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Daniela estava tão magra
E fraquinha de dar dó.
Comia feito uma draga
E parecia feita de pó.
Um dia a levaram ao médico,
Doutor Lustosa era seu nome.
Um velho deveras caquético,
Cara de que a alegria lhe some.
Com o olhar sem nenhuma piedade
O sábio Lustosa a todos tranquilizou:
– É só uma tênia, que assim, sem maldade,
Do corpinho da Daniela se apossou.
Explicou ele à menina curiosa
Que a tênia também era solitária.
Daniela imaginou a bicha toda rosa
E logo se perdeu em fantasias hilárias.
E assim o amor, que nunca tarda,
Se pôs a parasitar a doce criança,
Que à tênia deu o nome de Emengarda,
A amiga que morava em sua pança.
Emengarda ganhou uns olhinhos
Melosos e tristes como os da dona.
E por que não também uns dedinhos
Para fazer cosquinhas na glutona?
Mas o médico tudo isso ignorava.
Emengarda para ele era só doença.
– Um verme! – entre cuspes apregoava,
– Do qual temos que arrancar a cabeça!
A sonhadora Daniela começou a chorar,
Mas o doutor a amizade desconhecia
E, ansioso para a menina faminta curar,
A existência de um remédio agradecia.
De dentro da menina, o platelminto
O intestino dela beijava e acariciava.
E Daniela, como que por instinto,
Ao verme quase humano se apegava.
– Emengarda é minha tênia e a boneca
Que vive toda alegre em minha barriga!
Não deixarei um médico velho e careca
Arrancar a cabeça da minha amiga!
Horrorizados os pais e o doutor Lustosa
Riram do pesar da menina ranhenta
Que, de nariz empinado, afrontosa,
Protegia Emengarda, tênia nojenta.
O remédio que doutor Lustosa receitou
A brava Daniela jurou que jamais tomaria.
Com lágrimas e muito ranho a boca fechou
Rejeitando o veneno que o verme mataria.
Emengarda no íntimo a tudo ouvia
E, triste, aceitava a morte por destino.
Pensava que se fosse, sei lá, cotovia
Não estaria presa ao soturno intestino.
Depois de muito choro e duas palmadas,
Daniela, a fera, finalmente a bocarra abriu.
Das entranhas a tênia seria despejada,
De nada lhe valeu a valentia infantil.
Não sabiam, porém, os tolos humanos
Que o veneno para a teniazinha matar
Causaria à hospedeira mortais danos
E a ela de nada adiantava espernear.
Para salvar Daniela, a tênia da infanta
Esticou ao máximo uma ventosa improvável
E o remédio roubou-lhe na garganta,
Impedindo, assim, um fim mais lastimável.
O médico sorriu, consigo satisfeito,
E os pais da menina a ele deram graças.
À menina restou uma estranha dor no peito
E a vontade de fazer ainda mais pirraça.
A tênia morreu e, dois dias mais tarde,
Seu corpo apareceu com outros dejetos.
Do feito heroico ninguém fez alarde,
Caiu no esquecimento seu verminoso afeto.
* O gancho jornalístico para a publicação de “Que Deus a tênia!” é o cancelamento do mais querido autor de livros infantis do mundo, Dr. Seuss. Mas a verdade é que já estava mesmo na hora de ver a Emengarda ganhar vida.
Gazeta do Povo
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