por Percival Puggina
Eu, porém, me sinto herdeiro dessa fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, com Camões, “o peito ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente, no retiro de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada e mal tratada Terra de Santa Cruz.
Há muitos anos assisti a um filme em que o personagem principal entrou numa confeitaria e encomendou um bolo de aniversário, bem enfeitado, que contivesse a frase “Feliz Aniversário”. No final do expediente, retirou o bolo, levou para casa, ajeitou-o metodicamente sobre a mesa e sentou-se para comemorar consigo mesmo.
Essa representação cênica de solidão e esquecimento me vem à mente quando cai a noite sobre este 22 de abril e a data passa longe dos registros e celebrações. Ontem fizemos feriado no separatismo mineiro representado pela execução de Tiradentes e, hoje, esquecemos do Descobrimento, malgrado seu belo registro oficial na Carta de Caminha.
O 22 de abril de 1500 representa, na História Universal, o ponto culminante de uma das mais significativas aventuras humanas. O Descobrimento do Brasil foi o mais bem sucedido empreendimento ultramarino português, a longa epopeia dos lusíadas, iniciada por Dom João I com a conquista de Ceuta em 1415.
Na gravação para a série “A última Cruzada” produzida pelo Brasil Paralelo, afirmei que as Grandes Navegações, no início do século XV, como aventura e ousadia, superam as viagens que ficaram conhecidas como a “Conquista do Espaço”. Estas, note-se, não envolviam superstições, contavam com excelente informação, base tecnológica e, salvo acidentalmente, não produziram vítimas. Viagens espaciais não justificam versos como os que Fernando Pessoa dirige ao mar salgado lembrando o pranto das famílias enlutadas: “Quanto de teu sal são lágrimas de Portugal!”.
A propaganda esquerdista, porém, intoxicou o Descobrimento. Desvirtuou os feitos portugueses como condição para a velha estratégia de suscitar sentimento de culpa, gerar dívidas e produzir forças antagônicas em ausência das quais se asfixia. Parece não haver mérito em o pequenino Portugal haver descoberto, povoado, protegido e defendido este imenso continente brasileiro contra cobiçosas invasões francesas, inglesas e holandesas.
A ocupação dita extrativista e aventureira da descoberta era chamada povoamento nos textos portugueses. Tratava-se de povoar um continente e os portugueses foram ativos nessa tarefa, originando um fenótipo que hoje corresponde a 33% da população brasileira.
Contudo, os descobridores desrespeitaram condições essenciais para que esse quase inacreditável feito merecesse reconhecimento dos lixeiros da história. D. João III e seus sucessores não eram comunistas. As caravelas portuguesas não traziam a bordo sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, ambientalistas e psicólogos. Os donatários das capitanias hereditárias não eram sem-terra. Não duvido de que até as posteriores senzalas seriam bem-vistas se se chamassem gulags.
A ideologização da história do Brasil, toda ela concebida segundo uma teoria dita “crítica”, acabou por comprometer o amor à Pátria no coração de muitos brasileiros. Mesmo entre os católicos não falta quem considere o Descobrimento e a subsequente obra de evangelização como o assassinato de uma cultura. E isso persiste mesmo depois de o Papa haver canonizado o padre José de Anchieta por haver exercido com sabedoria e discernimento seu sacerdócio entre os nativos.
Eu, porém, me sinto herdeiro dessa fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, como Camões, “o peito ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente, no retiro de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada e mal tratada Terra de Santa Cruz.
* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Pontocritico.com
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