domingo, 14 de março de 2021

Egoístas

 Ninguém foi até a frente do Palácio Piratini obrigado. Ninguém foi colocado em um cabresto. Todos sabem dos riscos de uma situação assim.


Guilherme Baumhardt


As próximas linhas não se destinam a médicos, enfermeiros ou técnicos da saúde. Não dizem respeito aos funcionários da limpeza de hospitais ou aos que trabalham na cozinha de instituições de saúde, alimentando profissionais e enfermos. Não é para o porteiro do posto de saúde, nem para o motorista da ambulância. A todos eles, o mais profundo reconhecimento e agradecimento pelos esforços empreendidos até agora, especialmente nos últimos dias, com o sistema à beira de um colapso.

O recado das próximas linhas vai para o sujeito cujo vocabulário se alterna entre o famoso “fica em casa” com o não menos impactante “negacionistas!”, dito assim mesmo, com uma exclamação ao final. Vai para quem está em casa e, por uma razão ou outra, não depende de atividade externa para garantir comida na mesa e grana para pagar as contas de luz, água, telefone e Internet. Aquele que entre um gole e outro de mate, termina uma série do Netflix e parte para a próxima, no Amazon Prime.

Nesta semana, Porto Alegre assistiu a uma manifestação. Majoritariamente empresários, mas também funcionários do setor privado. Qual foi a palavra de algumas manchetes? A mais óbvia delas: “aglomeração”. Todos os presentes no protesto sabiam dos riscos, e por isso devolvo a pergunta: haveria sentido fazer uma manifestação na bandeira amarela ou laranja, quando as restrições a atividades econômicas são mínimas? É possível fazer um protesto sem um mínimo de aglomeração?

Ninguém foi até a frente do Palácio Piratini obrigado. Ninguém foi colocado em um cabresto. Todos sabem dos riscos de uma situação assim. Todos são conhecedores do atual quadro dos hospitais. E, arrisco dizer, vários ali presentes perderam parentes ou amigos na pandemia. E mesmo com tudo isso, por que foram?

Porque estão recebendo uma fatura cuja responsabilidade pouco ou nada recai sobre eles. Foi o comércio o responsável pelas grandes aglomerações? Não. Mesmo no Natal, havia limitações de acesso a shoppings centers e lojas. Quando foi obrigado a adotar sistemas de controle, o setor atendeu. Restringiu o número de clientes nas lojas, adotou outras modalidades de comercialização, fez o que dele se exigia.

Antes de apontar o dedo e chamar aqueles que lá estavam de negacionistas ou irresponsáveis, eu procuro entender as suas razões. E quando olho para a mesa do meu café da manhã, vejo que um irresponsável colheu o trigo do pão que está no meu prato. Vejo que um leiteiro imprudente ordenhou uma vaca e o leite agora está na minha caneca. Motoristas desajuizados levaram o trigo e o leite até a indústria. Percebo que um padeiro inconsequente foi trabalhar e permitiu que aquele trigo virasse pão e chegasse até a minha mesa. Antes da próxima mordida, lembro da tresloucada caixa do supermercado, uma maluca que resolveu não ficar em casa e passou o meu cartão de crédito na maquininha para que eu levasse minhas compras para casa. E, no estacionamento do supermercado, olho para o painel do carro, vejo o tanque cheio e me dou conta de que o desvairado do frentista foi trabalhar. Um doido!

Se você pode ficar em casa, ótimo! O mundo agradece. Mas não julgue aqueles que estão tomando todos os cuidados para sobreviver e para manter empregos. Aos que ainda não entenderam: toda atividade é essencial para quem dela depende.

Liderança I

Em janeiro de 2016, Porto Alegre foi virada do avesso por um temporal. Prédios públicos e privados, áreas de lazer, parques e praças sofreram. Poucas estruturas da cidade passaram ilesas pelo evento. O então prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, estava em viagem. Coube ao vice na época, Sebastião Melo, arregaçar as mangas e coordenar a reconstrução da capital. Hoje, em meio à pandemia, o hoje prefeito adota postura semelhante. Desde o agravamento da pandemia, percorreu estruturas hospitalares para viabilizar a abertura de novos leitos, viajou a Brasília, em busca de mais recursos do Ministério da Saúde e da bancada federal do Rio Grande do Sul.

Liderança II

Nesta sexta-feira, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou medidas de apoio à economia da cidade. Entre elas: a proibição do corte de água de imóveis comerciais, mesmo em caso de inadimplência; a suspensão do envio de inadimplentes para o serviço de proteção ao crédito; prorrogação do vencimento do ISS de autônomos dos meses de março e abril para setembro e outubro, entre outras medidas. Melo cresce na hora da crise.


Correio do Povo

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