Nas situações em que se verifica vício de qualidade do produto, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite que o cliente opte pela substituição do bem por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, pela restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou pelo abatimento proporcional do preço.
Tomando por base esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que condenou uma loja de veículos a devolver o dinheiro pago por um cliente para adquirir uma Ferrari F-430, em 2009, sem saber que o carro tivera sua estrutura recuperada após um acidente grave. O preço do veículo foi R$ 1,17 milhão.
Além da devolução, a loja deverá reembolsar todas as despesas do comprador com seguro DPVAT, IPVA, revisão automotiva e parecer técnico, além de pagar uma indenização de R$ 25 mil por danos morais. A restituição dos valores, porém, foi condicionada à devolução do carro.
No recurso especial ao STJ, a loja alegou que não havia vício na qualidade do produto, já que o veículo pôde ser utilizado normalmente pelo comprador durante o tempo em que permaneceu com ele. A empresa também defendeu que o desgaste do carro deveria ser considerado no cálculo da restituição, sob pena de enriquecimento sem causa do cliente. Além disso, apontou que as despesas de manutenção do veículo durante o tempo de utilização deveriam ser imputadas ao cliente.
Direito à informação
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, nas hipóteses de vício de qualidade, as opções ao consumidor são garantidas pelo artigo 18, parágrafo 1º do CDC. Segundo ele, esse dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o artigo 6º, inciso III, que estabelece o direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre todas as características dos produtos e serviços, como qualidade, quantidade, preço e eventuais riscos.
No caso em análise, Bellizze apontou que, de acordo com as instâncias ordinárias, a loja não cumpriu o seu dever, já que caberia a ela informar o consumidor sobre o sinistro que o veículo havia sofrido. Sem cumprir essa obrigação, argumentou o relator, a empresa frustrou as legítimas expectativas do consumidor, principalmente em relação à qualidade do produto.
Além disso, o ministro destacou que o TJ-MG entendeu não ser possível minimizar a culpa da empresa pela venda de veículo recuperado, pois se trata de bem de alto valor e quem se dispõe a pagar preço tão alto não teria interesse em comprar um automóvel danificado em acidente grave, fato que influencia o valor de mercado.
Quanto aos gastos efetuados pelo cliente após a compra, Bellizze observou que, caso ele não fizesse as revisões, o veículo sofreria depreciação ainda maior, o que poderia gerar a sua condenação ao pagamento pela desvalorização excessiva do bem.
No mesmo sentido, para o relator, a despesa com o laudo técnico encomendado pelo cliente deve ficar na responsabilidade do fornecedor, pois somente após essa avaliação especializada foi que se constataram os vícios de qualidade do veículo. Além disso, Bellizze lembrou que o pagamento do IPVA e do seguro obrigatório não é uma opção para o contribuinte, pois, em caso de inadimplência, ele poderia ser impedido de utilizar o veículo e teria de arcar com os encargos moratórios no momento da restituição do bem ao fornecedor.
"Portanto, o consumidor agiu em estrita observância ao princípio da boa-fé objetiva, exercendo seu dever de mitigar a própria perda (duty to mitigate the loss), já que, se adotasse comportamento diverso, poderia responder pelo agravamento dos danos e pela maior depreciação do veículo", afirmou o ministro. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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REsp 1.681.785
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 29/04/2021 e SOS Consumidor
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