Percepção de "furo" no teto de gastos fez o Ibovespa interromper a quinta alta consecutiva
Na reta final dos negócios desta segunda-feira, o mercado de câmbio teve momentos de forte volatilidade, em meio ao noticiário sobre a PEC Emergencial. O dólar emendou a terceira queda seguida, mas desacelerou rapidamente o ritmo de desvalorização na reta final do mercado à vista. Após cair a R$ 5,05 no início dos negócios, encerrou em R$ 5,12. A razão para o dólar ganhar força ante o real é o risco fiscal e o temor de descumprimento do teto em 2021 após o Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, publicar a notícia, apurada com fontes em Brasília, de que na PEC Emergencial, despesas financiadas com receitas desvinculadas ficarão de fora do teto por um ano.
Com o mercado à vista já fechado, o ministério da Economia afirmou ser contra "qualquer tipo de proposta que trate da flexibilização do teto", o que ajudou a acalmar o mercado. Além disso, corretoras, como a Guide, contataram Brasília e ouviram que o relatório do senador não prevê exceção nenhuma ao teto de gastos.
O dólar futuro para janeiro, que recuava abaixo de R$ 5,10, chegou a bater em R$ 5,13 com a notícia do Broadcast e voltou a cair para a casa dos R$ 5,10 com a declaração da economia. No final do dia, fechou em queda de 1,05%, a R$ 5,1010.
Em meio ao noticiário fiscal, o real deixou de ser a moeda com melhor desempenho internacional hoje, posto alcançando mais cedo em meio à promessa de avanço de reformas fiscais pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em novo dia com relatos de fluxo externo para o Brasil.
"Hoje foi um dia típico que a gente estava com saudade, Brasília aprontou, depois voltou atrás, fortes emoções", disse o responsável pela mesa de futuros da Genial Investimentos, Roberto Motta, em live. "Mais uma manobra à la Brasil para tentar escapar do teto de gastos por um ano", disse ele, falando que houve tentativas de desmentido pelo governo, mas fica o ruído.
Assim como disse Motta, a reação inicial à minuta da PEC Emergencial nas mesas de operação foi de descontentamento geral, com operadores usando termos como "pedalada" e "novo malabarismo" para se referir à medida das despesas fora do teto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que conversou com Jair Bolsonaro e ele afirmou "que não há flexibilização do teto".
"Não sei se as dúvidas fiscais vão ser dirimidas tão cedo", disse no final da manhã o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita. "O que aprendemos em 2020 é que viver com o teto pode ser difícil, mas manter o teto também é muito difícil. Requer um grau de articulação", disse ele live do jornal Valor Econômico. O banco projeta o dólar em R$ 5,25 este ano, influenciada pelo desmonte da proteção em excesso dos bancos no exterior, o overhedge. Mas em um cenário com a questão fiscal corretamente encaminhada, Mesquita avalia que o dólar por caiar para níveis entre R$ 4,50 e R$ 5,00.
No momento atual, Mesquita destaca que "estamos tendo um movimento global do aumento do apetite por risco". Para ele, isso tem muito a ver com a postura de política monetária atual e esperada dos bancos centrais, que devem seguir expansionistas, com o Federal Reserve sinalizando que os juros não sobem tão cedo e o Banco Central Europeu (BCE), não só está com juros negativos, mas provavelmente deve injetar ainda mais estímulo na economia. O BCE faz sua última reunião de 2020 na quinta-feira.
Ibovespa
A percepção de que o teto de gastos pode ser "furado" no ano que vem azedou o dia positivo do Ibovespa, que vinha sustentando a quinta alta consecutiva na marca dos 114 mil pontos. Após apontar o golpe, que veio do Congresso Nacional quase no fim da tarde desta segunda-feira, o principal índice acionário da B3 inverteu o sinal e chegou a perder 2 mil pontos, para 112.629,18 pontos na mínima, encerrando a sessão de negócios em queda de 0,14%, 113.589,77 pontos.
Minuta do substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, enviada hoje pelo relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), a lideranças do Senado após meses de impasse, a qual o Broadcast teve acesso, indica que o Congresso quer abrir caminho para despesas fora do teto de gastos pelo período de um ano, desde que sejam bancadas com receitas vindas da desvinculação de fundos públicos. "Furaram o teto", afirmou uma fonte do mercado financeiro ouvida assim que o Ibovespa inverteu a mão.
A partir daí, os investidores dispararam ordens de venda e as ações de primeira linha de bancos, que vinham dando sustentação à alta durante todo o dia, arrefeceram o ímpeto de alta, ainda que tenham encerrado o pregão com ganhos. Os papéis de Itaú Unibanco PN subiram 0,59%, Bradesco PN, 0,66%, Banco do Brasil ON, 1,45% e as units do Santander, 2,31%.
Houve recado formal do Ministério da Economia de que é contra qualquer proposta que trate da flexibilização do teto de gastos, mesmo que temporária, e o próprio ministro Paulo Guedes veio a público para dizer que conversou com o senador Bittar e que ele afirmou que não havia flexibilização do teto. De acordo com o ministro, o próprio presidente Jair Bolsonaro também negou a intenção. "Conversei com Bolsonaro, que também disse que não há flexibilização do teto", afirmou Guedes.
No entanto, ainda assim, o Índice Bovespa não teve forças para reagir, muito embora o índice futuro tenha conseguido voltar ao positivo encerrando com avanço de 0,22%, aos 113.750 pontos.
Durante o dia, o fluxo de recursos estrangeiros foi fator determinante para manter o Ibovespa na contramão do movimento de baixa na maioria dos seus pares no exterior. "Há um movimento muito forte para emergentes, que deve seguir até fevereiro, quando os olhares se voltarão mais firmes para as movimentações no Congresso Nacional", ressalta Luis Sales, analista de mercado da Guide Investimentos.
Juros
Após um dia relativamente tranquilo, os juros passaram por um estresse na sessão estendida da B3, zerando a queda vista na etapa regular e passando a operar em alta, renovando máximas em vários pontos da curva. O gatilho foi a informação, apurada pelo Broadcast, de que a minuta do substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial traz autorização para que receitas desvinculadas banquem despesas fora do teto por um ano após a aprovação do texto. A medida foi lida como "pedalada" e possível ameaça à manutenção do forward guidance do Banco Central, que indica manutenção dos juros em níveis estimulativos por um período prolongado desde que cumpridas determinadas condições, às vésperas do Copom. Até então, a perspectiva de manutenção de fluxo firme para mercados emergentes e notícias domésticas positivas, como a de que a vacinação contra a Covid em São Paulo começa em janeiro e perspectiva de avanço nas reformas já nesta semana, asseguraram recuo das taxas no fechamento da sessão regular.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 fechou a sessão regular em 3,06% e a estendida em 3,075%, de 3,094% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2023 fechou a regular em 4,42% e a estendida em 4,475%, de 4,505% no ajuste de sexta-feira. A do DI para janeiro de 2025 fechou a regular a 6,08% e a estendida em 6,14%, de 6,134% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2027 passou de 6,923% para 6,91% (regular) e 6,96% (estendida).
A realização de lucros que começou na sexta-feira perdeu força no fim da manhã de hoje, quando as taxas zeraram a alta e passaram a oscilar inicialmente com viés de baixa, mas ampliaram a queda perto do fechamento da sessão regular. No fim do dia, o detalhe da minuta da PEC, obtida pelo Broadcast, provocou uma reviravolta no sentimento do mercado, que passou a recompor prêmios com a leitura de piora no risco fiscal e ameaça ao teto de gastos. Dado o estrago, o Ministério da Economia se manifestou dizendo ser contra qualquer proposta que trate da flexibilização do teto de gastos, mesmo que temporária.
Na avaliação dos players, se a regra for aprovada, não se descarta mudança no forward guidance da política monetária já no Copom desta semana. "Eu diria que põe em risco sim. Fábio Kanczuk falou que estava por um triz, embora não que caindo o forward guidance teria alta da Selic imediatamente", disse um gestor, lembrando que a manutenção do teto de gastos é uma das condições para a sustentação da orientação futura.
Na maior parte da segunda-feira, porém, houve otimismo. "O mercado lá fora segue bastante favorável a ativos emergentes, com perspectiva de liquidez global farta, e aqui temos a sinalização de que o auxílio emergencial não será prorrogado. São coisas que induzem à compressão dos prêmios na curva e ganhos no real e na Bolsa", disse Rogério Braga, diretor de Gestão de Renda Fixa e Multimercados da Quantitas Asset.
O estrategista da XP Investimentos, Fernando Ferreira, disse que os programas de estímulos devem ser mantidos pelo mundo no ano que vem, o que de alguma forma deverá beneficiar o Brasil, citando o esperado pacote de estímulos os Estados Unidos e lembrando que o Japão anunciou hoje um programa de estímulo hoje, disse.
O mercado ainda testava uma correção das quedas recentes quando, no fim da manhã, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), informou que o início do Plano Estadual de Imunização (PEI) contra a Covid-19 será em 25 de janeiro, com a CoronaVac. Segundo Doria, qualquer brasileiro que estiver em São Paulo e pedir para ser vacinado dentro do Plano, apresentado hoje, será imunizado gratuitamente.
A CoronaVac está na fase final de análise de eficácia e ainda não recebeu aval da Anvisa, mas, de todo modo, o mercado olhou o copo meio cheio. "Até data para vacina vira motivo para comemoração", diz Braga, acrescentando que o mercado está mais otimista com a parte fiscal.
À sinalização de que o "coronavoucher" não deverá ser estendido, soma-se ainda informação de que o governo desistiu de apresentar um programa de renda mínima, mantendo o orçamento do Bolsa Família. Ao Broadcast Político, o relator do Orçamento, Marcio Bittar (MDB-AC), disse que prepara um parecer da PEC com a previsão de gatilhos, como corte de salário no funcionalismo público, para União, Estados e municípios, que poderá ser apresentado ainda hoje se receber o aval das bancadas do Senado.
Agência Estado e Correio do Povo
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