por Percival Puggina
Leia e creia. Os tempos verbais comandam os acontecimentos. Os gerúndios, por exemplo, não são usados com a cautela devida. Por isso, chama a atenção a invasão deles na comunicação nacional. Você liga para um 0800. Quer providência e solução. Não obstante, a resposta vem assim: Vamos estar encaminhando sua solicitação... Vamos estar entrando em contato. Vamos estar agendando. E por aí "vão indo" os encaminhamentos.
Poderíamos dizer que é apenas um dos muitos erros acolhidos no nosso modo de falar. No entanto, se prestarmos atenção aos motivos dessa construção verbal, perceberemos quanto a linguagem frauda a mensagem. Empregado assim, o gerúndio dissimula a negação do que afirma. Cria uma ilusão, ao sugerir que a ação ocorrerá no tempo presente, de modo continuado – encaminhando, entrando em contato, agendando. Mas faz o inverso ao remeter às imprecisões do futuro e da impessoalidade, através do "vamos estar". Quem diz vamos estar não está, não diz quem estará, nem quando estará. Para que a frase merecesse credibilidade seria necessário usar o verbo no tempo futuro, estabelecer quando a ação seria cumprida e indicar seu sujeito: encaminharei neste momento, entrarei em contato hoje, e assim por diante. Imagine o que aconteceria se um gerente, interpelado por seu chefe sobre determinado problema, respondesse com um "vamos estar verificando e estaremos encaminhando"...
Mas isto aqui não é lição de Língua Portuguesa. Nem eu a saberia ministrar. Pretendo mostrar que essa formulação marota, depois de ter sido durante muitos anos a cara da nossa política, está em pleno vigor no Congresso Nacional que, em breve “vai estar elegendo” seus novos presidentes. Sabemos todos que Câmara e Senado vão estar examinando os grandes temas do país. Mas isso não significa real interesse, efetivo estudo, ou sensibilidade à sua urgência. Os projetos do governo tomam chá de gaveta nos gabinetes com poder de mando. As reformas rastejam nos corredores, do abandono para a indiferença.
Por outro lado, felizmente, o gerúndio morreu no governo da República. Hoje, o Poder Executivo, no que dele depende, fala na primeira pessoa. Os ministros do governo usam o presente do indicativo para dizer o que pensam e fazem. Seria bom que aqueles governadores, prefeitos e jornalistas para os quais “a economia a gente vai estar vendo depois” escrevessem sobre o que estão vendo agora. Nada que o ministro Paulo Guedes já não tenha visto há oito meses, e no futuro do presente.
O STF, em má hora, promoveu o velório de um prolongado gerúndio. Em 2018 não aderiu sequer ao presente do indicativo. Foi direto para o imperativo afirmativo. Sujeito a multa e guincho. Ou será gancho? Não dissimula. Assumiu o comando geral das cacholas nacionais, ficando interdito pensar fora da sua caixinha progressista. Justamente a que perdeu fiéis, saiu do poder, e devolveu anéis que não eram seus.
* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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