quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O PODER JUDICIÁRIO

 No Brasil, o Poder Judiciário sempre foi visto como a instituição garantidora da liberdade de expressão e de imprensa, mas, nos últimos anos, tomou a frente com atos de sua própria iniciativa considerados inibitórios (retirada de conteúdo ofensivo da internet, desmonetização de canais de influenciadores digitais, bem como prisões e buscas e apreensões contra críticos dos tribunais). Como o sr. avalia esse comportamento mais recente, especialmente vindo de ministros da Suprema Corte?


   


Fernando Schüler: Vejo com preocupação. Tenho grande respeito pela nossa Suprema Corte, e considero seus integrantes, em regra, pessoas de enorme capacidade intelectual. Então não entendo o suporte que juristas historicamente comprometidos com os direitos civis oferecem a uma agenda restritiva de direitos individuais - como não se via no Brasil desde a época do regime autoritário. Fake news não é crime, no Brasil, e arrisco dizer que toda a grande tradição moderna da liberdade de expressão, desde John Milton, com a Areopagítica, passando por James Madison, até John Stuart Mill, sempre se pautou pela ideia do “direito ao erro”.


 


Se as pessoas não podem errar, e isto implica por vezes em mentir, ou expressar opiniões que muitos irão considerar inaceitáveis, então simplesmente não há liberdade de expressão.


 


Me chamou a atenção uma fala recente do ministro Edson Fachin, dizendo que a defesa da ditadura não era coberta pelo direito à expressão. Imediatamente me lembrei que este foi um dos argumentos usados para cassar o registro do antigo PCB, em 1947. A verdade é que voltamos no tempo. Depois de muitos anos, o Supremo pratica censura prévia ao bloquear contas de cidadãos, com a justificativa vaga de que eles poderão vir a cometer crimes contra a democracia. A desmonetização das contas dos ativistas pró-voto impresso é escandalosa, visto que é uma censura feita em nome da “verdade”.


   


Então temos um tribunal que se toma como proprietário da verdade. Confesso jamais ter imaginado que chegaríamos a uma situação como esta. Então acho que o Supremo deveria fazer uma profunda reflexão sobre este tema. O risco disso tudo é a perda progressiva de legitimidade das instituições.


   


Isto também está lá, nas origens da liberdade de expressão. [John] Locke dizia que, em uma sociedade plural, a tolerância e aceitação dos divergentes é condição para a paz social. É condição do contrato político. Acho que o Supremo deveria corrigir isto, e tem condições de fazê-lo. E seria uma enorme contribuição para a civilização brasileira.


   


Gazeta do Povo.


Pontocritico.com

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