Está na pauta da 4ª Turma do STJ, nesta terça-feira (15), o caso da servidora pública aposentada gaúcha Carmem Ligia Irion Jobim, 70 de idade, ex-funcionária da Caixa Econômica Estadual. Será o ponto de partida para discutir se o cálculo da indenização deve ser feito usando o índice de correção monetária, mais juros de mora de 1% ao mês.
Ou se - quase em linha inversa - apenas com a aplicação da Taxa Selic que é a taxa de juros básica da economia do país, hoje, em 2% ao ano.
Para a cidadã, que litiga contra a Cia. Securitizadora de Crédito e Financiamento Gomes Freitas, a diferença no valor da indenização será de cerca de R$ 14 mil. No primeiro caso, ela receberia cerca de R$ 47 mil; no segundo, em torno de R$ 33 mil.
A ação começou em 13 de janeiro de 2006, na 14ª Vara Cível de Porto Alegre e passou em 23 de abril de 2008 pela 9ª Câmara Cível do TJRS. (Na Justiça gaúcha, o processo teve os seguintes números: 10602300987, 70020360624).
A aposentada ganhou nas duas instâncias iniciais. O recurso especial foi enviado ao STJ em 28 de julho de 2008. O espantoso é que o julgamento superior vai ocorrer mais de 12 anos e 5 meses depois.
Segundo os especialistas em defesa do consumidor, no entanto, a mudança terá efeito muito mais amplo e pode tornar ainda mais vantajoso para as empresas postergar uma solução extrajudicial ou no Judiciário.
O lucro em postergar
Com uma inflação prevista em torno de 4% e a Selic, em 2%, isso representaria juros negativos este ano. Ou seja, sem os juros de mora, quanto mais a empresa postergar para pagar, menor será a indenização. “Trata-se de uma medida que pode se voltar contra o próprio Judiciário, já que será mais lucrativo aplicar o dinheiro e empurrar com a barriga os processos, pois a dívida será corroída com o tempo” - afirma o advogado Leonardo Amarante, que perante o STJ representa a aposentada.
O julgamento mobilizou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) que se apresentaram como amicus curiae.
As duas entidades apresentaram posicionamentos em defesa da adoção exclusiva da Selic, sem a aplicação do juros de mora.
Desmotivação à solução
A ampliação do escopo do julgamento foi feito pelo relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão. Em seu voto, Salomão explica que apesar da Corte Especial do STJ — no julgamento dos embargos de divergência no recurso especial nº 727.842/SP, em 2008 —ter legitimado “a aplicação da taxa Selic sobre os créditos do contribuinte" e “débitos para com a Fazenda Nacional", o tema ainda não foi enfrentado nas turmas de direito privado.
Em seu voto - no recurso que foi enviado, por afetação, para o Órgão Especial do STJ, que a seu turno devolveu a demanda para a 4ª Turma, o ministro considera a Selic “inadequada para indexar as indenizações das ações relacionadas ao direito privado - como é o caso da aposentada gaúcha.
Salomão defende a manutenção dos juros de mora, mais a aplicação de um índice de correção monetária determinado pelos Tribunais de Justiça estaduais - porque “tal é a conjunção que geralmente reflete a inflação”. O ministro complementa: “A adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa e, de outro, um incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor de que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais”. (REsp nº 1081149).
Enriquecimento sem causa
Em nota, a Febraban apresenta uma visão diferente da tese do ministro e diz entender que “a Selic deve continuar a prevalecer, pois, como única taxa com efeito neutro (melhor retorno com o menor risco), garante a boa política judiciária”.
Para a Febraban, “qualquer fator diferente da Selic será um incentivo para que uma ou outra parte do processo prolongue as discussões judiciais, prejudicando as iniciativas de conciliação e desjudicialização. Se o fator for menor do que a Selic, o devedor adiará o pagamento ao máximo. Já, se for maior do que a Selic, o credor retardará o quanto puder o recebimento”.
Walter Moura, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que também participa como amicus curiae, chama atenção para o fato de que “a Selic oscilando de acordo com a política monetária do governo é uma das ferramentas de controle da inflação”.
Moura pondera que as taxas pagas pelos consumidores em débito com suas obrigações estão entre as mais altas do planeta: “Mas quando o cidadão é credor, por conta de algum dano que tenha sofrido, querem mudar a regra. Ninguém fica rico ao processar um fornecedor e esse não é objetivo. Mas a mudança vai tonar barato desrespeitar o consumidor”.
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) argumenta que a manutenção de juros de mora de 1%, “com a inflação baixa e a poupança rendendo abaixo da inflação, a ‘rentabilidade’ de uma decisão judicial favorável ao autor, poderá ser muito benéfica, pois poderá ultrapassar rendimentos de 12% ao ano.”
Para a CNSeg, “a tal rentabilidade geraria um enriquecimento sem causa por parte do autor, vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro".
Benefício pela própria torpeza
A advogada Sandra Zenkner (OAB/RS nº 44.558) - que atuou em nome da consumidora enquanto a ação tramitou na Justiça gaúcha - é econômica na crítica sobre a lentidão (mais de 12 anos) do STJ em julgar a causa: “Realmente, não consigo entender a demora. Fiz inúmeros contatos para agilizar. Cada vez que era colocado em pauta, algum ministro pedia vista e voltava ao esquecimento...”
Sandra conversou ontem com o Espaço Vital, via e-mail.
Espaço Vital - Qual a origem da pendenga judicial?
Advogada Sandra - A minha cliente teve os documentos clonados e os estelionatários realizaram compras e empréstimos em diversas empresas e todas as demandas foram julgadas, em média, em cinco ou seis anos. Mas a ação que deve ser agora decidida está no STJ desde 2008. Preocupa-me que a pretensão da empresa devedora é modificar a forma de correção das condenações, o que prejudicaria imensamente a consumidora. Seria vergonhoso modificar o entendimento neste momento, seriam milhões de consumidores prejudicados, e muitos agentes financeiros beneficiados em sua própria torpeza, pois foram estes que causaram os prejuízos que hoje buscamos ver ressarcidos.
Espaço Vital - A demora favoreceria a devedora?
Advogada Sandra - Sim, seria um favorecimento. Extirpar os juros legais e mudar a correção para a Selic seria brindar a negligência, a imprudência e o descaso com que algumas empresas tratam os consumidores. O desrespeito que se vê no dia a dia é lamentável. Não há qualquer cuidado na hora de realizar a venda, o que é injustificável na era digital, onde tudo pode ser conferido. E mais, deixar de pagar os juros legais seria rasgar o Código de Defesa do Consumidor. Acredito no Judiciário brasileiro e creio que esta tese não prevalecerá.
Fonte: Espaço Vital - www.espacovital.com.br - 17/12/2020 e SOS Consumidor
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