por Felipe Souza
O aplicativo mais conhecido para fazer esse tipo de compra no Brasil é o Facily, que teve 2 milhões de downloads só nos últimos oito meses
Um litro de leite ou uma lata de cerveja por R$ 1, um pé de alface por R$ 0,50 e barris de chope de graça. No último ano, a crise financeira causada pela pandemia de Covid-19 se agravou e levou grupos de amigos, vizinhos ou até desconhecidos que moram perto a criarem grupos para compras coletivas, em busca de preços mais baixos.
O aplicativo mais conhecido para fazer esse tipo de compra no Brasil é o Facily, que cresceu exponencialmente por conta da crise. Ele teve 2 milhões de downloads nos primeiros dois anos e meio de operação, e igualou essa marca nos últimos oito meses, sendo metade disso só nos dois mais recentes.
O desemprego, a perda do poder de compra e a inflação acumulada nos últimos meses fizeram a população procurar opções mais baratas de compra, principalmente nas periferias das oito grandes cidades do Brasil onde o serviço está disponível.
Ao mesmo tempo, devido ao grande volume de acessos e pedidos, usuários do aplicativo Facily disseram à BBC News Brasil que ele hoje enfrenta problemas com atrasos nas entregas. A empresa diz que está investindo em infraestrutura para acabar com o problema.
Mas como o serviço consegue vender os mesmos produtos encontrados nas prateleiras do supermercado a um preço tão baixo?
Isso ocorre porque o aplicativo liga distribuidores de produtos a grupos de pessoas dispostas a se juntar para comprá-los em grande volume. O preço cai porque uma série de custos da cadeia de venda tradicional —como os supermercados, por exemplo— é cortada quando o produtor repassa sua mercadoria diretamente para o cliente final.
Desta forma, o comprador economiza em transporte, armazenamento e funcionários de uma loja, que normalmente são embutidos no preço final do produto. Mas precisa estar disposto a ter uma oferta menor de produtos, a buscá-los em casas na vizinhança e, em alguns casos, aguardar semanas e até meses pela entrega.
ALTERNATIVA PARA ECONOMIZAR
Um estudo do grupo de pesquisas Food for Justice, da Universidade Livre de Berlim, apontou que, em abril de 2021, 59,4% dos domicílios do Brasil se encontravam em situação de insegurança alimentar —quando uma família diz ter preocupação com a falta de alimentos em casa ou já enfrenta dificuldades para conseguir fazer todas as refeições.
De acordo com o estudo, os mais altos percentuais de insegurança alimentar são registrados em famílias com apenas uma fonte de renda (66,3%). Isso se acentua ainda mais quando essa responsável é uma mulher (73,8%) ou uma pessoa parda (67,8%) ou preta (66,8%).
É o caso de Tânia Taylor Corrêa da Silva, de 34 anos. Ela diz que inicialmente desconfiou do aplicativo, mas conta que ele "salvou a família" durante a crise graças à economia que fez com os descontos da plataforma.
Desempregada, Tânia afirma que hoje faz a maior parte das compras do mês assim. "Eu tenho três crianças, e estou economizando muito nos gastos com leite. Compro uma caixa com 12 unidades por semana. Com o Facily, pago R$ 12. No mercado, custaria R$ 45", diz ela.
"Eu recebo Bolsa Família e o pai da minha filha de 1 ano e 6 meses ajuda um pouco financeiramente, mas eu só tive condições de alimentá-la com a ajuda desse aplicativo."
Tânia diz que também usa o aplicativo para comprar sabonete, amaciante, sabão em pó e outros itens de higiene pessoal.
DEMORA E DESCONFIANÇA
Os usuários do Facily entrevistados pela BBC News Brasil dizem que aprovam o aplicativo, exceto o tempo de espera para receber os produtos. Tânia conta que já se acostumou com a demora, mas se organiza para que não falte nada em casa por conta dos atrasos.
"Eu faço uma planilha com meus pedidos e vou comprando adiantado. Quando vejo que meu óleo vai acabar, eu compro agora porque sei que dá para esperar. Mas, quando o produto está no fim, tem que ir no mercado mesmo", explica.
Tânia diz que outro problema é a entrega de produtos frescos, como hortifruti. Ela conta que muitas vezes eles chegam para ela já estragados ou nem mesmo são entregues. "Fiz um pedido em março, e não veio o saco de laranjas que eu comprei. Pedi porque era um saco de 10 kg por R$ 5. Eles me reembolsaram, mas não vale a pena o transtorno", conta.
A pedagoga Ivani Rosa da Silva, de 43 anos, passou por algo semelhante. Ela explica que parou de usar o aplicativo porque ocorrem muitos atrasos e algumas vezes o produto nunca chega.
"Teve compra que fiz em março e vai chegar agora. Os canais para reclamar são péssimos e sempre falam que vão mandar um vale e, na maioria das vezes, não resolve nada. As pessoas do grupo que montei também estão com vontade de desistir", afirma.
Mas ela ainda quer dar mais um voto de confiança. "Para mim, faz muita diferença. Eu moro com meu marido e mais quatro filhos. É muita economia."
Em entrevista à BBC News Brasil, o presidente e fundador do aplicativo, Diego Dzodan, reconhece os problemas e disse que a empresa está trabalhando para resolvê-los.
"A proposta de valor acabou sendo tão boa que cresceu muito mais rápido do que conseguimos expandir e os prazos de entrega acabaram sendo maiores. Mas foram percentuais muito pequenos. Nesses casos, pedimos desculpas porque confiaram na gente e não fizemos um trabalho como deveria ter sido feito", diz.
Dzodan afirma ainda que todos os pedidos em atraso serão entregues e que a empresa busca novas parcerias de desconto. A empresa também diz ter triplicado o número de atendentes para atender melhor aos chamados e reclamações.
"Quem depositou confiança em nós, pode continuar. Vamos entregar todos os pedidos e estamos correndo para montar nossa nova infraestrutura. Vamos aumentar nossa capacidade de entrega. É um percentual mínimo de pessoas com problemas, mas é inaceitável", afirma à reportagem durante entrevista por teleconferência no centro de distribuição da empresa, em São Paulo.
INSPIRAÇÃO NA CHINA
O fundador da Facily tem no currículo uma passagem de quatro anos pelo Facebook e conta que encontrou na China a inspiração para criar o aplicativo no Brasil.
"Aprendemos estudando empresas chinesas. Esse modelo está muito desenvolvido por lá, onde é chamado de social commerce [comércio social, em tradução livre]. Identificamos que o Brasil tem muito espaço nesse segmento e estamos crescendo de uma forma muito consistente desde março de 2020", afirma.
Dzodan acredita que a plataforma faz sucesso porque muitos brasileiros têm acesso à internet e porque não cobra pela entrega. "A penetração da internet é muito forte, chega a 73% da população. Na pandemia, vimos que a internet é ferramenta ideal para compras. O único ponto é que o frete criava uma barreira, deixava de fora boa parte da população", explica.
O fundador da Facily diz que produtores de banana, por exemplo, vendem o produto a R$ 1 para supermercados, que repassam a até R$ 5 ou R$ 8 para o consumidor final.
"Não é que haja má intenção nisso. É que ele inclui a margem do agregador, do centro de distribuição e do varejista. Fomos até o produtor para diminuir esse custo logístico enorme do e-commerce. E aproveitamos que o custo de um caminhãozinho para entrega nos pontos de retirada é o mesmo para centenas de pedidos feitos pelo mercado", afirmou.
CONCORRÊNCIA
Especialistas em tecnologia ouvidos pela reportagem disseram que a Facily não disputa mercado diretamente com nenhum aplicativo no Brasil.
Mas o coordenador do MBA de marketing digital na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Andre Miceli, diz que tanto o WhatsApp quanto o Instagram, que também lançaram serviços de compras, se tornaram concorrentes do Facily. Recentemente, a B2W também lançou uma plataforma de social commerce chamada OOOOO.
Miceli avalia porém que nenhuma delas é como o Facily, em que usuários se juntam para comprar produtos em larga escala e conseguir desconto. "(Elas) são concorrentes por terem funcionalidades de social commerce. Não são ferramentas idênticas mas estão numa mesma categoria", afirmou.
De acordo com Miceli, o comércio digital cresceu pouco mais de 40% no Brasil em 2020, atingindo quase R$ 90 bilhões.
A Facily diz que quase não investe em publicidade e que usa essa economia para dar bônus aos clientes, como as vantagens e descontos que eles ganham ao indicar um novo cliente. O fundador da empresa diz que o seu serviço é diferente dos sites de compras coletivas que fizeram sucesso no início da década passada. O executivo defende que eles usavam um modelo insustentável.
"Levar mil clientes por semana a mais numa pizzaria atraídos por cupons capta muita gente, mas o custo de cada pizza é o mesmo, porém vendida a um preço mais barato. Nossa tecnologia, por outro lado, é usada para reduzir o custo total do sistema e o fornecedor continua com o mesmo lucro."
Fonte: Folha Online - 17/07/2021 e SOS Consumidor
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