verdade que, sem uma âncora fiscal crível, a tarefa do Banco Central de manter a inflação na meta se torna mais difícil”, alerta o relatório do Itaú.

Marilia Fontes, da Nord Research, afirma que apesar de o Brasil ainda não ter atingido o cenário de dominância fiscal, as sinalizações do governo no sentido de flexibilizar o teto de gastos fazem com que o país se aproxime cada vez mais desse horizonte.

Para Álvaro Bandeira, economista-chefe do Modalmais, o país não está longe da estagflação. E a única forma de evitar isso é equilibrar as contas públicas.

Independência

Segundo João Beck, economista e sócio da BRA, o fato de a elevação da Selic para 7,75% ao ano ter sido uma decisão unânime da diretoria mostra comprometimento técnico e independência do BC, que “não vai se deixar influenciar pelo governo”. E mostra também a defesa de uma postura fiscal mais responsável:

“No geral, foi um comunicado firme, objetivo e passando a mensagem de que irresponsabilidade fiscal será remediada com mais juros”.

Para Rodolfo Margato, economista da XP, alguns agentes do mercado esperavam tratamento mais contundente em relação aos eventos fiscais recentes, como o aumento de gastos fora do teto, mas apesar de o recado do BC ter sido “lacônico”, deixou claro que há uma elevação dos riscos.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, disse que “dentro da linguagem do Copom”, foi um comunicado duro:

“Tem sempre uma certa linguagem diplomática no Banco Central, mas para bom entendedor, meia palavra basta. O recado foi dado, e o BC endureceu bem a linguagem a esse respeito. Falou em deterioração no balanço de riscos, em desancoragem das expectativas de inflação por razões fiscais, e questionamento do regime fiscal”.

O Sul 

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